Palestra
proferida em 1975 em um simpósio do Cato Institute
Lições
da Grande Inflação
A
Grande Inflação da Áustria e da Alemanha chamou-nos a atenção para a estreita
relação entre as alterações da quantidade de dinheiro e as variações do nível
de emprego. Ficou especialmente claro não só que o nível de emprego
criado pela inflação se ia reduzindo à medida que o ritmo da inflação era
desacelerado, mas também que, com o término da inflação, surgia o que se passou
a chamar de "crise de estabilização", caracterizada por índices
alarmantes de desemprego. Foi por perceber essa relação que, desde o
início, juntamente com alguns dos meus contemporâneos, vi que deveria não
apenas rejeitar o tipo de política de pleno emprego defendido por Lorde Keynes
e por seus seguidores, como também colocar-me determinadamente em oposição a
ele.
É
preciso acrescentar, a respeito desta revisão da Grande Inflação, que o muito
que aprendi não foi fruto somente de observação pessoal. Reconheço que me
ensinaram a ver a total estupidez dos argumentos que eram, naquela época,
apresentados, principalmente na Alemanha, para explicar e justificar os
aumentos da quantidade de dinheiro. E estes ensinamentos devo-os
principalmente a meu professor, o falecido Ludwig von Mises. Vejo agora a
grande maioria desses argumentos defendidos nada mais nada menos do que em
países como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, países estes que, naquela
época, pareciam muito bem preparados em relação à Economia: seus economistas
viam, então, com desdém, as loucuras dos colegas alemães, nenhum desses
defensores da política inflacionária foi capaz de propor ou de aplicar medidas
que eliminassem a inflação, que foi, afinal, estancada por Hjalmar Schacht,
homem que acreditava firmemente numa versão rude e primitiva da teoria
quantitativa.
A
política das décadas atuais — ou a teoria que a fundamenta — teve a sua
origem, porém, nas experiências específicas da Grã-Bretanha, durante as décadas
de 1920 e de 1930. Passada a inflação da Primeira Guerra Mundial — que,
aliás, agora nos parece muito modesta — a Grã-Bretanha, em 1925, voltou ao
padrão-ouro. Em minha opinião, esta volta, embora tenha sido efetuada de
maneira honesta e sensata, baseou-se lamentável e equivocadamente na paridade
anterior. A doutrina clássica, de modo algum, assim o teria
exigido. David Ricardo escreveu a um amigo, em 1821: "Eu nunca
aconselharia um governo a restaurar com paridade, uma moeda que estivesse
depreciada em 30%."[1].
Frequentemente me pergunto o que haveria de diferente na história econômica do
mundo se, durante as discussões e debates dos anos anteriores a 1925, um
economista inglês que fosse se tivesse lembrado desta opinião de Ricardo.
De
qualquer forma, a decisão infeliz que se tomou em 1925 tornou inevitável um
prolongado processo de deflação. Este processo poderia ter tido algum
êxito quanto à manutenção do padrão-ouro, caso se houvesse prolongado até um
ponto em que uma boa parte dos salários tivesse sofrido considerável redução.
Parece-me mesmo que a tentativa já estava bem próxima do sucesso quando, na
crise mundial de 1931, a Grã-Bretanha a deixou de lado, abandonando também o,
de tal modo, desacreditado padrão-ouro.
A
"cura" política de Keynes para o desemprego
Foi
durante o período de amplo desemprego na Grã-Bretanha, período este que
precedeu a crise econômica mundial de 1929-31, que John Maynard Keynes elaborou
as suas ideias básicas. É importante notar que a evolução de seu
pensamento econômico teve lugar num período em que seu país se encontrava numa
posição muito excepcional, quase mesmo singular. Como resultado da grande
valorização internacional da libra esterlina, os salários reais de praticamente
todos os assalariados britânicos haviam se elevado substancialmente, em relação
aos salários reais percebidos no resto do mundo. Como consequência,
tornou-se impossível para a Grã-Bretanha concorrer, com sucesso, com outros
países. Assim, para dar emprego aos desempregados, teria sido necessário
ou reduzir praticamente todos os salários ou aumentar os
preços em libra esterlina da maior parte dos produtos primários.
