quarta-feira, 21 dez 2011
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a Escola Austríaca, liderada por
Ludwig von Mises e Friedrich A. Hayek, e a Escola de Chicago, liderada por
Milton Friedman e George Stigler, se estabeleceram como as duas principais
escolas de pensamento pró-livre mercado.
Juntas, ambas analisaram e criticaram, com rigor e lucidez, os erros e
os perigos das políticas intervencionistas e socialistas defendidas pelos keynesianos. Embora seus métodos de análise frequentemente
tenham sido distintos, ambas as escolas chegaram a conclusões similares:
somente uma economia de livre mercado pode garantir tanto a liberdade quanto a
prosperidade.
Tanto os austríacos quanto os chicaguistas rejeitaram o argumento de Keynes
de que a economia de mercado era um arranjo fundamentalmente instável e
propenso a gerar prolongados períodos de desemprego, com vastos recursos
ociosos. Ambas as escolas argumentaram
que, quando inflações e recessões ocorriam, elas eram o inevitável resultado,
respectivamente, de uma desleixada gestão monetária e de intervenções
governamentais que reduziam a flexibilidade do mercado frente a circunstâncias
inconstantes e mutáveis, o que obstruía a recuperação. E ambas as escolas se mostraram receosas quanto
a políticas fiscais e monetárias arbitrárias, particularmente do tipo
keynesiana, acreditando que tais políticas iriam apenas gerar menos
estabilidade, e não mais.
No entanto, os economistas austríacos e os membros da Escola de Chicago
divergiram em várias questões cruciais nos campos da teoria monetária, da
história monetária e da política monetária.
No centro de todo esse debate estão suas divergentes interpretações acerca
das causas e da cura da Grande Depressão americana do início dos anos
1930. Suas diferentes interpretações em
relação àquele período advêm de suas divergentes concepções sobre como o
dinheiro influencia a economia de mercado.
E essas divergências, por sua vez, advêm de seus distintos conceitos
sobre como os processos econômicos devem ser estudados.
Friedman e a maioria dos outros teóricos monetárias da tradição de Chicago
aceitaram a noção keynesiana de uma análise macroeconômica ou agregada. Por exemplo, em 1974, em uma resposta a alguns
de seus críticos, publicada em um volume intitulado Milton
Friedman's Monetary Framework: A Debate with His Critics, Friedman diz:
Reler a Teoria
Geral ... me fez lembrar o grande economista que Keynes era e como eu
simpatizo com seus métodos e com seus objetivos de maneira muito mais intensa
do que muitos de seus seguidores.... Creio que a teoria de Keynes é o tipo
certo de teoria: é simples, se concentra em algumas poucas magnitudes
essenciais e possui enorme potencial. No
entanto, fui levado a rejeitá-la, não por causa dessas características, mas sim
porque creio que ela foi desmentida pelas evidências: suas previsões não foram
confirmadas pela experiência.
O defeito da teoria de Keynes, de acordo com Friedman, estava em apresentar
uma extremamente limitada definição de opções que as pessoas tinham no que diz
respeito a o que fazer com o dinheiro: ou elas entesouravam o dinheiro ou
gastavam-no de alguma maneira. No
entanto, quando essas opções são ampliadas, a demanda por dinheiro se mostra
bem mais estável do que Keynes imaginava, concluiu Friedman.
Embora de início tenha alegado construir seu sistema partindo das decisões
dos indivíduos de guardar uma grande soma de dinheiro em relação aos seus
desejos de gastar esse dinheiro em vários bens e serviços, Friedman rapidamente
mudou de ideia e passou a adotar médias e agregados estatísticos que
condensavam todas essas decisões e escolhas reais dos indivíduos — sendo que
são justamente essas ações individuais que geram as atividades e os resultados
do processo de mercado. E, assim como
Keynes, Friedman passou a se concentrar nesses agregados macroeconômicos:
demanda total por moeda em relação à oferta monetária total; efeitos sobre o gasto
agregado em decorrência de um aumento na oferta monetária; e o consequente
impacto disso tudo sobre o produto agregado da economia no curto prazo e sobre o
nível geral de preços no longo prazo.
Já os economistas austríacos adotaram uma abordagem distinta. Eles argumentaram que é importante jamais se
esquecer de que médias estatísticas de produto total, de nível geral de preços
e de nível de salários não existem na realidade. Elas são uma mera criação de estatísticos que
pretendem somar e aritmeticamente nivelar pela média os vários preços
individuais que existem em uma economia, bem como os vários salários
individuais e toda a oferta de uma multiplicidade de bens e serviços
individuais que são comprados e vendidos no mercado. Ou, como disse Friedrich Hayek:
Com efeito, agregados e médias não afetam um ao outro, e jamais será
possível estabelecer as conexões de causa e efeito entre eles, ao contrário do
que podemos fazer, por exemplo, com fenômenos individuais, preços individuais
etc. ... No entanto, estaremos fazendo exatamente isso caso tentemos
estabelecer ligações causais diretas
entre a quantidade total de dinheiro
na economia, o nível geral de preços
e a quantidade total da
produção. Nenhuma dessas magnitudes, como tais, exerce influência sobre as
decisões dos indivíduos.
Ao se concentrar nos efeitos agregados gerais que alterações na quantidade
de dinheiro geram sobre os preços e a produção, Friedman argumenta que, caso um
aumento ou uma alteração na taxa de aumento da oferta monetária influencie a
produção e o emprego na economia, tal efeito será apenas "transitório" e
limitado. No longo prazo, à medida que
salários e preços vão se reajustando a essa alteração na quantidade de
dinheiro, o único efeito duradouro será um aumento no nível geral de preços e
salários, sem nenhuma alteração permanente na quantidade agregada de emprego e
produção.
