sexta-feira, 25 0aio 2012
Em
praticamente todos os países do mundo há um constante apelo para se tributar
mais a renda dos mais ricos e utilizar essa receita adicional para fazer a
"justiça social", promovendo uma ampla "distribuição de renda".
O
problema de se tributar os ricos, bem como todas as consequências econômicas
negativas deste fato, já foram muito bem explicitadas neste artigo, de modo
que o objetivo aqui será outro. O
objetivo será explicar por que qualquer tipo de imposto, mesmo aquele voltado exclusivamente
para as rendas mais altas, sempre acabará inevitavelmente sendo repassado aos
mais pobres, de um jeito ou de outro.
Em
todo o debate ideológico acerca do capitalismo, há duas visões opostas que
curiosamente partem do mesmo princípio: tanto os detratores do capitalismo
quanto seus defensores dizem se tratar de um sistema puramente individualista,
em que cada um age por conta própria, pensando exclusivamente no seu bem. Seus detratores condenam essa exortação à
independência; já os defensores glorificam-na.
Porém, nenhum dessas posições parece apreciar a verdadeira natureza do
capitalismo, e o problema é que ambas essas concepções erradas estão hoje
bastante difundidas.
Há
de fato um aspecto em que as pessoas realmente tentam ser as mais independentes
possíveis: elas querem evitar pagar impostos.
Todas as discussões a respeito de carga tributária e a respeito de quem
— isto é, qual classe social — deve arcar com a maior parte do fardo
tributário demonstram um total desconhecimento sobre como o mercado
funciona. A esquerda sempre defendeu que
os ricos sejam mais tributados, para que eles deem sua "contribuição justa" à
sociedade. Já a direita costuma reagir
dizendo que os mais ricos — tanto os indivíduos quanto as empresas — já
respondem pela maior parte da receita tributária do governo, que a camada mais
rica da população paga o mesmo volume de impostos que todo o restante da
população combinada, e que boa parte da população não paga nada de imposto de
renda. A esquerda então reage dizendo
que a desigualdade permanece constante ou, em alguns casos, segue
aumentando. Os ricos estão ficando mais
ricos, e isso supostamente é ruim, pois precisamos de maior igualdade para
atingir a justiça social. E por aí vai.
Não
irei aqui entrar na (i)moralidade de se defender a espoliação da propriedade
alheia; o enfoque será puramente econômico. O problema em todo esse debate popular sobre impostos é que ele não
leva em conta que os esforços para se evitar o pagamento de impostos vão muito
além dessa pendenga sobre quais seriam as alíquotas de impostos "justas" e
sobre quem deve pagar mais. Os esforços
para se evitar o pagamento de impostos se estendem para todo o mercado.
Se,
por exemplo, a alíquota do imposto de renda que incide sobre as rendas mais
altas fosse elevada em 20%, os trabalhadores de renda mais alta reagiriam a
isso negociando um aumento salarial. (Dado
que a esquerda quer muita gente pagando mais imposto, então creio ser correto
dizer que ela defende maior imposto justamente sobre pessoas mais produtivas;
caso contrário, seria na prática impossível elevar impostos permanentemente. Logo, por se tratar de pessoas produtivas,
não é incorreto dizer que elas têm poder de barganha junto a seus
empregadores). Se essas pessoas
conseguirem um aumento salarial de, por exemplo, 10%, isso significa que
praticamente metade do aumento de 20% da carga tributária foi repassada aos seus
empregadores.
Essa
maior alíquota do imposto de renda reduziu os salários líquidos; o consequente aumento nos salários elevou os salários brutos.
Neste ponto, a exata divisão do fardo tributário entre empregados e
empregadores vai depender do relativo poder de barganha entre eles no mercado
de trabalho. O que interessa é que os
empregados de maior renda irão repassar uma parte, se não a maior parte, de
qualquer aumento em seu imposto de renda para seus empregadores.
Consequentemente,
estes empregadores irão contratar menos empregados — ou tentarão contratar
oferecendo salários bem menores, algo difícil —, e irão tentar repassar esse
aumento havido nos custos trabalhistas para os consumidores, na forma de preços
maiores. Esse aumento, no entanto, vai
depender do relativo poder de barganha entre o vendedor e seus clientes, bem
como do nível de concorrência no mercado. Os empresários irão repassar estes maiores
custos aos consumidores até o ponto em que possam elevar preços sem sofrer uma
relativamente grande perda no volume de vendas.
