segunda-feira, 28 nov 2011
"Keynes
. . . além de não ter entendido, deturpou a Lei de Say. . . . Este é o legado
mais duradouro de Keynes, um legado que deformou permanentemente toda a teoria
econômica."
— Steven
Kates[1]
Enquanto
pesquisava material para a elaboração do meu livro
The
Story of Modern Economics [A História da Moderna Ciência
Econômica], descobri um extraordinário livro escrito pelo economista
australiano Steven Kates,
Say's
Law and the Keynesian Revolution [A Lei de Say e a Revolução
Keynesiana]. De acordo com Kates, John
Maynard Keynes deturpou a teoria original de Jean-Baptiste Say — sua famosa
lei de que os mercados sempre tendem ao equilíbrio — com o único objetivo de,
ao atacar essa teoria deturpada, poder gerar uma revolução na ciência
econômica. Segundo Kates, toda a
Teoria Geral "é uma tentativa de refutar
a Lei de Say".
A
fim de refutar a Lei de Say, Keynes distorceu-a e adulterou-a gravemente. Como afirma Kates, "Keynes se equivocou em
sua interpretação da Lei de Say e, ainda mais importante, se equivocou quanto
às implicações econômicas da mesma."[2] E vale ressaltar que Kates é totalmente
simpatizante da economia keynesiana!
Como Keynes entendeu tudo errado
Na
introdução da edição francesa da Teoria Geral, de 1939, Keynes centrou-se na
Lei de Say como sendo a questão central da macroeconomia.
Creio que, até uma época recente, a ciência econômica em
todos os lugares tem sido dominada . . . pelas doutrinas associadas ao nome de
J.-B. Say. É verdade que sua "lei dos
mercados" já foi há muito abandonada pela maioria dos economistas; porém, eles
próprios ainda não libertaram das suposições básicas criadas por Say, particularmente
de sua falácia de que a demanda é criada pela oferta. . . . No entanto, uma
teoria baseada nesta suposição é claramente incapaz de atacar os problemas do
desemprego e dos ciclos econômicos.
Infelizmente,
Keynes não foi capaz de entender a Lei de Say.
Ao incorretamente afirmar que a lei diz que "a oferta cria sua própria
demanda", ele na realidade sugeriu que o objetivo de Say era dizer que qualquer
coisa que for produzida será automaticamente comprada. Logo, a Lei de Say não pode explicar os
ciclos econômicos.[3]
Keynes
foi adiante e declarou que a Lei de Say "pressupõe pleno emprego". Outros keynesianos cometem este erro até
hoje, embora nada possa estar mais longe da verdade. As condições do desemprego não proíbem a
produção e nem as vendas, ambas as quais formam a base do aumento da renda e do
aumento da demanda.
Ademais,
a Lei de Say serviu especificamente de base para a teoria clássica dos ciclos
econômicos e do desemprego. Como
declarou Kates, "A posição dos economistas clássicos era a de que o desemprego
involuntário não somente era possível, como na realidade ocorria
frequentemente, e com sérias consequências para os desempregados."[4]
Produção e consumo
Mas
o que é exatamente a Lei de Say? A
descrição de sua famosa lei dos mercados pode ser encontrada no capítulo 15 do
livro de Say, A
Treatise on Political Economy: "Quando um produto é criado, ele, desde aquele instante, por meio de seu
próprio valor, proporciona acesso a outros mercados e a outros produtos".[5] Quando um vendedor produz e vende um produto,
ele instantaneamente se torna um potencial comprador, pois agora possui renda
para gastar. Para poder comprar alguma
coisa, um indivíduo precisa antes vender.
Em outras palavras, a produção é o que gera o consumo, e um aumento na
produção é o que permite que haja um maior gasto com consumo.
Em
suma, eis a Lei de Say: a oferta (venda) de X cria a demanda por (pela compra
de) Y.
Say
ilustrou sua lei com o exemplo de um agricultor que usufruiu uma boa colheita: "Quanto maior for a colheita, maior será o poder de compra do agricultor. Já uma safra ruim, por outro lado, irá afetar
enormemente a venda das mercadorias."[6]
E
Say está correto. De acordo com as
estatísticas sobre ciclos econômicos, quando uma recessão se inicia, a produção
é a primeira variável a entrar em declínio, bem antes do consumo. E quando a economia começa a se recuperar,
isso ocorre porque a produção foi retomada, sendo somente depois seguida pelo
consumo. O crescimento econômico começa
com um aumento na produtividade, na produção de novos produtos e na criação de
novos mercados. Portanto, os gastos em
produção sempre vêm antes dos gastos em consumo.
Podemos
ver como isso funciona também na escala do indivíduo. O segredo para um maior padrão de vida é,
primeiramente, um aumento na sua renda — isto é, na sua produtividade —, seja
por meio de um aumento salarial, ou de um novo emprego, ou de uma maior
especialização ou pela criação de um empreendimento rentável. Seria uma insensatez querer aumentar seu
padrão de vida simplesmente aumentando seus gastos ou se endividando para
comprar um imóvel maior ou um automóvel novo sem antes ter aumentado sua
produtividade. Você pode até ser capaz
de viver luxuosamente dessa maneira por algum tempo, mas um dia inevitavelmente
a conta chegará — no caso, a fatura do cartão de crédito ou o vencimento dos
empréstimos bancários.
