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O pensamento econômico na Grécia antiga

A odisséia intelectual que gerou as bases para a civilização ocidental começou na Grécia Antiga.  Infelizmente, os pensadores gregos não foram capazes de compreender corretamente os princípios essenciais sobre o que é uma ordem espontânea de mercado e nem o processo dinâmico de cooperação social que abrange esses princípios.  Ao passo que devemos reconhecer as importantes contribuições gregas para as áreas da epistemologia, da lógica, da ética e até mesmo da concepção do direito natural, é necessário também reconhecermos que os gregos fracassaram miseravelmente ao não verem a necessidade do desenvolvimento de uma disciplina, a ciência econômica, dedicada ao estudo do processo espontâneo de cooperação social que forma o mercado.

O que é ainda pior é que, quando os primeiros intelectuais surgiram, surgiram também a simbiose e a cumplicidade entre pensadores e governantes.  Desde o início, a grande maioria dos intelectuais abraçou o estatismo e sistematicamente subestimou, e até mesmo criticou e denegriu, a sociedade do comércio, das trocas voluntárias e do trabalho qualificado que prosperava ao redor deles.

Sei que pode ser muito exagerado querer que, desde o nascimento do conhecimento filosófico e científico, os gregos compreendessem o básico da economia política, uma disciplina que ainda está entre as mais novas dentre todas as ciências e que busca estudar uma realidade tão abstrata e difícil de entender quanto a ordem espontânea do mercado.  No entanto, é válido observar que os filósofos gregos, como os intelectuais de hoje, não puderam evitar a vaidade pseudocientífica de se acreditarem plenamente qualificados para impor seus pontos de vista sobre seus conterrâneos por meio da sistemática coerção governamental.  A história se repete continuamente, e até hoje não houve grandes progressos nesse quesito.

O contexto político-histórico

Existe um paralelo não somente no que diz respeito às simpatias estatistas dos pensadores, mas também no que diz respeito à rivalidade entre duas noções radicalmente opostas sobre governo e liberdade individual.  Com efeito, ao longo de grande parte do século XX, o mundo e as sociedades em geral estavam divididos: de um lado, havia a visão liberal-clássica, defensora do governo limitado, do respeito à sociedade civil, da liberdade individual e da responsabilidade (visão esta representada, ao menos em termos relativos, pela sociedade americana); e, de outro lado, havia o socialismo vigente, baseado na crença de que o estado deveria impor as mais variadas utopias sobre a sociedade civil por meio da força (visão esta representada durante grande parte do século XX pela antiga União Soviética).  Na Grécia Antiga, podemos também identificar dois pólos igualmente opostos.

Havia a relativamente mais liberal e democrática cidade de Atenas, a qual foi capaz de acomodar um próspero conjunto de empreendimentos e trabalhos qualificados dentro de uma ordem espontânea de cooperação social baseada no respeito pelas leis e na igualdade perante elas.  Em contraste, havia a cidade de Esparta, a qual era profundamente militarista e na qual a liberdade individual praticamente não existia devido à crença de que todos os recursos deveriam estar subordinados ao estado.

É incrível que os mais eminentes e distintos pensadores e filósofos atenienses tenham impiedosamente atacado e depreciado a ordem comercial que os rodeava e os sustentava ao mesmo tempo em que não se furtavam a enaltecer o totalitarismo estatista que Esparta representava.  É como se os intelectuais daquela época, assim como os de hoje, não suportassem o fato de que, embora considerados sábios, fossem incapazes de colher em termos econômicos os frutos daquilo que consideravam ser sua própria importância.  Igualmente, eles foram incapazes de resistir à tentação de impor suas próprias ideias acerca do bem e do mal sobre seus conterrâneos, e eles continuamente almejavam fazer isso por meio do poder coercivo do estado.

O reconhecimento desta verdade não deve nos levar à errônea crença de que a relativamente mais livres pólis não eram também vítimas do estatismo.  Por exemplo, vários políticos não hesitavam em corroborar as políticas imperialistas atenienses e até mesmo, como fez Péricles no século V a.C., em se apropriar indevidamente de fundos públicos para empreender obras colossais.[1]  Vários políticos também se esforçavam incansavelmente em tentar convencer os cidadãos de que o importante era se subjugar aos desejos do estado; de que o importante era perguntar não o que Atenas poderia fazer por eles, mas sim o que eles poderiam fazer por Atenas.

No que mais, as pólis relativamente mais livres ainda estavam sujeitas a um ciclo político que, por mais estranho e paradoxal que pareça, continua a afetar as sociedades atuais.  Com efeito, períodos de grandes liberdades civis baseadas no cumprimento de leis substanciais eram invariavelmente seguidos por crises: as cidades quedavam vítimas da demagogia e das inquietações incitadas por pequenos grupos que tinham a intenção de explorar determinados grupos sociais em favor de outros supostamente maiores e menos privilegiados.  Consideráveis tensões sociais, econômicas e políticas eram o resultado, e no final levavam a severos conflitos e distúrbios civis, os quais, por sua vez, eram utilizados para justificar novos aumentos no poder do estado, personificado em cada circunstância histórica por inescrupulosos líderes populistas que inevitavelmente insistiam em serem chamados de "salvadores da pátria".

Algumas tentativas embrionárias de análise econômica

É muito difícil saber os pensamentos exatos dos primeiros filósofos gregos, pois os documentos remanescentes são poucos e muito fragmentados.  Não obstante, há evidências de alguns primórdios muito animadores, os quais, caso tivessem sido continuados, poderiam abrir caminho para uma incipiente formulação da teoria da ordem espontânea do mercado.