É
possível identificar três fases bem distintas no desenvolvimento do pensamento
de Keynes. A princípio ele reconheceu a necessidade de reduzir os
salários reais. A seguir, concluiu que tal medida seria politicamente
inviável. Depois, convenceu-se de que esta redução seria inútil e até
mesmo nociva. O Keynes de 1919 ainda entendia que: "não há meio mais
sutil nem mais seguro de subverter a ordem social do que o aviltamento da
moeda. Trata-se de um processo que mobiliza todas as forças ocultas da
lei econômica a favor da destruição, e o faz de maneira tal que em um milhão de
pessoas não há uma só que seja capaz de fazer um diagnóstico".[2]
A
avaliação política que Keynes fazia da situação o tornou o grande
inflacionista, ou pelo menos o mais ávido antideflacionista dos anos
1930. Tenho, no entanto, boas razões para crer que ele desaprovaria o que
fizeram os seus seguidores no período de pós-guerra. Se não tivesse morrido
tão cedo, teria sido, certamente, um dos líderes na luta contra a
inflação.
A
"ideia fatal"
Foi
durante aquele malfadado período da história monetária inglesa, período em que Keynes se tornou o
líder intelectual, que a ideia fatal deste economista ganhou aceitação
geral. Para Keynes, o desemprego é decorrente sobretudo de uma demanda
agregada que se mostra insuficiente em relação ao total de salários que seriam
pagos se todos os assalariados estivessem empregados recebendo os salários
vigentes.
Essa
fórmula que considera o emprego como função direta da demanda total provou ser
extraordinariamente efetiva, uma vez que, de alguma forma, era confirmada
empiricamente por resultados de dados quantitativos. Por outro lado,
explicações alternativas para o desemprego — que, aliás, me parecem corretas
— não desfrutavam desta mesma confirmação. Os perigosos efeitos
exercidos pela visão "cientificista" preconcebida sobre essa
interpretação dos fatos constituem o tema da conferência que proferi, em
Estocolmo, quando recebi o Prêmio Nobel. Em suma, é extremamente
curioso o fato de a teoria keynesiana ser falsa, muito embora — por ser a
única passível de prova quantitativa —, possa ser confirmada pela
estatística. No entanto, sua ampla aceitação decorre de uma explicação
que antes era tida como verdadeira — e eu, aliás, ainda a aceito como
verdadeira — mas que não pode, por sua própria natureza, ser
avaliada estatisticamente.
A
verdadeira teoria do desemprego
Uma
explicação verdadeira, embora não comprovável, para o desemprego disseminado
está na própria discrepância entre, de um lado, o modo como está distribuída a
mão de obra, bem como os outros fatores de produção por entre as diferentes
indústrias (e localidades) e, de outro, o modo como se distribui a demanda
pelos bens originados por esta mão de obra. A discrepância, que é
decorrente de uma distorção do sistema de preços relativos e de salários,
somente poderá ser corrigida através da alteração das relações, ou seja,
através do estabelecimento, em cada setor da economia, dos preços e dos
salários que equalizarão oferta e demanda.
Em
outras palavras, o desemprego é causado por um desvio do equilíbrio entre
preços e salários. Por outro lado, o equilíbrio poderia existir caso
houvesse um mercado livre e uma quantidade estável de dinheiro, no entanto, é
impossível saber, de antemão, qual seria a estrutura de preços relativos e
salários que tornaria possível o estabelecimento do equilíbrio. Por isso,
é-nos também impossível dimensionar o desvio dos preços correntes em relação
aos preços de equilíbrio que impossibilita o emprego de parte da oferta de mão
de obra. Por outro lado, também não podemos demonstrar correlação
estatística entre a distorção dos preços relativos e o volume de desemprego, no
entanto, apesar de não nos ser possível medi-las, as causas do desemprego são
evidentemente atuantes. A superstição corrente de que somente o
mensurável é importante tem contribuído muito para desorientar os economistas e
o mundo em geral.
