No
século XIX, a advocacia era uma profissão aberta para o mercado. Não havia decretos estipulando o tipo ou
mesmo a duração da formação que um indivíduo deveria possuir para exercer a
advocacia. Nenhuma lei restringia
nenhuma pessoa de ofertar seus serviços nesta área. Os únicos que reclamavam eram aqueles
advogados que queriam forçar "padrões mais elevados" sobre o mercado.
[No
Brasil, o Instituto dos Advogados do Brasil
foi criado em 1843. O IAB exigia a
formação acadêmica, mas não tinha poderes para fiscalizar e não obrigava os
formandos a se cartelizar para poder exercer sua profissão. Em 1930, Getulio Vargas, por meio do Decreto
n.º 19.408, de 18 de novembro de 1930, institui a Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), entidade que passaria a ser quem efetivamente daria o aval para que a
pessoa pudesse ou não exercer a profissão advocatícia.
Entretanto,
até a década de 1970, ainda era possível exercer a advocacia sem se possuir formação
acadêmica, sendo esse profissional pejorativamente chamado de Rábula. Foi a partir dos anos 1970 que a OAB
começou a endurecer, culminando com uma lei de 1994, decretada pelo governo federal, declarando que a advocacia seria
prerrogativa exclusiva dos bacharéis em Direito aprovados no exame de ordem da
OAB. Ou seja, o advogado é o único
profissional que, ao terminar a sua graduação, deve obrigatoriamente se
submeter a um teste para poder exercer sua profissão. Criou-se assim a mais poderosa guilda do
Brasil; uma reserva de mercado extremamente eficiente para restringir a oferta
de serviços e, com isso, encarecer os preços ao mesmo tempo em que derruba a
qualidade, pois a concorrência é extremamente restrita.
Tão
poderosa é essa guilda, que ela se tornou a única entidade corporativista
citada em um texto constitucional. Como
bem disse Roberto Campos:
"A OAB conseguiu a façanha de ser mencionada três vezes na 'Constituição
besteirol' de 1988. É talvez o único
caso no mundo em que um clube de profissionais conseguiu sacralização no texto
constitucional."]
Atualmente,
a advocacia é uma área restrita exclusivamente àqueles que podem bancar as
amplamente inúteis e altamente custosas etapas exigidas para se obter uma
licença, tudo graças ao lobby dessa associação de advogados. Você não pode "advogar" — um conceito
extremamente vago — a menos que possua uma licença concedida pela guilda que
opera sob a proteção do estado. E você
não consegue obter uma licença sem passar pela tortura extremamente dispendiosa
das faculdades de direito e, principalmente, pelo próprio exame da Ordem. A "prática não autorizada da advocacia" (uma
regra jurídica) protege da concorrência esse cartel legitimado pelo estado
(todo cartel só funciona quando sancionado pelo estado).
Ao
elevar artificialmente o custo de entrada no mercado, a Ordem reduz
sobremaneira a quantidade de concorrentes.
Aqueles que conseguem entrar nesse mercado altamente cartelizado estão
livres para cobrar preços muito mais altos, sem temor de concorrência. Nos EUA, ocorreu uma situação cômica: a
própria American
Bar Association (a OAB americana)
publicou vários estudos que concluíram que um grande número de cidadãos
americanos não conseguia bancar os honorários de advogados, o que significava
que havia uma grande parcela de cidadãos que simplesmente não tinha condições
de contratar um bom advogado para nada.
Porém, ao invés de seguir a lógica e defender um livre mercado para a
advocacia, a ABA passou a fazer lobby para que o governo americano começasse a
subsidiar os pobres para que estes pudessem bancar os caríssimos honorários dos
advogados. Ou seja, na prática, não satisfeita
com seu cartel chancelado pelo estado, a ABA queria também receber dinheiro
diretamente do governo.
Em
1987, o presidente da Legal Services
Corporation (entidade privada e sem fins lucrativos que busca garantir
acesso igualitário à justiça para todos os americanos que não podem bancar
advogados), W. Clark Durant, fez um discurso na sede da ABA pedindo a abolição
de sua própria agência e de todas barreiras à concorrência, pedindo um livre
mercado para a advocacia. No dia
seguinte, o presidente da ABA pediu que Durant fosse demitido.
A
Ordem é extremamente vigilante e ciosa de seu mercado restrito, sempre
intimidando e processando advogados "não-autorizados". Quando instada a defender suas medidas, ela
apenas diz que está tentando "proteger" os consumidores contra 'provisionados' destreinados
e incompetentes. Porém, tal
justificativa não faz sentido.
Consumidores que porventura fossem prejudicados por um advogado sem
formação poderiam facilmente processá-lo, e sem dúvida contariam com os ávidos
e entusiásticos préstimos de um advogado formado.