Por exemplo, ainda no século VIII a.C., Hesíodo indica em seus poemas que a escassez está sempre presente nas ações humanas, sendo ela o motivo por que devemos alocar de maneira eficiente os recursos disponíveis.  Adicionalmente, ele menciona o tipo de concorrência que a emulação desencadeia, a qual ele chama de "bom conflito", considerando-a como uma vital força empreendedorial que frequentemente permite a superação dos grandes problemas trazidos pela escassez de recursos.  No que mais, Hesíodo afirmava que a concorrência só era possível onde houvesse respeito pela justiça e pelas leis, o que estimula a ordem e a harmonia na sociedade.  Neste sentido, Hesíodo — e até certo ponto, Demócrito de Abdera — estava muito mais próximo da correta noção da ordem espontânea do mercado de que Sócrates, Platão e até mesmo do que o próprio Aristóteles mais tarde alcançaria.

Após Hesíodo, temos de nos concentrar um pouco nos filósofos sofistas.  Apesar da má reputação que usufruem atualmente, eles certamente eram muito mais libertários, ao menos em termos relativos, do que os grandes filósofos que vieram depois.  Com efeito, os sofistas eram simpáticos ao comércio, à busca pelo lucro e ao espírito empreendedorial, e receavam o poder absoluto e centralizado dos governos das cidades-estados.  Embora tenhamos de admitir que eles ocasionalmente se entregavam a um relativismo similar àquele que os pós-modernistas de hoje endossam, os sofistas foram, de longe, superiores aos pensadores socráticos que surgiriam mais tarde no que concerne à defesa da liberdade individual contra o governo.  Finalmente, temos de observar a maneira na qual a vaidade pseudocientífica tipicamente demonstrada pela maioria dos intelectuais atuais em favor do estatismo levou ao sistemático descrédito dos sofistas.  Sempre considerados politicamente "incorretos", eles são rotulados como pensadores ilógicos e desonestos.

Subsequentemente, outros pensadores mais modernos, como Protágoras de Abdera — da mesma época de Péricles —, teorizaram sobre a importância da cooperação social, e insistiram que "o homem é a medida de todas as coisas".  Levada à sua conclusão lógica, filosoficamente falando, esta noção pode ter dado origem ao surgimento natural do subjetivismo e do individualismo metodológico, os quais são pontos de partida essenciais a qualquer análise econômica de processos sociais.  Da mesma maneira, o mestre historiador Tucídides aparentava possuir uma concepção da natureza espontânea e evolucionária da ordem social muito mais acurada do que muitos de seus contemporâneos.  Em seu registro da Oração Fúnebre de Péricles, Tucídides enfatizou melhor do que qualquer outro pensador as qualidades relativamente mais liberais-clássicas[2] da sociedade ateniense.

Finalmente, devemos mencionar Demóstenes, o grande defensor mundial da liberdade contra o despotismo do tirano Filipe II da Macedônia.  Não é nenhuma coincidência que Demóstenes tenha compreendido a essência consuetudinária e evolucionária das leis, e que, por isso, tenha sido capaz de superar a dicotomia reducionista que os gregos haviam estabelecido entre o mundo físico (natural) e o mundo supostamente artificial de leis e convenções.  Com efeito, no geral, os gregos foram incapazes de entender que o cosmo natural deve incluir a ordem espontânea do mercado e as relações sociais que são o objeto de estudo da economia; os gregos acreditavam que qualquer coisa relacionada à sociedade sempre era artificial e deliberadamente criada por seus organizadores (os quais eles esperavam que fossem ditadores-filósofos como aqueles imaginados por Platão).

O ponto de vista subjetivista, em torno do qual gira toda a moderna ciência econômica, pode ser encontrado, por exemplo, na definição de riqueza oferecida por Xenofonte em sua obra Oeconomicus, na qual ele define propriedade como sendo "aquelas coisas que o detentor deve considerar vantajosas para os propósitos de sua vida".  Além disso, Xenofonte pode ser considerado o primeiro erudito a introduzir o conceito da eficiência dinâmica — mais especificamente, o aumento do patrimônio de uma pessoa por meio da criatividade empreendedorial (junto com o conceito de eficiência estática, o qual se baseia em se evitar o desperdício de recursos e o qual Xenofonte acredita poder ser alcançado ao se manter o patrimônio da família em perfeito estado).

De qualquer forma, apesar deste início promissor e apesar das grandes contribuições em outras áreas do pensamento filosófico e científico (e talvez exatamente por causa destas contribuições), os filósofos gregos no geral caíram na arrogância fatal da pseudociência intelectual.  Assim, eles se mostraram completamente alheios quando se tratava de reconhecer o mercado e a ordem social evolucionária; consequentemente, se entregaram ao estatismo; tornou-se "politicamente correto" desdenhar a atividade comercial e mercantil de seus contemporâneos e criticar impiedosamente os pensadores relativamente mais liberais-clássicos (fossem eles sofistas ou não).

Os exemplos particularmente alarmantes de Sócrates, Platão e até mesmo Aristóteles

Da perspectiva do nosso tema, a principal característica compartilhada por Sócrates, Platão e Aristóteles — os três maiores filósofos da Grécia antiga — era sua incapacidade de compreender a natureza do próspero e vigoroso processo mercantil e comercial que estava ocorrendo entre as diferentes cidades ou pólis (tanto na própria Grécia quanto na Ásia Menor e no resto do Mediterrâneo).  Quando falavam sobre a economia, estes filósofos se baseavam em seus instintos, e não na observação e na razão.  Eles escarneciam o trabalho dos artífices e comerciantes, e menosprezavam a importância de seus disciplinados esforços diários. 

Por conseguinte, foi por meio destes filósofos que a tradicional oposição dos intelectuais a qualquer coisa que envolva comércio, indústria e lucro empreendedorial começou.  Esta "mentalidade anticapitalista" viria a se tornar um tema constante entre os pensadores "iluminados" ao longo da história intelectual da humanidade, desde aquela época até hoje.