Desta forma, os consumidores que ainda continuarem comprando a estes
preços maiores estarão pagando parte do aumento na carga tributária que
supostamente deveria afetar apenas os "ricos".
Logo,
vê-se que a direita está errada ao alegar que os mais pobres não pagam imposto
de renda. Além de absolutamente toda a
população pagar os impostos indiretos que estão embutidos nos preços dos bens e
serviços, a classe média e os pobres também acabam pagando parte daquele
aumento do imposto de renda que visava a atacar apenas os ricos. A esquerda, por sua vez, também está errada
ao crer que todo o fardo de uma elevação de impostos pode ser confinada
exclusivamente aos "ricos". A classe
média e os pobres sempre acabarão pagando por um aumento de impostos sobre os
ricos através dos maiores preços dos bens e serviços. Qualquer aumento no imposto de renda da
camada mais rica da população — seja o 1% mais rico ou os 5% mais ricos — irá
acabar por elevar os impostos que toda a população paga indiretamente.
É
possível contra-argumentar dizendo que o repasse para os preços desse aumento
no imposto de renda seria muito pequeno.
Talvez apenas uma pequena porcentagem da elevação do imposto de renda, o
qual foi repassado aos empregadores, seria repassada aos consumidores na forma
de preços maiores. No entanto, caso isso
ocorra, o efeito de longo prazo será ainda pior. Se os empregadores tiverem de arcar com uma elevação
marginal dos custos trabalhistas sem uma correspondente elevação marginal de
sua receita, suas margens de lucro diminuirão.
Redução nos lucros significa menos investimentos. E menos investimentos inibem um maior
crescimento econômico. Um menor
crescimento econômico significa menores aumentos nos salários e na renda de toda
a população. Os efeitos dos impostos
sobre o crescimento econômico, portanto, são bem mais indiretos do que se
imagina.
Economias
de mercado são sistemas complexos nos quais os interesses de todos os
indivíduos estão entrelaçados. Qualquer
esforço para alterar os resultados gerados pela livre concorrência no mercado
irá gerar consequências inesperadas e indesejadas. O conceito de justiça social é, por si só,
algo indefinido e arbitrário. No
entanto, mesmo se todos nós de alguma forma concordássemos com uma ideia de
redistribuição "socialmente justa", simplesmente não haveria como estruturar a carga
tributária (ou os gastos do governo) de maneira a alcançar este objetivo. A imposição de novos impostos altera preços e
salários de maneiras impossíveis de serem previstas e difíceis de serem
mensuradas mesmo após o fato já consumado.
Esquerda
e direita parecem ter definitivamente abraçado o mito de que o estado é
perfeitamente capaz de restringir os efeitos da tributação a apenas uma
determinada classe de pessoas. Embora
não seja possível mensurar qual é realmente a verdadeira carga tributária que
incide sobre cada pessoa, é perfeitamente possível entender que a real carga
tributária é significativamente distinta daquela que havia sido planejada. Pessoas de alta renda não pagam tanto quanto
as alíquotas oficiais sugerem. O mercado
difunde o fardo tributário de uma maneira bem mais equitativa do que as pessoas
imaginam. Tentativas de "fazer os ricos
pagarem sua fatia justa" irão apenas aumentar o fardo tributário mutuamente
compartilhado por todos, por meio de uma maior tributação indireta e
oculta. Por outro lado, os benefícios de
reduções de impostos são também mais amplamente compartilhados do que as
pessoas imaginam.
Há
duas lições a serem tiradas disso tudo.
A primeira é que nenhum de nós é realmente "independente" e está
genuinamente "por conta própria", pois a economia de mercado é um sistema
social. A segunda é que políticos não são
capazes de utilizar impostos para alcançar objetivos específicos como uma "renda
justa", pois a economia de mercado é extraordinariamente complexa e ajustável. E os políticos são qualquer coisa, menos
oniscientes. Uma autoridade onisciente e
onipotente até poderia impor alguma noção de justiça social; no entanto, a nossa realidade é que a
justiça social é algo arbitrário e não exequível na prática. Estas duas lições possuem implicações
profundas e extremamente importantes.
Felizmente,
há uma solução fácil para o problema da carga tributária. Dado que os benefícios do corte de impostos
são também difundidos entre todos, qualquer corte no orçamento do governo que
possibilite redução de impostos já seria um enorme "avanço social". Todos nós pagamos impostos desnecessariamente
altos. Todos nós podemos pagar muito
menos.
Leia também: O imposto sobre as grandes fortunas e os baixos salários no Brasil