Hans-Hermann Hoppe está lançando um novo livro,
Der Wettbewerb der Gauner ("A Competição dos
Escroques"). Para promover seu
livro, Hoppe concordou em ser entrevistado por Andreas Marquat, do site alemão
mises.info. A entrevista foi conduzida por troca de
e-mails.
Senhor Hoppe, o senhor
escreveu em seu novo livro, Der Wettbewerb der Gauner ("A Competição dos Escroques"), que "Não precisamos de um
superestado europeu, que é o que a União Europeia está querendo estabelecer...
mas sim de uma Europa e de um mundo formado por centenas, até mesmo milhares,
de pequenas Liechtensteins e Cingapuras."
Tal arranjo não parece muito factível no momento — muito pelo
contrário, aliás. Será que as coisas
terão de piorar ainda mais — política e economicamente — para que só então
possam melhorar?
Infelizmente, receio que sim. Antes de chegarmos a este arranjo que
defendo, provavelmente vivenciaremos várias quebradeiras nacionais, começando
por Portugal, Espanha, Itália e, no final, a Alemanha. Somente então, receio eu, tornar-se-á óbvio
para todos aquilo de que muitos já sabem hoje: que a União Europeia nada mais é
do que uma enorme máquina de redistribuição de renda e riqueza, da Alemanha e
da Holanda para Grécia, Espanha, Portugal e outros.
Mas isso não é tudo. Também ficará claro que a mesma insanidade, a
mesma bagunça, também existe dentro de cada país: na Alemanha, por exemplo, há
redistribuição de renda e riqueza da Bavaria e de
Baden-Württemberg para Bremen e
Berlim, da Pequena Cidade A para o Pequeno Vilarejo B, de uma empresa para
outra, de uma indústria para outra, de João para José e por aí vai. E sempre seguindo o mesmo e perverso padrão:
redistribuição dos países, regiões, locais, empresas e indivíduos mais
produtivos para aqueles menos produtivos ou nada produtivos. A quebradeira trará toda esta realidade à luz
de uma maneira bastante dramática.
E talvez, só então, as pessoas irão
finalmente entender que a democracia — em nome da qual todas estas safadezas e
trapaças são feitas — nada mais é do que uma forma especialmente insidiosa de
comunismo, e que os políticos que criaram esta demência moral e econômica, e
que enriqueceram enormemente neste processo (mas nunca, é claro, sendo
responsáveis por nenhum dos estragos que causaram), nada mais são do que um
desprezível bando de comunistas escroques.
Em
seu livro Bureaucracy, Ludwig von
Mises afirma: "A democracia representativa será insustentável caso uma grande
parte do eleitorado esteja na folha de pagamento do governo". O senhor também repete este argumento quase
70 anos depois. Quando é que as
constatações de Mises irão finalmente render frutos?
Vou ainda mais longe do que Mises em
minhas constatações. Afirmo — e já
tentei fornecer evidências disto de várias maneiras diferentes em meus escritos
— que é a democracia a responsável pelas fatídicas condições que nos afligem
hoje. O número de pessoas produtivas
está em constante declínio, e o número de pessoas parasiticamente consumindo a
renda e a riqueza deste declinante número de pessoas produtivas está aumentando
constantemente. Isso é algo que não pode
se prolongar por muito tempo. É
economicamente insustentável.
O fato de todo o castelo de cartas da
democracia ainda não ter desabado completamente é uma enorme prova do tremendo
poder criativo do capitalismo, mesmo em meio aos crescentes obstáculos e
estrangulamentos criados pelo governo. E
este fato também nos leva a imaginar todos os 'milagres' econômicos que seriam
possíveis caso tivéssemos um capitalismo livre e desimpedido, um capitalismo
não obstruído e asfixiado por todo este parasitismo, um capitalismo completamente desregulamentado e desburocratizado.
Se esta constatação vai finalmente
gerar frutos é algo que irá depender da consciência de classe da
população. Há um mito marxista,
gostosamente promovido pelo estado, de que existe um irreconciliável conflito
de interesses entre empregadores (capitalistas) e empregados (trabalhadores),
ou entre ricos e pobres. Enquanto este
mito perdurar na opinião pública, não haverá absolutamente nenhuma mudança, e o
desastre será inevitável.