O filósofo Sócrates serve de ilustração paradigmática desta oposição intelectual a qualquer coisa que envolva o lucro empreendedorial, a indústria ou o mercado.  Vale observar o tom arrogante e a falsa modéstia demonstrada por Sócrates em seu discurso de defesa perante o júri que o condenava, um discurso registrado por Platão.  Não há nenhuma dúvida de que Sócrates exerceu uma influência negativa sobre a juventude da cidade de Atenas, quem ele atraiu ao ridicularizar o trabalho de toda uma vida de seus pais, que abnegadamente dedicaram seus esforços diários e honestos às áreas do comércio, do artesanato e do mercado em geral.

Sócrates acreditava que o objetivo ideal da vida estava na busca pela "virtude", entendida como um desdém pela riqueza material e, especificamente, pelo lucro empreendedorial.  Sócrates aproveitava todas as oportunidades para ostentar a sua pobreza e idealizar as supostas virtudes do estado totalitário de Esparta, o qual, àquela época, representava ideais opostos àqueles de Atenas.  Com efeito, em seu discurso de defesa, ele ultrajou o júri ao proclamar que seus serviços prestados ao estado de Atenas eram tantos que, em vez de ser julgado, ele deveria receber uma pensão vitalícia paga por todos (na forma de alimentos financiados pela cidade, e pela duração de toda a sua vida!).

O que é ainda pior é que a estatolatria de Sócrates era tão obsessiva que o levou a confundir as leis oficiais instituídas pela cidade-estado com as leis naturais.  Ele acreditava que as pessoas deveriam obedecer a todas as leis oficiais estatuídas pelo governo, mesmo que elas fossem contra naturam. E foi assim que ele criou as fundações filosóficas para o positivismo jurídico.  Todos os tipos de tirania surgidas na história após Sócrates se basearam no positivismo jurídico.

Em suma, do ponto de vista da teoria científica dos processos de mercado, a influência de Sócrates foi definitivamente desastrosa.  Foi ele quem iniciou e promoveu a tradição anticapitalista dos intelectuais.  Ele demonstrou ter uma total falta de compreensão a respeito da ordem espontânea do mercado, a qual era exatamente a fonte da prosperidade ateniense que permitia a Sócrates e ao resto dos filósofos de sua escola o luxo de não ter de trabalhar e, consequentemente, de poder se dedicar integralmente à filosofia.  E em troca deste ambiente de relativa liberdade e prosperidade, Atenas recebia de Sócrates apenas desprezo e incompreensão.

Finalmente, vale mencionar a mais do que egocêntrica auto-imolação deste filósofo.  Ele próprio reconheceu que, dadas a sua idade e suas doenças, ele pouco poderia ter feito nos poucos anos que lhe restariam caso tivesse aceitado o exílio que seus juízes e carrascos lhe haviam oferecido de bandeja.  Assim, ele decidiu entrar para os anais da história fazendo-se de vítima de um sistema supostamente opressivo, sendo que sua morte foi na realidade um suicídio oportuno e interesseiro concebido por uma mente privilegiada e arrogante.  Com efeito, ele também procurou utilizar sua morte para dar legitimidade à veneração de um estatismo opressivo e, ao mesmo tempo, levar má reputação ao individualismo liberal-clássico.

Com um professor como Sócrates, não é surpresa alguma que Platão tenha intensificado os erros de seu mestre.  Platão forneceu uma extremamente perigosa justificativa filosófica para o mais desumano estatismo, a qual foi direta ou indiretamente absorvida por todos os tiranos que vieram a oprimir a humanidade desde então.  Platão foi a mais pura personificação do mais grave pecado intelectual que um cientista pode cometer: ter a "arrogância fatal" de se crer mais sábio e mais esperto do que seus conterrâneos e, com isso, autorizar que suas ideias sejam impostas a eles por meio da força.

Típicos de Platão eram seus ataques à propriedade privada, sua louvação à propriedade comunal, seu desprezo pela instituição da família tradicional, seu pervertido conceito de justiça, sua estatista e nominalista teoria do dinheiro e, em suma, sua exortação dos ideais do estado totalitário de Esparta.  Todas estas são características típicas do intelectual que se acredita superior e mais sábio do que todo o resto da humanidade, mas que, não obstante, é ignorante em relação a até mesmo os mais essenciais princípios da ordem espontânea do mercado, a qual torna possível a civilização.

No que mais, Platão defendia os interesses do estado contra os interesses dos indivíduos, e chegou até mesmo a ir ao extremo de tentar colocar em prática seus ideais utópicos acerca do estado.  Inevitavelmente, ele e seus discípulos fracassaram em todas as suas tentativas em Siracusa e no resto da Grécia.

Finalmente, mesmo no campo da epistemologia, as contribuições de Platão foram letais no longo prazo.  Seu suposto essencialismo gerou, sorrateiramente, a forma mais crua de historicismo positivista: na esfera social, ele tentou deduzir quais seriam as 'essências conceituais' do estudo da história, desta forma criando as bases para a filosofia histórico-positivista que tantos danos causou à humanidade ao atravancar o desenvolvimento das ciências sociais até o presente momento.

Em suma, com Platão, aquele ideal intelectual do cientista arrogante que tenta se tornar um "engenheiro social" para moldar a sociedade a seu bel-prazer ganhou aceitação.  Esta abordagem foi ainda mais reforçada pela escola do matemático Pitágoras, que acreditava que a virtude podia ser encontrada na "igualdade" e no "equilíbrio" que ele continuamente observava em suas fórmulas e em seus princípios matemáticos, os quais ele sentia que deveriam ser extrapolados para toda a sociedade.

