segunda-feira, 6 ago 2012

Um momento significativo da atual
corrida presidencial norte-americana ocorreu recentemente quando Barack Obama
disse: "Se você tem um empreendimento, não foi você quem o construiu. Foi outra pessoa quem o possibilitou." Ele justificou este seu ato de elevar
burocratas acima de empreendedores referindo-se também a pontes e estradas,
dizendo que todas existem unicamente graças ao estado. E, no final, arrematou: "A internet não foi inventada
do nada. A pesquisa governamental criou
a internet, de modo que, só então, todas as empresas puderam ganhar dinheiro com ela."
O governo ter criado a internet é
uma daquelas lendas urbanas que perduram até hoje. O mito é que o Pentágono criou a internet com
o intuito de poder manter operantes suas linhas de comunicação mesmo sob ataque
nuclear. A verdade, no entanto, é bem
mais interessante, e mostra como as inovações ocorrem no mercado — e mostra também
o quão difícil é criar empresas tecnológicas bem sucedidas mesmo quando o
governo sai da frente.
Para
muitos tecnólogos, a ideia da internet remonta a Vannevar Bush, conselheiro
da presidência dos EUA para assuntos tecnológicos durante a Segunda Guerra
Mundial. Foi ele quem supervisionou o
desenvolvimento do radar e do Projeto Manhattan. Em 1946, em um artigo escrito para a revista The Atlantic chamado "As We May Think",
Bush definiu um ambicioso objetivo tecnológico para aquele vindouro período de
paz: construir o que ele chamou de "memex", por meio do qual "formas
totalmente novas de enciclopédias surgirão, trazendo com elas uma malha de trilhas
associativas prontas para ser adicionadas ao memex e então ampliadas."
Isso excitou imaginações e, na
década de 1960, tecnólogos já estavam tentando fazer com que redes de comunicações
fisicamente separadas fossem conectadas em uma só rede global — a "world-wide web" [rede de alcance mundial]. O governo americano estava envolvido no
projeto, modestamente, por meio da ARPA (Advanced
Research Projects Agency — Agência de Projetos de Pesquisa Avançados, agência
do Departamento de Defesa americano). A ARPA criou a ARPANET, que tinha o objetivo de interligar as bases militares e os departamentos de pesquisa do governo americano
Mas o objetivo do governo americano não era o
de manter suas comunicações durante um ataque nuclear, e tampouco a ARPA criou a
internet. O próprio Robert Taylor, que
comandou o programa ARPA na década de 1960, enviou um email para os colegas
tecnólogos em 2004 esclarecendo a questão: "A criação da ARPANET não foi
motivada por considerações sobre a guerra. A ARPANET não era uma internet. A internet é uma conexão entre duas ou mais
redes de computadores."
Se o governo não inventou a
internet, então quem a inventou? Vinton Cerf foi o sujeito que
desenvolveu os protocolos TCP/IP, que são espinha dorsal (ou, no contexto
adequado, a rede de transporte) da internet.
E Tim Berners-Lee
merece os créditos pelos hyperlinks.
Mas o crédito completo vai para a
empresa na qual Robert Taylor trabalhou após ter saído da ARPA: a Xerox. Foi nos laboratórios da Xerox PARC, no Vale do
Silício, na década de 1970, que a Ethernet foi desenvolvida para
conectar diferentes redes de computadores. Os pesquisadores de lá, além de terem desenvolvido o
primeiro computador pessoal (o Xerox
Alto), também desenvolveram a interface gráfica do usuário, a mesma que ainda conduz a utilização
dos computadores atuais.
De
acordo com um livro sobre a Xerox PARC, "Dealers
of Lightning", de Michael Hiltzik, os pesquisadores perceberam que não
poderiam ficar eternamente esperando o dia em que o governo finalmente decidiria
conectar as diferentes redes. Logo, eles
resolveram fazer tudo por conta própria. "Nós temos um problema mais imediato do que
eles", disse Robert Metcalfe ao seu colega John Shoch em 1973. "Nós temos mais redes do que eles." Mais tarde, o Sr. Shoch contaria que os
funcionários da ARPA "estavam trabalhando com financiamento do governo e com
contratos com universidades. Eles tinham
de lidar com burocratas que estavam supervisionando o contrato... e com todo
aquele comportamento lento e lúgubre típico dessa gente."
Mas então, tendo criado a
internet, por que a Xerox não se tornou a maior empresa do mundo? A resposta explica a discrepância que há entre
uma visão empreendedorial pautada pelo estado e como as inovações realmente
ocorrem.
Os executivos da matriz da Xerox na
cidade de Rochester, estado de Nova York, estavam concentrados em vender
copiadoras. Do ponto de vista deles, a
Ethernet era importante apenas para que pessoas em um escritório pudessem
conectar seus computadores para compartilhar uma copiadora. Foi então que, em 1979, Steve Jobs negociou um
acordo pelo qual o departamento de capital de risco da Xerox investiu US$1
milhão na Apple, com o requisito de que Jobs fosse completamente informado
sobre todas as inovações da Xerox PARC. "Eles não faziam a menor ideia do que possuíam",
Jobs diria mais tarde, após lançar seus extremamente lucrativos computadores
Apple, nos quais ele utilizou os conceitos desenvolvidos pela Xerox.
O ramo de copiadoras da Xerox se
manteve lucrativo por décadas, mas a empresa, no final, vivenciou anos de prejuízos
gerados pela revolução digital. Os administradores
da Xerox podem se consolar com o fato de que é raro uma empresa conseguir fazer
a transição de uma era tecnológica para outra.
Quanto
ao papel do governo no processo, a internet foi completamente privatizada em
1995, quando uma fatia da rede que ainda estava sob o controle pela National Science
Foundation (Fundação
Nacional da Ciência) foi abolida — imediatamente quando a internet
comercial começou a crescer. O blogueiro
Brian Carnell escreveu em 1999: "A internet, de fato, reafirma aquela crítica
básica feita pelos defensores do livre mercado ao governo. Por 30 anos, o governo deteve um protocolo
imensamente poderoso de transferência de informações, o TCP/IP, mas ele ficou
mofando sem ser utilizado. . . . Em
menos de uma década, empresas privadas assumiram o controle deste protocolo e
criaram umas das mais importantes revoluções tecnológicas do milênio."
É importante entender a história
da internet porque ela é, com muita frequência, citada enganosamente como
exemplo e como justificativa para se ter um governo grande. É importante também reconhecer que construir
grandes empresas de tecnologia é algo que requer, além de inovações, a habilidade para
saber levar estas inovações ao mercado. Como
nos mostrou o contraste entre a Xerox e a Apple, são poucos os empreendedores
que obtêm sucesso nesse desafio. Aquele
que conseguem merecem o crédito por fazer isso acontecer — e não o governo.