Uma mudança fundamental só será
possível se, em vez desta mentalidade, a correta compreensão das coisas se
tornar algo amplamente aceito entre a população. E qual é a correta compreensão? Entender que o único conflito de interesses
que existe na sociedade é aquele entre os pagadores de impostos — ou seja, os
explorados — e os recebedores de impostos — ou seja, os exploradores. Em outras palavras, entre, de um lado, a
classe de pessoas que obtém sua renda e seus ativos produzindo algo que é
comprado voluntariamente e valorado apropriadamente pelos consumidores; e, de
outro, a classe formada por aqueles que não produzem nada de valor, mas que
vivem e enriquecem à custa da renda e dos ativos das pessoas produtivas, os
quais são violentamente confiscados via tributação — o que significa dizer que
todos os funcionários públicos e todos os beneficiários de "programas sociais",
subsídios, privilégios monopolistas pertencem a esta última classe.
Somente quando a classe produtora
reconhecer claramente este estado de coisas e publicamente se manifestar;
somente quando os produtores finalmente estiverem confiantes de que possuem a
autoridade moral e finalmente rejeitarem as insolentes admoestações da classe
política como sendo desaforos morais e econômicos, e rispidamente expuserem e
denunciarem a classe política como aquilo que realmente são — uma gangue de
parasitas —, será então possível repelir e, em última instância, eliminar
estes parasitas.
O
senhor indiretamente critica as pessoas por "se preocuparem somente com suas
rotinas diárias" e por "não pensarem em questões filosóficas". Não estaria o senhor exigindo muito? Em uma situação econômica que apresenta
contínua deterioração, principalmente no aspecto monetário, não estariam as
pessoas ocupadas demais tentando sobreviver e se sustentar, não tendo tempo
portanto para se dedicar à filosofia?
Minha declaração não foi feita com a
intenção de ser uma crítica específica ao cidadão comum; ela foi apenas a
simples afirmação de um fato incontestável.
Acho que é completamente normal o fato de que a maioria das pessoas
jamais se preocupe com questões filosóficas.
São poucas as pessoas que realmente se interessam por tais problemas, e
são ainda menos as pessoas que possuem a capacidade intelectual para de fato
esclarecer ou mesmo solucionar estes problemas.
Meus comentários, ao contrário, foram
feitos com a intenção de sistematicamente estimular o cidadão comum. Para dizer a ele — e isto vindo de um
intelectual, "alguém de dentro", por assim dizer — que seu preconceito contra
intelectuais — que, via de regra, são pessoas enfatuadas, inúteis e arrogantes
— está totalmente correto. Que existe
uma quantidade excessiva de intelectuais apenas porque o estado os paga e os
subsidia via impostos extraídos do resto de nós. E isso deturpa e distorce o objetivo e o
resultado de suas ideias — direcionando-as para a defesa do estatismo. Que é ele, o cidadão comum, quem paga por
todo este dispendioso e inútil besteirol produzido pela classe intelectual, e
que ele, portanto, tem todos os motivos do mundo para gritar, protestar e se
sentir indignado.
A
tese do seu livro é que o governo é o monopolista supremo da aplicação da lei e
da justiça, e que todo e qualquer monopólio é e sempre será ruim do ponto de
vista do consumidor — neste caso, o cidadão.
Sua solução alternativa é uma sociedade baseada em leis privadas. Como um "leigo" pode entender o que tudo isto
acarreta?
A ideia básica é bem simples: abolir
os monopólios e estimular a concorrência.
Atualmente, o que ocorre é que, na
eventualidade de um conflito entre um cidadão e o estado, será sempre o estado
(ou um juiz que é empregado do estado) quem irá decidir quem está certo. Se o estado decidir, por exemplo, que eu
tenho de pagar a ele mais impostos e que eu não posso permitir que pessoas
fumem no restaurante do qual sou o dono, e se eu não concordar com nenhuma
destas decisões, o que posso fazer a respeito?
Posso apenas recorrer a um tribunal estatal, cujos juízes — muito bem
remunerados com o dinheiro coletado pelo estado via impostos — são pagos para
impingir as regulamentações do governo.
E o que estes juízes, como toda a probabilidade, irão decidir? Que tudo isto é legal, obviamente!
Desta maneira, todos os tipos de
roubo, agressão, assassinatos e guerras cometidos pelo estado são "legalmente"
sancionados. Tente julgar e processar
algum político para ver se terá sucesso.
Peça para um americano levar os senhores Bush e Obama — e um alemão
levar a senhora Angela Merkel — para os tribunais sob a acusação de homicídio
em massa no Iraque e no Afeganistão. Tal
processo jamais seria aceito pelos tribunais; e, mesmo que fosse, a decisão
final já estaria clara desde o início: absolvição!