Embora Aristóteles não tenha ido aos extremos socialistas visitados por Platão, ele também foi incapaz — e desanimadoramente — de entender em termos científicos a ordem espontânea do mercado.  Um filósofo a serviço do pior ditador de sua época (Filipe II da Macedônia, que colocou um fim à sutil rede de cidades-estados independentes que formavam o antigo mundo grego), Aristóteles foi o tutor particular do tirano e temerário déspota Alexandre, o Grande — filho de Filipe II.  Não é surpresa nenhuma que Aristóteles não tenha conseguido escapar do mesmo pecado da arrogância intelectual que havia acometido Sócrates e, especialmente, Platão: Aristóteles também sentia nostalgia pelo estatismo de Esparta e por tudo que o totalitarismo daquela cidade-estado representava.

É verdade que ele não foi aos extremos de Platão, que ele defendia a propriedade privada e que ele até mesmo havia intuído a teoria do valor subjetivo ao fazer sua distinção entre o "valor de uso" e o "valor de troca" — ou o preço das coisas.  No entanto, ele condenava a usura e jamais entendeu a crucial importância dos juros como sendo um preço de mercado que coordena o comportamento dos consumidores, dos poupadores e dos investidores.  Sua teoria sobre a justiça é extremamente confusa, pois faz uma distinção entre duas formas, a justiça "distributiva" e a justiça "comutativa", as quais têm pouco ou nada a ver com a adaptação do comportamento humano aos princípios gerais morais e legais.  Dado que elas se baseiam em pretensas equivalências, estas duas formas de justiça imaginadas por Aristóteles serviram apenas para confundir o pensamento humano acerca de um tópico extremamente importante, confusão essa que perdura até os dias atuais.

No que mais, uma ilustração quase que perfeita de sua incapacidade de compreender a ordem espontânea e evolucionária do mercado pode ser encontrada em sua convicção de que uma pólis com mais de 100.000 habitantes jamais poderia sobreviver, pois seu governo seria incapaz de organizá-la.  Aristóteles via a pólis unicamente como um órgão auto-suficiente organizado desde cima (autarkia), e não como uma manifestação histórica do processo espontâneo de cooperação social conduzido por seres humanos de carne e osso dotados de uma inata capacidade empreendedorial.  Finalmente, Aristóteles seguiu a tradição socrática de menosprezar o trabalho e o lucro empreendedorial, os quais, de maneira descentralizada e anônima, sustentavam o avançado estágio de civilização que era exatamente o que permitia que ele e o resto dos filósofos sobrevivessem.

Aristóteles também foi incapaz de explicar os motivos por que existiam as trocas comerciais.  Ele erroneamente concluiu que, quando elas ocorrem, é porque há uma "reciprocidade proporcional" (uma ideia errada que Marx viria a utilizar mais tarde para formar as bases da falsa teoria do valor-trabalho e de seu corolário, a teoria marxista de exploração).  Aristóteles desconfiava da riqueza (ploutos), era expressamente crítico quanto ao lucro empreendedorial[3], e desprezava e repudiava completamente os comerciantes.[4]  Ele também condenava os juros (tokos), os quais ele considerava ser uma injustificada geração de dinheiro por meio do próprio dinheiro.

Adicionalmente, sua incapacidade de compreender o surgimento espontâneo das instituições o levou a afirmar que o dinheiro era uma deliberada invenção humana — e não, como é o fato, o resultado de um processo evolucionário.  Aristóteles também não conseguiu entender por que a demanda por dinheiro nunca é ilimitada.  Particularmente, quando levamos em conta o brilhantismo intelectual de Aristóteles, todos estes erros que ele cometeu contrastam acentuadamente com suas grandes contribuições para as outras ciências, especialmente para o campo da epistemologia.

É verdade que Aristóteles compartilhou os erros cometidos por Sócrates e Platão, uma vez que ele não entendeu o direito consuetudinário, nem o mercado, e nem o resto das instituições sociais como sendo ordens espontâneas.  Tampouco foi ele capaz de distinguir entre sociedade civil e estado (uma distinção que os Estóicos Romanos entenderiam perfeitamente dois séculos depois).  Ainda assim, no campo da epistemologia, suas contribuições foram grandiosas.  Sua distinção entre potencialidade e realidade (a enteléquia) viria a ser aplicada séculos depois para explicar a evolução da natureza humana.  Seu conceito de essências formais e suas concretizações especificamente materiais viria a servir de base para a distinção epistemológica entre teoria e história, permitindo sua adequada incorporação.

Mais perto do campo da ciência econômica, temos de reconhecer a introdução aristotélica ao conceito subjetivo de valor, especificamente sua distinção entre o conceito de valor de uso (subjetivo) e o conceito de valor de troca (o preço de mercado em unidades monetárias).  Isso, até certo ponto, forneceu as bases para o elo entre o mundo interior e subjetivo das valorações e o mundo exterior e objetivo dos cálculos numéricos, que é o que torna possível o cálculo econômico. 

Finalmente, em contraste ao estatismo socialista de Sócrates, e particularmente ao de Platão, Aristóteles construiu uma defesa racional da propriedade privada, uma defesa que, embora tépida e incompleta, viria a constituir, durante muitos séculos, a mais bem conhecida base filosófica para a propriedade privada.

Por último, é muito interessante observar que, durante a mesma era em que o pensamento clássico grego estava sendo forjado (do século VI ao século IV a.C.), a China antiga vivenciou o surgimento de três grandes correntes de pensamento: a dos chamados "legalistas" (que defendiam o estado centralizado), a dos confucionistas (que o toleravam) e a dos taoístas, que possuía inclinações bastante liberais e que é de extremo interesse para os historiadores do pensamento econômico.  Veja mais detalhes neste artigo.