A
teoria de Keynes — uma tentação para os políticos
O
fato de a teoria keynesiana ter dado aos políticos oportunidades tentadoras foi
provavelmente ainda mais importante do que o seu aspecto, então muito em voga,
de método científico, aspecto este que a fez parecer tão atraente para os
economistas profissionais. Esta teoria representava para os políticos não
apenas um método barato e rápido de eliminar uma importante fonte de sofrimento
humano, mas também um meio de se libertarem das duras restrições que os
cerceavam quando objetivavam alcançar popularidade. De repente, medidas
como gastar dinheiro e gerar déficits orçamentários passaram a ter uma
conotação extremamente positiva. Argumentava-se, com profunda convicção,
que a expansão dos gastos públicos era totalmente meritória, uma vez, que
propiciava a utilização de recursos até então ociosos, o que, além de nada
custar à comunidade, trazia-lhe um ganho líquido.
Um
resultado prático dessas crenças foi que, pouco a pouco, foram-se removendo
todos os obstáculos que impediam as autoridades monetárias de emitirem cada vez
maior quantidade de dinheiro. O acordo de Bretton Woods tentou colocar o
ônus do ajustamento internacional exclusivamente sobre os países superavitários:
obrigava-os à expansão, sem, todavia, exigir dos países deficitários a
retratação. Lançou, assim, as bases de uma inflação mundial. Vale
notar que, baseando esta iniciativa, havia um louvável propósito de assegurar
taxas fixas de câmbio. Entretanto, quando a crítica da maioria dos
economistas de espírito inflacionário conseguiu superar este último obstáculo à
inflação nacional, nenhum freio efetivo sobrou, como ilustra, desde o final dos
anos 1960, a experiência britânica.
Taxas
de câmbio flexíveis, pleno emprego e moeda estável
Não
se pode negar o fato de que a procura de taxas flexíveis de câmbio teve suas
origens em países como a Grã-Bretanha, onde alguns economistas desejavam
estabelecer uma margem mais larga para a expansão inflacionária, chamada
"política de pleno emprego". Mais tarde, eles, lamentavelmente,
receberam apoio de outros economistas que, embora não fossem movidos pelo
desejo de inflação, aparentemente minimizaram o argumento mais forte em favor
das taxas fixas de câmbio, qual seja, o de que elas constituem um freio
necessário e praticamente insubstituível para compelir os
políticos, bem como as autoridades monetárias subordinadas a eles, a manterem
estável a moeda.
A
manutenção do valor do dinheiro e a decisão de evitar a inflação estão sempre
exigindo que os políticos tomem medidas extremamente impopulares. Mostrar
que o governo é compelido a tomar tais medidas é a única forma que os políticos
encontram para justificá-las perante as pessoas que são negativamente afetadas
por elas. Quando se tem a preservação do valor externo da moeda nacional
como uma necessidade indiscutível — assim como são consideradas taxas fixas de
câmbio —, os políticos podem resistir às constantes pressões em favor de
créditos mais baratos, de maiores gastos em "obras públicas", contra
taxas de juros mais elevadas etc.. Quando se fixam as taxas cambiais, uma
decorrente queda no valor internacional da moeda ou, então, uma saída de ouro
ou de reservas internacionais representam sinais para que haja uma pronta ação
por parte do governo. Com taxas cambiais flexíveis, as consequências do
aumento da quantidade de dinheiro sobre o nível interno de preços são
demasiadamente lentas, não aparecendo, por isso, ostensivamente, nem permitindo
inculpar aqueles que, em última instância, são os responsáveis pela
situação. Além do mais, a inflação é geralmente precedida de uma bem
recebida elevação no nível de emprego, o que pode mesmo fazê-la parecer
desejável: seus efeitos nefastos não são visíveis senão mais tarde.