De
acordo com Say, o mesmo princípio se aplica às nações. A criação de novos e melhores produtos cria
novos mercados e possibilita o aumento do consumo. Donde se conclui que "o estímulo ao mero
consumismo não traz benefício algum para o comércio; pois a dificuldade jaz
exatamente em como criar os meios para o consumo, e não em como estimular o
desejo do consumo. E já vimos que a
produção, por si só, fornece estes meios."
E Say então acrescentou: "Sendo assim, o objetivo de um bom governo
seria apenas permitir que a produção ocorresse desimpedidamente, ao passo que o
objetivo de um mau governo seria estimular o consumo."[7]
A causa dos ciclos econômicos
A
Lei de Say afirma que recessões não são causadas por uma insuficiência na
demanda (a tese de Keynes), mas sim por um descompasso na estrutura da oferta e
da demanda. A recessão se inicia quando
os produtores percebem que erraram em suas estimativas sobre o que os
consumidores querem consumir, o que faz com que os bens não vendidos se
acumulem nos estoques. Ato contínuo, a
produção é reduzida, a renda cai e, só então, o consumo diminui. Como Kates esclareceu, "A teoria clássica
explica as recessões demonstrando como os erros na produção surgem durante a
fase da expansão econômica artificial, de modo que alguns bens permanecerão nos
estoques sem serem vendidos, mesmo se cotados a preços que meramente cubram seus
custos de produção." O modelo clássico era
uma "teoria altamente sofisticada que explicava a recessão e o desemprego", mas
que foi varrida e "obliterada" de uma só vez pelo ilustre Keynes.[8]
Em
seu livro, Kates destaca as contribuições de outros economistas clássicos,
dentre eles David Ricardo, James Mill, Robert Torrens, Henry Clay, Frederick
Lavington e Wilhelm Röpke, que ampliaram a Lei de Say. Vários economistas clássicos centraram seus
esforços em explicar como a inflação monetária exacerba os ciclos
econômicos. Eles foram os precursores
dos austríacos Ludwig von Mises e F.A. Hayek.
Logo,
nada mais apropriado do que finalizar com a própria definição de Mises sobre
a Lei de Say:
O
mais sincero defensor e pregador da inflação em nossa época, Lord Keynes,
estava certo, do seu ponto de vista, quando atacou aquilo que é
chamado de "Lei de Say". A Lei de Say é uma das grandes
façanhas da teoria econômica. O francês Jean-Baptiste Say, na chamada Lei
de Say, disse que você não pode aprimorar as condições econômicas simplesmente
aumentando a quantidade de dinheiro na economia; quando os negócios não estão
indo bem, não é porque não há dinheiro suficiente. O que Say tinha em
mente, o que ele disse quando criticou a doutrina de que deveria haver mais
dinheiro na economia, era que tudo o que alguém produz representa, ao mesmo
tempo, uma demanda por outras coisas. Se há mais sapatos produzidos,
esses sapatos serão oferecidos no mercado em troca de outros bens. A
expressão "a oferta cria demanda" significa que o fator produção é
essencial. Expressada mais acuradamente, ele estava dizendo que "a
produção cria consumo", ou, ainda melhor, que "a oferta de cada
produtor cria sua demanda pelas ofertas de outros produtores". Dessa
forma, um equilíbrio entre oferta e demanda sempre existirá em termos agregados
(embora Say reconheça que pode haver escassez e fartura em relação a produtos
específicos).
Em
última instância, os bens não são trocados por dinheiro — o
dinheiro é apenas um meio de troca; os bens são trocados por outros bens.
"Você quer minhas maçãs? O que você me dá em troca
delas?" Say acreditava que a criação de mais dinheiro simplesmente
cria inflação de preços; mais dinheiro perseguindo a mesma quantidade de bens.
E
se você aumentar a quantidade de dinheiro, você não estará melhorando a
situação de ninguém, exceto daquele indivíduo — ou daquele grupo de indivíduos
-. para quem você dá esse dinheiro recém-criado; esse indivíduo, ou esse grupo,
poderá então comprar mais coisas, retirando mais bens do mercado, privando
outras pessoas desses bens, piorando o bem-estar delas.
Leia também: As pedras viram pães: o
milagre keynesiano
[1] Steven Kates, Say's
Law and the Keynesian Revolution (Northampton, Mass.: Edward
Elgar, 1998), p. 1
[2] Ibid., p. 212.
[3] John Maynard Keynes, A Teoria
Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (London: Macmillan, 1936), pp.
25-26.
[4] Kates, p. 18.
[5] Jean-Baptiste Say, A
Treatise on Political Economy (Augustus
M. Kelley, 1971 [1832]), p. 134.
[6] Ibid., p. 135.
[7] Ibid., p. 139.
[8] Kates, pp. 18, 19, 20.