Em profundo contraste às visões dos filósofos gregos e àquelas do resto dos intelectuais ocidentais até os dias de hoje, os taoístas chineses sempre defenderam a liberdade individual e o laissez-faire ao mesmo tempo em que atacavam o uso sistemático e coercivo da violência estatal.  No que tange à liberdade, os chineses foram muito mais importantes do que os gregos.



[1] Dentre elas o Partenon, que foi construído utilizando recursos que haviam sido penosamente acumulados por diferentes pólis para fins defensivos.

[2] Aqui, "liberal-clássico" significa a filosofia da liberdade como os liberais clássicos a entenderiam.

[3] Política, Livro 7.

[4] Política, Livros 3 e 4.



autor

Jesús Huerta de Soto
, professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor de A Escola Austríaca: Mercado e Criatividade Empresarial, Socialismo, cálculo econômico e função empresarial e da monumental obra Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos.


  • Acacio  25/09/2012 09:06
    Texto muito bom.

    É como uma bola de neve, começa pequena e vai aumentando seu tamanho conforme vai rolando...até chegar no ponto que estamos hoje.
    Eu nunca gostei de Sócrates, agora tenho um ótimo motivo para desgostar mais ainda! hahaha
  • PESCADOR  25/09/2012 09:59
    Gostei do artigo. Fiquei muito interessado em ler mais sobre o taoísmo na China antiga. Com relação a Sócrates e Platão, só contribuíram com idéias ruins para a civilização.
  • anônimo  25/09/2012 10:55
    Pescador, você clicou no artigo sobre o taoísmo, né?

    www.mises.org.br/Article.aspx?id=673
  • PESCADOR  26/09/2012 07:26
    Cliquei sim, gostei do artigo também, mas fiquei curioso em saber mais.
  • pensador barato  25/09/2012 11:19
    Os filósofos gregos são uma herança da humanidade nada desprezível não é porque ele sejam estatista que irei despreza-los, sou libertário mas não sou fanático,moderação moçada,sempre.
  • Cristiano  25/09/2012 14:23
    Austriacos são bons em economia e EXCELENTES em história!
  • Antonio Galdiano  26/09/2012 04:28
    Esse título me fez pensar em filosofia. Alguma boa alma pode indicar algum livro de história da filosofia livre da perspectiva marxista/keynesianista/intervencionista? E de história nos mesmos termos?
  • Artur  26/09/2012 06:52
    Recentemente estive buscando exatamente pela mesma indicação. Também estou no aguardo.
  • Jose Roberto Baschiera Junior  27/09/2012 04:24
    Não li esse livro ainda, mas acredito que sirva:
    Guia Politicamente Incorreto da Filosofia - Luiz Felipe Pondé

    Estou recomendando um livro, sem ter lido antes.
  • Camarada Friedman  26/09/2012 12:58
    Alguma chance de aparecer aquele livro de história da economia do Rothbard no Brasil ... em português ?

    O pouco que eu li sobre o período grego naquele livro me lembrou muito esse artigo.
  • Patrick de Lima Lopes  26/09/2012 14:22
    Excelente artigo, em especial o parágrafo:

    "Típicos de Platão eram seus ataques à propriedade privada, sua louvação à propriedade comunal, seu desprezo pela instituição da família tradicional, seu pervertido conceito de justiça, sua estatista e nominalista teoria do dinheiro e, em suma, sua exortação dos ideais do estado totalitário de Esparta. Todas estas são características típicas do intelectual que se acredita superior e mais sábio do que todo o resto da humanidade, mas que, não obstante, é ignorante em relação a até mesmo os mais essenciais princípios da ordem espontânea do mercado, a qual torna possível a civilização."

    Semanalmente sempre encontro um indivíduo comentando em algum post do Instituto a respeito sobre como sua engenharia social supostamente baseada em conceitos científicos de saúde é a única arma capaz de gerenciar a sociedade. Replico com uma refutação de 40 linhas e hoje, após ler tal parágrafo, sinto que joguei palavras fora quando poderia ter simplesmente utilizado um trecho do Huerta.

    Dedico esse texto ao meu "Eu" de anos atrás e a todos os arrogantes que inflamam o pensamento da juventude com a perversa retórica de que o homem não é capaz de cuidar de si mesmo.
  • Marc...  27/09/2012 06:55
    Alguém poderia me explicar melhor esse trecho "... a demanda por dinheiro nunca é ilimitada." ?
  • Leandro  27/09/2012 07:02
    Demanda por dinheiro é a disposição das pessoas em manter saldos líquidos; é a ânsia em adquirir dinheiro e retê-lo em sua posse. Se a demanda por dinheiro for ilimitada, todo o dinheiro que você adquirir jamais será gasto -- nem mesmo com alimentação.

    Ou seja, quem tem demanda ilimitada por dinheiro irá morrer de fome.
  • Gilmar Rodrigues  03/10/2012 15:06
    O Estado na sociedade grega era uma extensão natural do poder dos pais e dos chefes tribais, obviamente aristocratas, a força de apoio ao Estado era primeiramente a aristocracia rural, mas depois os grandes comerciantes passaram a apoiar e se beneficiar desses arranjos, porém nesse período de intensa supremacia aristocrática a religião primitiva indo-européia era muito importante, criar leis e restringir certas liberdades eram difícil.

    O que ocorre é que logo depois o povo e os pequenos comerciantes apoiam os tiranos para aumentar os poderes estatais para contrapor a aristocracia, os antigos gregos não tinham nada de liberais, muito menos os comerciantes, eles apenas diferiam entre apoiar a ordem reacionária ou "democrática", algo parecido com o que a Europa viria a vivenciar na Idade Moderna, um fato que evidencia que a história não é uma linha em progresso.