Fica,
então, bastante fácil entender por que nações como a Alemanha — ela mesma
sofrendo de visível inflação importada — hesitaram, no período de pós-guerra,
diante da decisão de se destruir completamente o sistema de taxas fixas de
câmbio: havia uma esperança de restringir o número de países demasiadamente
propensos a uma situação inflacionária. As taxas de câmbio fixas
pareceram, por algum tempo, suficientes para que se detivesse uma aceleração
ainda maior do processo inflacionário. Agora, no entanto, quando o
sistema de taxas cambiais fixas parece ter entrado em colapso total, e há
poucas esperanças no sentido de que a autodisciplina possa induzir alguns
países a se conterem, restam precárias razões para se aderir a um sistema que
já não surte efeitos. Olhando para trás, pode-se mesmo indagar se,
baseados numa esperança infundada, o Bundesbank da Alemanha ou o Banco Central
da Suíça não esperaram demais para depois aumentarem muito pouco o valor das
suas moedas. Apesar de tudo, a longo prazo, não creio que possamos
recuperar um sistema de estabilidade internacional sem voltar a um sistema de
taxas fixas de câmbio que seja capaz de impor aos bancos centrais a contenção
essencial a uma bem sucedida resistência às pressões daqueles que defendem a
inflação em seus países — e geralmente entre estes estão os ministros das
finanças.
A
inflação acaba aumentando o desemprego
No
entanto, por que todo esse medo da inflação? Não deveríamos tentar aprender a conviver com
ela, como alguns países sul-americanos parecem ter feito, principalmente no
caso de ela ser, como alguns acreditam, necessária para manter o pleno emprego?
Se esta hipótese é verdadeira e se os
danos decorrentes da inflação são apenas aqueles que muitos apregoam, é, então,
o caso de considerarmos seriamente essa possibilidade de convívio.
Por
que não podemos viver com inflação
Há
dois motivos por que não podemos conviver com a inflação. O primeiro
reside no fato de que tal inflação, para atingir a meta desejada, teria
que acelerar-se constantemente; ora, uma inflação em
aceleração constante mais cedo ou mais tarde há de atingir um grau que tornará
impossível qualquer ordem efetiva de uma economia de mercado. O segundo
— e o mais importante — está na certeza de que, a longo prazo, essa inflação
criará, inevitavelmente, um volume de desemprego muito maior do
que aquele que pretendeu evitar.
O
argumento, frequentemente apresentado, de que a inflação simplesmente gera
uma redistribuição do produto social, enquanto o
desemprego reduz este produto, representando, portanto, um mal
maior, é falso porque é a inflação que, na verdade, se torna causa de
aumento do desemprego.
Efeitos
nocivos da inflação
Não
é, com certeza, meu intuito, subestimar os outros efeitos danosos da
inflação. São muito piores do que podem imaginar aqueles que não passaram
por um período de grande inflação: depois dos meus primeiros oito meses num
emprego, meu salário era 200 vezes mais alto que o inicial. Estou
realmente convencido de que uma administração tão incompetente da moeda só é
tolerada porque ninguém dispõe de tempo ou energia, durante o período
inflacionário, para organizar uma rebelião popular.
É
preciso, no entanto, deixar claro que os efeitos experimentados por qualquer
cidadão ainda não representam as piores consequências da inflação.
Frequentemente as pessoas não se dão conta deste fato, porque as piores
consequências somente aparecem quando a inflação acaba. Faz-se
necessário mostrar isto especialmente aos economistas, políticos e a outras
pessoas que sempre citam como exemplo os países da América do Sul que, tendo
vivido sob um regime inflacionário durante várias gerações, parecem ter
aprendido a conviver com ele. Quando estes países são predominantemente
agrícolas, os efeitos da inflação se limitam principalmente aos já
mencionados. As consequências mais graves geradas pela inflação em
mercados de trabalho de países industrializados são de menor importância na
América do Sul.