Em uma sociedade de leis privadas, ao
contrário, se tivéssemos tal conflito iríamos recorrer a arbitradores independentes, arbitradores que estão no
livre mercado concorrendo com outros arbitradores por consumidores voluntários
de seus serviços. Não utilizaríamos um
juiz inerentemente enviesado em prol do estado, já que é pago diretamente por
este, e que por isso é partidário de um dos lados do julgamento; recorreríamos
a uma entidade neutra para adjudicar
os conflitos judiciais normais que surgem envolvendo direitos de propriedade
existentes e reconhecidos e leis de contratos privados. Esta entidade, por estar operando no livre
mercado, terá todo o interesse em adquirir e manter a reputação de ser uma
julgadora neutra e imparcial. Caso não
proceda desta maneira, será expulsa do mercado de mediação pela total falta de
clientes.
O julgamento, neste caso, será
previsível e óbvio: minha renda obtida por meio do meu trabalho é minha
propriedade (e não do estado), assim como o restaurante também é minha
propriedade (e não do estado). Portanto,
qualquer tributo imposto pelo estado sobre mim ou qualquer restrição ao uso da
minha propriedade (como proibições ao fumo) seriam julgadas como ilícitas, como
roubo e expropriação. Adicionalmente, é
claro, Bush, Obama, Merkel (e vários outros) seriam declarados culpados por
homicídio em massa (além de vários outros crimes).
É precisamente por isso que existe um monopólio judicial do estado. Porque, sob um sistema jurídico concorrencial
e não monopolista, seria imediatamente evidente que, nas palavras de Santo
Agostinho, o estado nada mais é do que um "grande bando de ladrões", uma máfia
— só que muito maior, mais opressiva e mais perigosa.
O
estado teria alguma responsabilidade neste seu modelo?
Indiretamente, esta pergunta já foi
respondia. Quais tarefas você gostaria
de entregar a um bando de ladrões? Todos
eles deveriam renunciar! E deveriam
devolver toda a propriedade que roubaram — toda a chamada propriedade pública
— para seus donos de direito. Ou seja,
os pagadores de impostos deveriam ser reembolsados de acordo com a quantidade
de impostos que pagaram.
O problema é que estes bandidos jamais
pensaram em
renunciar. E eles
também jamais pensaram em restituir suas vítimas: o enorme número de pessoas
roubadas, despojadas e assassinadas por eles.
Nada.
E tal estado de coisas não irá mudar
— a menos que a opinião pública gere uma enorme pressão. O que nos leva de volta ao assunto da
consciência de classe. Nossa única
esperança para que esta desejada renúncia e restituição ocorra é que as vítimas
(bem como um crescente número de inocentes e inofensivos colaboradores do
estado) reconheçam o estado como aquilo que realmente é: um bando de ladrões, e
os tratem correspondentemente.
Ladrões que são reconhecidos e
tratados como tal não podem durar para sempre.
Para
concluir, falemos sobre dinheiro — dinheiro imposto pelo estado, para ser mais
preciso —, o meio de troca que as pessoas estão permanentemente sendo
obrigadas a utilizar. Até mesmo o
cidadão comum mais alienado já percebeu que há algo de errado com o sistema. Por favor, explique para ele por que — e
aqui eu cito uma frase sua — "não há absolutamente nenhuma razão, sob nenhuma
circunstância, para que o estado tenha qualquer tipo de envolvimento com a
produção de dinheiro".
Porque o estado é um monopólio e monopólios sempre serão, em
qualquer circunstância, nocivos para o consumidor (ao passo que, inversamente,
eles são sempre ótimos para o monopolista).
Tal raciocínio também se aplica ao dinheiro e ao monopólio governamental
do dinheiro.
Somente um banco central aprovado pelo
estado pode produzir dinheiro, e tal produção de dinheiro será
correspondentemente ruim. Em vez de termos ouro e prata, como no
passado, temos hoje nada mais do que pedaços de papel circulando o mundo
(dólares, euros, ienes etc.). Tal
arranjo é ótimo para o monopolista. Ele
pode imprimir dinheiro de maneira efetivamente gratuita e utilizá-lo para
comprar bens como imóveis e carros. Uma
varinha mágica real. Quem não iria
querer tal varinha?
No entanto, para todo o resto da
população, isso não é nada fantástico.
Mais dinheiro de papel não torna a sociedade mais rica. É tudo apenas somente papel. Cada novo pedaço de papel impresso reduz o
poder de compra de todos os outros pedaços de papel que já existiam. E cada novo pedaço de papel gera uma redistribuição da riqueza social. Os responsáveis pela impressão do dinheiro se
enriquecem e sua fatia confiscada de riqueza da sociedade aumenta. Eles agora possuem casas e carros que antes
não possuíam. E, igualmente, esta impressão
de dinheiro reduz a riqueza de todos os outros cidadãos, que agora possuem
correspondentemente menos casas e carros do que poderiam possuir.