    O texto é muito feliz em fazer paralelos com o liberalismo clássico, pois na Grécia nunca se chegou perto de viver sem Estado.
  • Giulianno  06/11/2012 16:51
    Não foi por falta de sabedoria que os pensadores gregos não anteciparam a maravilhosa visão austríaca da economia, não. Os gregos, inclusive atenienses, eram homens guerreiros. E homens guerreiros - e não apenas guerreiros - flertam com a ideia de que a justiça está na força e não numa suposta igualdade de direitos ("direitos iguais" é uma contradição de termos, mas deixa prá lá, já estamos acostumados com tantas contradições...). Não que os pensadores políticos não tivessem tempo (o que os antigos mais tinham era tempo) para "pensar" a economia de livre mercado.

    Realmente, a economia de livre mercado é muito óbvia, óbvia e muito salutar para seres racionais. Sobretudo se por "racionais" entendemos também seres que "racionam", seres interessados em preservarem-se, sem riscos. Não era o caso dos gregos. O valor principal daqueles homens era a glória. Não se pode ignorar esse fato e subestimar os gregos. Glória! Algo da qual dirão "besteira", "idiotice" "etc", simplesmente porque essa palavra não tem mais nenhum sentido para nós, de uma época tão mansa.

    É um absurdo e um ridículo pensar em Aristóteles chegando em Alexandre, dar um tapinha no ombro dele e dizer "larga mão, Alexandre, deixa de procurar briga, meu belo rapaz, continua seus estudos de música, vai ser muito melhor para todo mundo!"

    É querer ignorar os fatos psicológicos derivados dos fisiológicos e ambientais de forma infantil. O homem vivia na natureza, não em apartamentinhos confortáveis e seguros. Ele convivia diariamente com a morte, raros passavam dos 40 anos.

    Por fim, para os pensadores antigos (e outros nem tão antigos assim), questões relativas a comércio sempre foram questões vulgares, não nobres, e os gregos sempre foram pensadores seletivos.

    Quando a economia austríaca tiver dominado o mundo - é uma possibilidade -, não serão estátuas de von Mises que serão desejadas e esculpidas, mas ainda as de Alexandre e Davi, porque o homem sempre vai cultuar o guerreiro. Está no seu sangue, mesmo que esse sangue esteja tão diluído como o do homem pacífico.


  • Uate  27/08/2016 06:41
    Nao entendo muito de economia, pouco ainda de elaborar textos maravilhados com muita organizacao e conhecimento. Mesmo assim, o pouco que consegui reter do seu comentario criou-me vontade e desejo de concordar alem de simplismente estar a favor das duras criticas que se dirigiram aos pensadores da grecia antiga quanto a sua pobre doutrina economica
  • anônimo  26/12/2012 21:19
    Da perspectiva do nosso tema, a principal característica compartilhada por Sócrates, Platão e Aristóteles — os três maiores filósofos da Grécia antiga — era sua incapacidade de compreender a natureza do próspero e vigoroso processo mercantil e comercial que estava ocorrendo entre as diferentes cidades ou pólis (tanto na própria Grécia quanto na Ásia Menor e no resto do Mediterrâneo). Quando falavam sobre a economia, estes filósofos se baseavam em seus instintos, e não na observação e na razão. Eles escarneciam o trabalho dos artífices e comerciantes, e menosprezavam a importância de seus disciplinados esforços diários.

    Por conseguinte, foi por meio destes filósofos que a tradicional oposição dos intelectuais a qualquer coisa que envolva comércio, indústria e lucro empreendedorial começou. Esta "mentalidade anticapitalista" viria a se tornar um tema constante entre os pensadores "iluminados" ao longo da história intelectual da humanidade, desde aquela época até hoje.


    - Este pensamento é muito perigoso. Cuidado pra não transformar estes três filósofos gregos em comunistas, como fazem os livros escolares, só porque eles viam com desconfiança as relações comerciais da época, corruptas até o talo. Naquela fase histórica se respirava corrupção em Atenas.
  • Igor Stravinsky  27/07/2015 07:34
    Concordo com o comentário acima.
    A análise é boa, mas recai no grave erro do anacronismo. Diminuir a importância das reflexões formuladas por Sócrates, Platão e Aristóteles por eles apresentarem em suas obras uma perspectiva mais "estatizante" do que "liberal" é como querer empurrar forçosamente os grãos de areia para a parte de cima da ampulheta. Como diria uma antiga inscrição: "Cuidai para que os fatos sejam fatos, antes que eles sejam forjados".
  • Alfredo  13/05/2016 21:42
    O AUTOR DO TEXTO DESCONSIDERA O TEMPO DOS FILOSOFOS E COMETE ERRO AO TRATAR COM INJUSTICA TANTO PLATAO COMO SOCRATES. JÁ QUE SE CONDENa tais filósofos, deve-se também condenar tudo que veio após, como Cristo, Roma, o feudalismo etc . Quem faz uma análise histórica não pode querer trazer os fatos de ontem para os dias atuais, como que a história ocorresse hoje. Veja que paciência econômica só conseguiu se desenvolver de 500 anos pra cá, a própria igreja condenava muitas práticas comerciais.
  • vladimir  05/11/2016 19:01
    karo kamarada
    Leia a REPÚBLICA DE PLATÃO que ele explica melhor o assunto.
  • Eu  05/11/2016 23:17
    Pra começar, ele não "condenou" ninguém, apenas criticou alguns aspectos.

    Tu misturou eles, Cristo, dai meteu o feudalismo, a Igreja. Afinal, tu está "defendendo" pessoas ou instituições ou o quê? E cadê os teus argumentos contrários ao que o autor disse? Vai ficar só no "TRATAR COM INJUSTICA TANTO PLATAO COMO SOCRATES"?

    É impressionante o baixo nível (no sentido de falta de argumentação) dos comentários de um tempo pra cá. São do tipo assim "ah, um pedaço do texto tem algo que não gostei, então vou responder com palavras de efeito, com expressões apelativas".