Medidas
tomadas em alguns desses países, particularmente no Brasil, no sentido de tentar,
através de algum tipo de indexação, enfrentar os problemas da inflação, podem,
na melhor das hipóteses, amenizar algumas de suas consequências, mas certamente
não vão chegar a alterar suas principais causas ou seus efeitos mais
nocivos. Estas medidas são inoperantes quanto à prevenção do maior dos
danos que a inflação produz — a alocação inadequada da mão de obra, assunto,
de que, agora, passo a tratar com maior profundidade.
Alocação
inadequada de mão de obra
A
inflação torna certos empregos temporariamente atraentes.
Estes empregos, no entanto, certamente desaparecerão quando a inflação cessar
ou mesmo quando deixar de acelerar-se tão rapidamente. Esta é uma
consequência de a inflação (a) alterar o fluxo monetário entre os vários
setores e estágios do processo produtivo e (b) criar a expectativa de um
aumento ainda maior de preços.
Os
que defendem uma política monetária de pleno emprego frequentemente o fazem
como se um único aumento da demanda total pudesse ser suficiente para assegurar
que se conseguirá manter o pleno emprego durante um período indefinido, mas
razoavelmente longo. Este tipo de visão deixa de lado os efeitos
inevitáveis dessa política, tanto sobre a distribuição da mão de obra entre as
diferentes indústrias, como sobre a política salarial dos sindicatos.
Assim
que o governo assume a responsabilidade pela manutenção do pleno emprego,
respeitando quaisquer salários que os sindicatos tenham conseguido obter, não
há mais por que levar em conta o desemprego, possivelmente causado pelas
próprias reivindicações salariais sindicalistas. Neste tipo de situação,
qualquer aumento de salário que exceda o aumento da produtividade tornará
necessária, para que não redunde em desemprego, uma elevação na demanda
total. Assim, o aumento da quantidade de dinheiro que se fez necessário
em função da alta dos salários torna-se um processo contínuo, que provoca
constantes injeções de quantidades adicionais de dinheiro.
A
oferta monetária adicional certamente acarretará alterações na intensidade da
demanda por diversos tipos de bens e serviços. Estas alterações na
demanda relativa, por sua vez, devem redundar em variações adicionais nos
preços relativos, com as consequentes mudanças nas diretivas da produção e na
alocação dos fatores de produção, inclusive da mão de obra. Não vou
deter-me, aqui, nos outros fatores que levam os preços de diferentes bens —
assim como as quantidades em que são produzidos — a reagirem de modos
diferentes às alterações da demanda (como as elasticidades — a velocidade com
a qual a oferta responde à demanda).
A
conclusão mais importante que pretendo demonstrar é a de que quanto mais tempo
durar a inflação, maior será o número de trabalhadores com empregos que
dependerão de sua continuação, ou, muitas vezes até, de haver
uma aceleração constante da taxa inflacionária. E isto
não acontece porque estes trabalhadores não teriam encontrado emprego sem a
inflação, mas porque a inflação os leva a empregos temporariamente atraentes,
que tendem a desaparecer assim que haja a desaceleração ou o término do
processo inflacionário.
As
consequências são inevitáveis
Não
podemos alimentar a ilusão de que é possível fugir às consequências dos erros
cometidos. Qualquer esforço de preservar os empregos que a inflação
tornou lucrativos redundaria numa completa destruição da ordem do
mercado. Mais uma vez perdemos a oportunidade, no período posterior à
guerra, de evitar, enquanto havia tempo, uma depressão, na verdade, o que temos
feito é usar a emancipação que possuímos em relação a restrições
institucionais, tais como, o padrão-ouro e as taxas fixas de câmbio, para agir
de uma maneira nunca antes tão insensata.