Estou confiante de que o cidadão comum
alienado é capaz de entender que estas maquinações, que ocorrem diariamente em
uma escala inimaginável, nada mais são do que um gigantesco caso de roubo e
fraude em ampla escala.
Porém, a verdade é que não ouvimos
absolutamente nenhuma palavra de condenação, nenhuma exposição desta fraude, na
mídia. Aqueles pretensiosos,
ininteligíveis, arrogantes e auto-proclamados 'especialistas' econômicos e financeiros
na televisão, no rádio e em todas as outras mídias não falam absolutamente nada
a respeito. Isto tem dois motivos: ou
eles estão sendo pagos para intencionalmente esconder ou encobrir fatos que
eles sabem ser imorais, ou eles foram tão estupidificados durante seu período
universitário, que eles se tornaram realmente incapazes de reconhecer até mesmo
os mais simples fatos e relações de causa e consequência.
O que aconteceria se o monopólio do
governo sobre o dinheiro fosse abolido e todos nós estivéssemos livres para
fazer cópias perfeitas do papel-moeda estatal (da mesma maneira que qualquer
indivíduo pode hoje criar cópias perfeitas de maçãs, peras, grãos de trigo,
pregos, casas, computadores etc.)? Eis o
que aconteceria: o papel-moeda seria imediatamente produzido em quantidades tão
grandes que o valor (poder de compra) de uma cédula iria despencar, de um dia
para o outro, até o valor físico do papel em que os números foram
impressos. Com tais cédulas valendo
apenas o papel no qual foram impressas, elas seriam impróprias para ser
utilizadas como um meio geral de pagamento.
O dinheiro de papel perderia sua função de dinheiro, e o estado perderia
repentinamente sua varinha mágica. (É
exatamente por isso que o estado é tão ciumento e zeloso de seu monopólio sobre
a criação de dinheiro, sendo que o "crime" de falsificação de dinheiro é um dos
mais eficientemente combatidos pelo estado).
Mas isso não significa que o dinheiro não mais existiria. Ao contrário: em um ambiente concorrencial,
um dinheiro de melhor qualidade seria
produzido. Por quê? Porque sempre haverá uma demanda por meios de troca.
Por que as pessoas carregam dinheiro
consigo? Por que elas não investem
absolutamente todos os seus ativos em bens de capital e em bens de
consumo? Por que elas sempre mantêm uma
fatia de seus ativos na forma de dinheiro (o qual não pode ser consumido e nem
utilizado em processos produtivos; pode apenas ser portado como meio de troca,
com o intuito de talvez ser trocado por algo mais tarde)? Resposta: porque há incerteza em nosso mundo.
Porque coisas acontecem, o que faz com que surjam as necessidades
humanas. E nem reservas de bens de
consumo ou de bens de capital, tampouco apólices de seguro, podem nos deixar
preparados para tais necessidades, tampouco impedir que elas ocorram. A única maneira de se estar preparado para
tais imprevisíveis, porém continuamente recorrentes surpresas, e as
consequentes necessidades que elas acarretam, é acumulando uma reserva de meios
de troca. Uma reserva de bens que se
distinguem de todos os outros bens por sua excepcional liquidez e capacidade de
ser imediatamente aceito em trocas voluntárias.
Bens que podem ser diretamente e imediatamente trocados, a qualquer
momento, pela mais vasta gama de bens de consumo ou de capital. Em suma, bens que possuem uma excepcional
capacidade de serem comercializados em troca de qualquer coisa.
Do ponto de vista histórico, estes
bens sempre foram o ouro e a prata, pois estes metais eram os que melhor
cumpriam a função de meio de troca, a função de fornecer um "seguro contra
incertezas". Ouro e prata surgiram como
os bens que usufruíam a mais alta liquidez e capacidade de serem trocados por
quaisquer outros bens. Eles eram os bens
mais facilmente vendáveis e mais amplamente aceitos dentre todos. E assim, portanto, o dinheiro historicamente
sempre foi o ouro e a prata.
Se o monopólio estatal sobre o
dinheiro algum dia desaparecer, a maior probabilidade é que ouro e prata
recuperem suas antigas funções de dinheiro (e o papel iria simplesmente voltar
a ter neste sistema monetário a mesma função que sempre teve historicamente:
servir como certificados, como títulos de propriedade, sobre ouro e prata).
Senhor
Hoppe, muito obrigado pela entrevista.