  • Welington Pinheiro  28/03/2018 06:46
    Eu percebo que o principal objetivo desse texto é tentar traçar uma genealogia do estatismo. O esforço é louvável, mas eu gostaria de contribuir para a discussão com algumas críticas. Há muito etnocentrismo nesse artigo. Na prática, o objeto do autor foi o tempo todo o neoliberalismo. Ele projetou num passado remoto, categorias que não fazem sentido naquela ordem social. Ora, isto é uma distorção da história baseada num equívoco intelectual. Cada tempo é uma ordem social em si, única, que será melhor compreendida se pensada com categorias construídas para aquela realidade em questão. Há muitos historiadores que discutem essas questões teóricas. E não estou falando de marxistas não. Isto são discussões teóricas endossadas por historiadores de todas as correntes. Curiosamente, os marxistas são os que mais cometem anacronismos e etnocentrismos como os desse texto, ao desejarem ver categorias criadas para pensar a sociedade capitalista - luta de classes e primazia do econômico - em outras sociedades, acabando por gerar uma abordagem muito tendenciosa.

    O objeto que o autor do artigo recortou é muito interessante: traçar essa genealogia da crença de que a economia precisa ser dirigida pelo Estado. Mas do modo como fez, acabou parecendo uma análise marxista, só que defendendo o livre mercado.

    Por fim, o texto tem um viés ideológico forte, o que na minha opinião o enfraquece, à medida que embota a visão do analista, impedindo-o de ir além daquilo a que deseja criticar, a saber, um conservadorismo estatizante. Há uma preocupação forte em criticar as linhas gerais da historiografia que, segundo o autor, teria assumido um juízo de valor negativo quanto ao livre mercado. No entanto, justamente devido ao anacronismo, o autor do artigo ignorou o fato de que muitos tiranos foram apoiados pelos comerciantes em sua luta contra a aristocracia tradicionalista dos oikos gregos. Também não foi levado em consideração que a unidade política gerada por Alexandre Magno gerou um mundo de intensas trocas comerciais e culturais que muito favoreceu a construção de grandes riquezas através do comércio não só na Grécia como em muitas outras civilizações do mundo Mediterrâneo, tendo sido chamada por alguns historiadores como a primeira "globalização" da história econômica. Estado e comércio na antiguidade eram termos postos de outra maneira, diversa da de hoje. E somente considerando isto, podemos entender melhor sobre o que tanto os sofistas como os socráticos estavam falando e a que realidades estavam se reportando.

    Mas gostaria de parabenizar o autor do artigo pela empreitada corajosa de fazer essa genealogia. Com certeza quero ler outros artigos do mesmo.
  • xenon  27/04/2018 17:40
    boa tarde!

    Pergunta: porque a civilização grego-helenistica apesar de vastos e avançados conhecimentos de matemática, física, mecânica, medicina, engenharia etc. nunca tiveram uma revolução industrial, apesar de terem condições técnicas e materiais para isso?
  • Ex-microempresario  23/04/2020 20:36
    Provavelmente a maior diferença entre a Grécia dos tempos antigos e a Europa dos séculos 18-19 foi a descoberta do carvão como fonte de energia.

    Antes disso, toda a engenharia estava limitada à energia humana ou animal (e um pouquinho de eólica nos moinhos).
  • Luan Morosini  09/04/2020 14:47
    Achei a iniciativa do texto interessante, mas a exposição ficou fraca demais. Pareceu muito prepotente a forma como os três grandes pensadores gregos foram tratados no texto; não houve citação de trechos das obras de Platão e Aristóteles e eu duvido muito que o autor tenha lido também os textos dos grandes estudiosos da obra platônica: Eric Voegelin, Paul Friedländer, Geovani Reali e outros por aí. Parece mais que a visão da obra de Platão foi totalmente retirada da obra A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, de Karl Popper, já demonstrado o equívoco de Popper nas suas análises dos textos que restaram da obra de Platão, sobretudo d'A República.
    Não há citações, apenas a menção de uma obra de Platão numa nota ao fim do texto; há apenas afirmações de que os filósofos gregos pensavam isso, diziam aquilo, eram contra isso, a favor daquilo. Há também a compreensão equivocada de um tempo muito diferente do nosso, segundo critérios e chaves de análise que cabem à nossa época, não a deles.
    O que concordo é com o fato de que toda a sociedade sempre foi e será sustentada pela ação humana, que quanto mais livre, melhor. Mercado, Estado, sociedade civil, ação humana, comércio, guerra, intelectualidade, enfim, todas essas coisas são expressões espontâneas e parte do desenvolvimento da humanidade. São separadas pelos analistas para o estudo, não estão separadas na realidade.
  • Sebastian  15/06/2020 21:06
    Parabéns pela ideia e iniciativa em trazer o pensamento grego talvez a melhor fonte para se pensar em mentalidade e desenvolvimento ainda hoje.

    A Grécia clássica era formada por centenas de cidades-Estado com as mais diversas formas de arranjos socioeconômicos. Centenas de milhares de pensadores, inclusive na área econômica. Os gregos fundaram o melhor meio de administração possível, a DEMOCRACIA, que embora não seja perfeita, como querem os neuróticos, pode funcionar muito bem desde que a sociedade evolua em pensamento (ideal grego) e item primordial no pensamento grego (Vide PAIDEIA). Em outras palavras, se o pensamento humano evoluir, terá uma melhor democracia ou uma melhor monarquia, etc. Isso é filosofia, um grande legado grego que possibilita ainda hoje a movimentarmos os pensamentos.