No
entanto, a impossibilidade de evitar o ressurgimento do desemprego em volume
considerável não é decorrente de uma falha do "capitalismo" ou da
economia de mercado, mas sim uma consequência exclusiva de nossos próprios
erros — erros que poderiam ter sido evitados se tivéssemos recorrido à
experiência passada e a todo o conhecimento que temos disponível. É
preciso reconhecer que, lamentavelmente, as frustrações decorrentes de
expectativas fundamentadas nestes erros podem levar a um grave estado de
inquietação social. Não está, porém, ao nosso alcance evitar que as
coisas sejam assim. O perigo mais sério, agora, é o de que ainda ocorram
tentativas — tão atraentes para os políticos — de postergar o malfadado dia,
tornando, com isso, a longo prazo, a situação ainda pior. Confesso que há
algum tempo venho querendo que a inevitável crise chegue logo. E espero,
agora, o insucesso de todo e qualquer esforço no sentido de que o processo de
expansão monetária tenha um pronto reinicio, a fim de que sejamos forçados a
optar por uma nova política.
Desemprego
temporário, mas não em massa
É
necessário frisar que, embora eu veja como inevitável um período de alguns
meses — talvez mesmo de mais de um ano — de desemprego em nível considerável,
não acho que devamos esperar um outro longo período de desemprego em massa,
como o que ocorreu na Grande Depressão dos anos 1930. Mas é preciso que
não cometamos erros muito grosseiros em termo de política. Uma política
sensata, que não repita os erros responsáveis pelo tanto que durou a Grande
Depressão, pode estancar um processo em que nos encontramos.
Antes
de tratar de qual deverá ser, futuramente, a política a ser adotada, é meu
intuito colocar-me firmemente contra a interpretação distorcida que se faz a
respeito do meu ponto de vista. Não que eu recomende o desemprego como
meio de combate à inflação: meu aconselhamento parte do princípio de que só
temos, no momento, duas alternativas — ou algum desemprego em um futuro
próximo ou um desemprego muito maior em um futuro mais distante. São
atitudes do tipo après moi, le dèluge — tomadas por políticos
que, preocupados com as próximas eleições, bem podem optar por maior desemprego
mais tarde — que inspiram muito medo. Lamentavelmente, mesmo alguns
comentaristas, como é o caso de redatores do The Economist, fazem
uma argumentação neste sentido e sugerem "reflação", quando o aumento
na quantidade de dinheiro ainda prossegue.
O
que pode ser feito agora?
O
primeiro passo
Atualmente,
a necessidade mais premente é parar o aumento da quantidade de moeda — ou pelo
menos reduzi-lo à taxa de crescimento real de produção — e isso dificilmente
acontece em tempo útil. Não há, além do mais, vantagens decorrentes de
uma desaceleração gradual — e, por motivos exclusivamente técnicos, é somente
esta medida que nos resta.
Não
é o caso, também, de concluir que não deveríamos procurar estancar uma real
deflação que ameace instalar-se. A deflação não deve ser considerada como
causa primeira de um declínio da atividade econômica. Apesar disso, é
certo que a frustração das expectativas tende a provocar o processo
deflacionário ? fenômeno que, há mais de quarenta anos, chamei de
"deflação secundária". Os efeitos deste processo deflacionário
podem ser ainda piores — e nos anos 1930 foram, de fato, piores — do que os
atribuíveis à causa primeira da reação. A deflação, além do mais, não
leva ninguém a parte alguma.
Há
40 anos, é preciso dizer, minha argumentação era outra. Mudei, desde então,
a minha opinião — não em relação à explicação teórica dos fatos, mas no que
concerne às possibilidades práticas de se removerem os obstáculos ao
funcionamento do sistema através da aceitação da deflação por algum
tempo.
Naquela
época, eu acreditava que, com um curto período de deflação, se pudesse modificar
a rigidez dos salários — fenômeno que os economistas têm chamado, desde então,
de "rigidez para baixo" —, ou a resistência à diminuição de alguns
salários específicos. Isto abriria uma possibilidade de se restaurarem os
salários relativos determinados pelo mercado, além de, aparentemente, ser uma
condição indispensável ao funcionamento satisfatório do mecanismo de mercado.
No entanto, já não me parece possível conseguir efeitos positivos a partir
desta medida. Da época em que eu a defendia, já deveria ter-me
conscientizado de que se perdera a última oportunidade quando o governo
britânico abandonou, em 1931, exatamente quando parecia estar perto do sucesso,
o esforço de diminuir os custos por meio da deflação.