Outro
exemplo americano muito ilustrativo vem da cidade de Portland, no estado do
Oregon. Robin Smith havia trabalhado
como técnica
jurídica em um grande escritório de advocacia por vários anos, mas estava
enojada com o fato de que os advogados de seu escritório cobravam altos
honorários de seus clientes por um trabalho que era todo feito por ela,
e honorários que a maioria das pessoas mal podia pagar. Sendo assim, ela se demitiu e abriu um
negócio próprio, a People's Paralegal,
Inc (algo como Assistência Jurídica do Povo). Durante vários anos, seu empreendimento se
expandiu continuamente, oferecendo a baixo custo serviços que eram amplamente
demandados, tal como esboço de testamentos e papelada para divórcios. Ela sabia que tinha de fornecer serviços de
alta qualidade para poder ser aprovada pelo teste que realmente importa, o
teste do mercado — e assim, ela se esforçou para fazer um bom trabalho, um
trabalho que satisfizesse seus clientes.
E ela de fato se saiu muito bem.
Porém,
o sucesso é perigoso e a guilda é furiosa e temerosa da concorrência trazida
pelo livre mercado. A Ordem dos
Advogados do Oregon entrou com um processo contra Smith por violação do
estatuto da "prática não autorizada da advocacia" e o veredito foi aquele
totalmente previsto para um cartel legalizado.
Não apenas a People's Paralegal
foi coagida a jamais "violar a lei" novamente, como também Smith foi obrigada
a ressarcir à Ordem todos os custos que a mesma incorreu na ação judicial
contra Smith! Os cidadãos do Oregon
perderam uma fonte alternativa e de baixo custo para assistência jurídica e
Robin Smith e seus empregados perderam a liberdade de servir pessoas que
voluntariamente procuravam seus serviços.
A
guilda não vai atrás apenas daqueles indivíduos que têm a audácia de concorrer contra
ela no mercado; ela também vai atrás de qualquer pessoa que ouse publicar
livros que forneçam informações para aqueles que queiram lidar sozinhos com
seus próprios problemas jurídicos. Nos
EUA, ficou famoso o caso da Ordem dos Advogados de Nova York agitando contra
Norman Dacey, autor do livro "How To Avoid Probate!" (Como Evitar a Inventariação!). Porém, a Corte de Apelação de Nova York se
recusou a atender aos pedidos da Ordem de proibir a comercialização do
livro.
No
Texas, a Ordem do estado intimidou e "investigou" a editora Nolo Press, de Berkeley,
Califórnia, por publicar livros de auto-ajuda jurídica. A Ordem avisou à Nolo que ela deveria
comparecer em juízo e responder à acusação de que, ao vender livros e softwares
que permitiam que indivíduos fizessem seu próprio trabalho jurídico, a empresa
era culpada de "praticar advocacia" sem ter licença. A Nolo reagiu e disse que tal investigação
era o início de uma ampla censura estatal.
A Associação Americana de Biblioteconomia Jurídica e a Associação
Bibliotecária do Texas apoiaram a Nola.
No final, a legislatura do Texas aprovou a lei HR 1507, que
expressamente eximia livros e websites da acusação de praticar advocacia sem
ter licença, desde que eles "declarassem
de forma clara e conspícua que tais produtos não são substitutos para os
conselhos de um advogado".
Estes
e milhares de outros casos de "prática não autorizada da advocacia" mostram por
que essa abordagem regulatória da "proteção" ao consumidor é um engodo. O cartel legitimado ataca todo e qualquer
tipo de liberdade de contrato e de ocupação, privando desta forma inúmeras
pessoas dos benefícios do mercado. A
Ordem serve apenas para restringir escolhas que seriam benéficas para todas as
partes envolvidas.
Licenciamentos
fornecidos por cartéis não são nem necessários e nem suficientes para garantir
competência. Vários advogados
incompetentes se formam em faculdades de direito e são aprovados no exame da
Ordem. O que estimula profissionais a
fazer um bom trabalho, licenciados ou não, é o poderoso incentivo gerado pelo
livre mercado, que necessariamente obriga a prestação de bons serviços e a satisfação
de seus clientes. Não há substituto para
isso.
No
estado de Maryland, um cidadão chamado Paul Kurtz, que não era membro da Ordem
e que nem sequer havia estudado em uma faculdade de direito, conseguiu
representar mais de 100 clientes em questões legais, inclusive processos
judiciais. Vários juízes, ignorantes
deste fato, simplesmente supuseram que ele era um advogado "de verdade", pois
sua atuação era completamente profissional.
O The New York Times citou um
advogado que havia dito que Kurtz havia "atuado admiravelmente ao apresentar um
dossiê jurídico e vários argumentos em uma audiência."
Kurtz
conseguiu aprender — de maneira autodidata — tudo o que precisava saber sobre
direito para fazer um bom trabalho, e sem ter passado por todo o castigo
imposto pela guilda: faculdades de direito e o exame da Ordem. Kurtz foi preso, acusado de violar o estatuto
da "prática não autorizada da advocacia" de Maryland. Como os advogados gostam de dizer, res ipsa loquitor: a coisa fala por si
própria.
Se
os advogados realmente quiserem fazer algo que melhore sua imagem e reduza o
número de piadas maldosas sobre sua profissão, eles deveriam começar por
demolir todas as barreiras impeditivas e exclusivistas que eles construíram ao
redor do mercado de serviços jurídicos.
Leitura indispensável: A obrigatoriedade do diploma - ou, por que a liberdade assusta tanto?