Quaisquer efeitos sobre os preços relativos,
sobre a alocação de recursos, ou sobre a distribuição de renda durante um
período de inflação monetária serão majoritariamente temporários e de
importância secundária, argumenta Friedman.
Representam apenas efeitos de curtíssimo prazo, os quais serão de pouca
significância caso nos concentremos em uma perspectiva de longo prazo. Ou, como disse Friedman naquela sua mesma
resposta aos seus críticos, "Uma maneira de caracterizar a abordagem da teoria
quantitativa [da moeda] é que ela praticamente não dá importância nenhuma aos
efeitos de curto prazo".
Friedman chega a essa sua conclusão ao analisar alterações na oferta
monetária da seguinte maneira: imagine que um helicóptero aleatoriamente saia
jogando dinheiro, desde lá do alto, para toda a população; as pessoas dessa
sociedade pegarão esse dinheiro e imediatamente irão gastá-lo até que os preços
subam para um nível alto o suficiente para, mais uma vez, reequilibrar a
demanda por moeda com essa nova oferta de moeda.
Os austríacos, por outro lado, argumentam que, embora seja verdade que no
longo prazo aumentos na oferta monetária de fato resultam, tudo o mais
constante, em uma elevação geral dos preços, é necessário analisar a maneira
como esse dinheiro recém-criado irá entrar na economia e em qual setor ele
chegará primeiro, bem como a maneira específica como esse aumento na oferta
monetária irá influenciar a demanda de cada indivíduo e a oferta de bens e
serviços específicos, além dos preços de cada bem e serviço e os planos de
produção de cada empresa. Ou, como o
economista austríaco Oskar Morgenstern explicou:
Se não houver nenhuma informação sobre de onde vem esse dinheiro adicional, onde ele é injetado, a taxa em que ele é injetado e como ele
penetra (por meio de quais caminhos e
canais, e com qual
velocidade) no
sistema econômico, então pouco informação estará sendo dada. Uma mesma quantia de dinheiro gerará
consequências bastante distintas dependendo do canal por onde tal dinheiro será
injetado: se por meio do mercado de crédito (via criação de empréstimos para
consumidores, ou via criação de crédito para produtores), ou por meio da inflação
simples, que é o ocorre quando o dinheiro recém-criado vai direto para gastos
do governo (por exemplo, gasto com subsídios, auxílios-desemprego, gastos
ministeriais etc). Dependendo das
condições vigentes da economia, cada local por onde se dá a injeção monetária
irá produzir consequências diferentes para uma mesma quantidade agregada de
dinheiro, de modo que a análise monetária terá de ser combinada a uma
igualmente detalhada análise das alterações nos fluxos de bens e serviços.
Os austríacos consideram essa detalhada análise sobre a inevitável
influência da não neutralidade da moeda como algo essencial para qualquer
entendimento mais completo dos efeitos da inflação sobre a economia de mercado
(veja mais aqui e aqui).
Dadas essas diferentes perspectivas sobre a melhor maneira de se analisar os
efeitos monetários e inflacionários sobre a economia de mercado, não é de se
surpreender que ambas as escolas analisem a causa e a cura da Grande Depressão também
de maneira bastante divergente.
Friedman, por exemplo, ao analisar a década de 1920, conclui que as
políticas monetárias do Banco Central americano da época não foram nem um pouco
inflacionárias, uma vez que o nível geral de preços no atacado permaneceu
praticamente estável durante aquela década.
Se há críticas a serem feitas ao Banco Central, argumenta Friedman, é
que no início dos anos 30 ele não inflacionou a oferta monetária o suficiente
— após a mesma ter se contraído em quase um terço — para tirar a economia
americana da Depressão.
Os austríacos, olhando mais além do nível de preços estável dos anos 20,
argumentaram que, não fosse toda a expansão da oferta monetária ocorrida
durante aquela década, os preços teriam caído lenta e gradualmente, refletindo
assim o significativo aumento ocorrido na produtividade e na produção em
decorrência das inovações tecnológicas e da formação de capital ocorridas na
época. Em vez disso, a expansão
monetária empreendida pelo Banco Central americano fez com que os preços se
mantivessem em um valor bem maior do que aquele que atingiriam caso não tivesse
havido tal expansão monetária. O fato de
o nível de preços ter se mantido estável criou a ilusão de estabilidade
econômica e gerou uma errônea e insustentável alocação de investimentos, de
mão-de-obra e de recursos. Esses
desequilíbrios produzidos pelas políticas do Banco Central americano finalmente
se tornaram visíveis após 1929.
Quando a Depressão começou, a solução correta seria permitir uma redução
contábil no valor dos ativos de bancos e empresas — em decorrência do capital
erroneamente investido e, por isso, perdido —, bem como uma redução nos preços
e nos salários, para compensar a contração da atividade econômica e a redução
na oferta monetária causada por quebras bancárias decorrentes de empréstimos
ruins e de correntistas querendo sacar seu dinheiro de suas
contas-correntes. Em vez disso, primeiro
o governo Hoover e logo em seguida o governo Roosevelt e seu New Deal fizeram
todo o possível para impedir esse necessário e saudável processo de correção do
mercado. E esse foi o real motivo da
profundidade e da duração da Grande Depressão.
(Veja mais aqui
e aqui).
Entretanto, no final do debate, tanto os austríacos quanto os chicaguistas
chegam a uma mesma e essencial conclusão: o planejamento monetário centralizado
criou mais instabilidades no século XX e já no início do século XXI do teria ocorrido
caso o dinheiro e o sistema bancário tivessem permanecido fora do âmbito do
controle governamental.