Evitar
que a recessão degenere em depressão
Se
eu fosse, hoje, responsável pela política monetária de um país, certamente
tentaria de todas as maneiras possíveis evitar uma deflação iminente, ou seja,
uma queda absoluta nos fluxos de renda. Além disso, deixaria bem claro o
meu propósito de assim proceder. Por si só, esta medida provavelmente
seria suficiente para evitar que a recessão se degenerasse numa depressão de
longa duração.
A
recuperação de um mercado no sentido de que ele volte a funcionar
adequadamente, porém, ainda exige a reestruturação do complexo representado
pelo sistema de preços relativos e salários, bem como uma readaptação à
expectativa de preços estáveis, o que pressupõe muito maior flexibilidade em
relação aos salários do que a que hoje existe, não ouso fazer uma previsão das
probabilidades de que o mercado chegue à fixação dos salários relativos, nem
mesmo posso prever quanto tempo este processo consumiria. Embora eu reconheça que uma redução geral de
salários em moeda é politicamente inviável, tenho certeza de que o necessário
ajustamento da estrutura de salários relativos pode e deve ser
conseguido sem inflação, através, simplesmente, da redução do salário em moeda
de alguns grupos de trabalhadores.
Se
não quisermos ter uma visão imediatista da questão, não podemos, obviamente,
tão logo ultrapassemos as primeiras dificuldades, nos deixar de novo levar por
aquele método aparentemente barato e fácil de obter pleno emprego, qual seja, o
de usar a pressão monetária para atingir a meta de ter o máximo de emprego que
se pode conseguir a curto prazo.
O
sonho keynesiano
O
sonho keynesiano findou, muito embora seus fantasmas estejam, há várias décadas,
como que dominando os políticos. Seria excelente — embora isto certamente
signifique desejar demais — que a expressão "pleno emprego", agora
tão intimamente associada à política inflacionária, pudesse ser deixada de
lado, ou que pelo menos estivesse sempre presente a lembrança de que ela foi o
objetivo de economistas clássicos muito anteriores a Keynes. John Stuart
Mill fala, em sua autobiografia, sobre como "o pleno emprego com altos
salários", na sua juventude, era tido como a principal aspiração da política
econômica.[3]
Objetivo
fundamental: dinheiro estável, e não "pleno emprego" instável
É
preciso ficar bem claro que nosso objetivo deve ser não o de chegar, em curto
prazo, ao máximo de emprego que se possa atingir, mas sim o de um "elevado
e estável (ou seja, continuado) nível de emprego".
É possível chegarmos a este objetivo, no entanto, simplesmente com o
restabelecimento de um mercado capaz de funcionar de maneira apropriada: a
livre ação dos preços e dos salários estabelecendo, para cada setor, a
correspondência entre a oferta e a demanda.
A
política monetária pode evitar consideráveis flutuações na quantidade de
dinheiro ou no volume do fluxo de renda, mas o efeito que ela exerce sobre o
emprego não deve constituir-se no fator predominante para seu estabelecimento:
seu principal objetivo deve ser, ainda, a estabilidade do valor da moeda.
As autoridades monetárias devem, portanto, estar efetivamente protegidas contra
as pressões políticas que muitas vezes as têm, hoje em dia, forçado a tomar
medidas que, sendo politicamente vantajosas a curto prazo, se mostram, a longo
prazo, extremamente nocivas à comunidade.
Disciplinando
as autoridades monetárias
Seria
bom poder dividir com meu amigo Milton Friedman a confiança que tem no fato de
que se poderiam evitar abusos de poder, por parte das autoridades monetárias
para fins políticos, se se destituíssem estas autoridades de todo e qualquer
poder discricionário, prescrevendo a soma de dinheiro que elas poderiam e
deveriam, a cada ano, acrescentar ao meio circulante. Talvez ele
considerasse isto viável porque, para efeitos estatísticos, ele acostumou-se a
distinguir com precisão a linha divisória entre o que é e o que não é
considerado dinheiro. Essa distinção, no entanto, não existe no mundo
real.
Para
garantir que tudo o que é quase-dinheiro possa ser convertido em dinheiro
propriamente dito — o que se faz necessário para evitar pânico ou graves
crises de liquidez —, estou certo de que é preciso que as autoridades
monetárias tenham um certo grau de arbítrio. Concordo
com Friedman, no entanto, quando diz que temos de tentar voltar a um sistema
mais ou menos automático, se quisermos regular a quantidade de dinheiro dos
tempos normais. As autoridades monetárias deveriam ter neste princípio um
objetivo, e não estar a ele amarradas por lei.
Embora
eu não seja tão otimista quanto o editor do Times de Londres,
Mr. William Rees-Mogg, que em sensacional artigo[4]
propõe a volta ao padrão-ouro, tal sugestão, vinda de fonte tão influente,
faz-me sentir mais confiante no futuro. Aliás, eu até concordo com a
ideia de que, entre os sistemas monetários viáveis, o padrão-ouro internacional
seria o melhor, se fosse possível acreditar que os países mais importantes
obedeceriam de fato às regras do jogo que se fazem necessárias para a
preservação do sistema. No entanto, isso me parece muito pouco
provável. Por outro lado, nenhum país pode, isoladamente, por si próprio,
ter um padrão-ouro efetivo. O padrão-ouro, por ser, por sua própria
natureza, um sistema internacional, somente pode funcionar como um sistema
internacional.
É
um grande passo, entretanto, em direção a uma o volta à razão a afirmação que
faz Mister Rees-Mogg no fim de seu livro:
Deveríamos acabar com o compromisso de pleno emprego
do White Paper de 1944, numa grande revolução política e
econômica. Isso, até bem pouco tempo, parecia ser um preço muito alto a
ser pago. Agora, sob nenhum aspecto mais parece sê-lo. Há pouca ou
nenhuma possibilidade de que se consiga, na Grã-Bretanha ou no mundo, manter o
pleno emprego com a atual inflação. A política inflacionária
comprometia-se em chegar a um padrão de pleno emprego, mas a inflação
acelerou-se a um ponto tal que se tornou impossível sua compatibilidade com o
pleno emprego[5].
Igualmente
encorajadoras são as palavras do ministro da Fazenda da Grã-Bretanha, Mister
Denis Healey, quando afirma:
É muito melhor que mais gente esteja trabalhando,
mesmo que isso signifique uma aceitação de salários em média
mais baixos, do que apenas aqueles que tiveram bastante sorte para
manter seus empregos nadem em dinheiro, enquanto milhões de pessoas são
obrigadas a viver da pensão estatal para desempregados.[6]
Parece
que, justamente na Grã-Bretanha, país onde tantas doutrinas nocivas tiveram
origem, está começando a haver uma guinada nas opiniões. Esperemos que
isto se espalhe bem depressa pelo resto do mundo.
[1] Ricardo
to Wheatley, 18 de setembro de 1821, reproduzido no livro The Works of
David Ricardo, ed. Piero Sraffa, vol. 9, Cambridge, University Press,
1952, p. 73.
[2]
"The Economic Consequences of Peace", in The Collected
Writings of John Maynard Keynes, vol. 2, Londres, MacMillan for the
Royal Economic Society, 1971, p. 144.
[3] J. S.
Mill, Autobiography and Other Writings, ed. J. Stillinger,
Boston, Houghton Mifflin, 1969.
[4] Crisis
of Paper Currencies: Has the Time Come for Britain to Retorn to the Gold
Stander?" Times, Londres, 1 de maio de 1974.
[5] William
Rees-Mogg, The Reigning Error: The Crisis of World Inflation, Londres,
Hannish Hamilton, 1974, p. 112.
[6] Discurso
pronunciado no East Leeds Labour Club, segundo notícia publicada no Times, Londres,
11 de janeiro de 1975.