    Outrossim, para se ter outra dimensão deste legado, acredita-se que haviam cerca de 700 mil volumes de conhecimento desenvolvido, preponderantemente grego, na BIBLIOTECA DE ALEXANDRIA. Boa parte da qual foi roubada, saqueada, absorvida por outras culturas, e por fim queimada. Parte desse conhecimento, pôde ser absorvido por outros povos (árabes, por ex) que puderam aproveitar e desenvolver, inclusive na área náutica (astrolábio, que hoje há fortes indícios de ter sido uma cópia simples da máquina de anticítera), grande responsável pelos distúrbios de crescimento nos sec. XIV/XV d.c.. Os judeus, famosos por sua grande capacidade em lidar com a economia, utilizaram a fonte pitagórica e criaram a Kabbalah segundo diversos dos mais renomados autores – prova do prestígio daquele povo que foram absorvidos. Há muitas outras coisas entre o ctrl "c" e o ctrl "v" do que imagina a vã filosofia. Temos também, o mecanismo de Anticítera (Arquimedes?) o primeiro computador da história, feito no séc. II a.c. Mas por aqui, paro de citar...

    Boa parte do mundo se desenvolveu a partir do conhecimento dos comerciantes/navegantes gregos. Por exemplo, a cidade de Marselha na atual França, foi fundada por gregos que ali introduziram a cultura do vinho e da oliveira. Veja o que a França ainda sustenta desta herança?

    O espírito empreendedor sempre esteve nos mares do egeu com bandeiras gregas.

    Outros povos, inclusive na mesma época, infelizmente, não pensaram nem em filosofia, nem em economia, salvo os grandes sábios de Bharata (Índia). Recomendo a leitura!

    Sobre essa tendência de tentar negar ou minimizar a cultura grega, chamada de ANTI-HELENISMO, anti-filosofismo, já há autores sinalizando o quanto esse movimento está crescendo e inserido mais nos meios eletrônicos do que de fato nas cadeiras acadêmicas, sobretudo as do primeiro mundo. Talvez por isso vejamos uma profusão de ctrl "c" ctrl "v" de textos em sites e nas mais diversas fontes de informação privada financiadas por fontes duvidosas. Há que se tomar o cuidado científico antes de emitir opinião enviesada pois a vaidade sem a legitimidade científica não é interessante.

    Vale lembrar que o termo Economia (cunhado por Xenofonte) surgiu na Grécia juntamente com outros milhões de conceitos, que de tão fundamentais dão base para cerca de 38% do léxico anglo-germânico/inglês ainda na atualidade (sem contar as outras culturas que utilizam verbetes de origem grega), juntamente com uma miríade de conceitos do pensamento humano sem os quais hoje boa parte do mundo talvez estivesse atravessando o mar vermelho em cipós e não falando de Ordoliberalismo, TMM, etc.

    Meu espírito está engraçadinho hoje. Infelizmente, quando se analisa a escalada da evolução humana apenas em seus aspectos extrínsecos, ou seja, através da sua capacidade de gerar recursos externos (capital), falha-se no sentido mais básico do aspecto civilizatório, qual seja, falha-se intelectualmente na capacidade de gerar civilidade, direitos, compartilhamentos, inclusões, ordem, etc,. movimentos estes que possibilitam e movem as pessoas a níveis de consumo maiores.

    Explico, um ser humano em seu egoísmo só pode evoluir, se o outro (a sociedade) tem as condições regulatórias, direitos e distribuição assegurados, ainda que de maneira parcial. É como uma criança, ela precisa dos pais até os 8 anos mais ou menos, pois do contrário, a natureza se encarregaria de se servir dela no jantar... O Interesse de alguns homens pode esbarrar na vida alheia, não há equilíbrio quando um psicopata quer o seu próprio bem... Daí, porque falar em economia (não desta instrumental que um boy de colete na Faria Lima faz para agradar o chefe) envolve ates de tudo pensar o ser humano e a sua posição no mundo em sociedade.

    Talvez em algum momento a neurose de se buscar uma única fonte de explicação (um "deus único", deslocadamente chamada de "liberdade total") caia por terra quando o ser humano for capaz de abdicar de sua fantasia de achar ter o direito sobre qualquer coisa/pessoa em prol da evolução da sociedade.

    Daí que a solução grega ser praticamente eterna: sem esse estofo pragmático, teórico e filosófico grego, estaríamos apenas nos amealhando em guerras absurdas para conquistar petróleo, US$, ou vendendo produtos xing ling como primatas nocivos à natureza humana e ambiental, etc.
    O pensamento grego é libertário, talvez a única forma de ser plenamente livre pois nele você consegue questionar tudo, e incluir na função até mesmo esse texto.

    De qualquer forma, parabéns pela iniciativa e espaço!
    Att
  • Ex-microempresario  21/12/2021 14:56
    Quanta empolação e trololó para defender exatamente aquilo que o artigo condena: o pensamento coletivista de dependência ao estado.

    A maioria dos parágrafos é tão oca que fica até difícil achar uma citação, mas lá pela metade o "engraçadinho" (palavras dele) desnuda suas intenções através do vocabulário:

    "falha-se intelectualmente na capacidade de gerar civilidade, direitos, compartilhamentos, inclusões, ordem, etc,"

    "Gerar" direitos? "Gerar" inclusões? Este "gerar" é apenas um disfarce para oficializar e impôr o esbulho e o assalto estatal.

    "movimentos estes que possibilitam e movem as pessoas a níveis de consumo maiores."

    Ou seja, vamos esquecer da criação da riqueza, que vêm do trabalho, e vamos pensar apenas em consumir aquilo que foi tomado à força de quem produziu e "redistribuído". Platão era keynesiano?

    "um ser humano em seu egoísmo só pode evoluir, se o outro (a sociedade) tem as condições regulatórias, direitos e distribuição assegurados, ainda que de maneira parcial."

    Ou seja, o ser humano "egoista" precisa ter os frutos de seu trabalho "regulados", "confiscados" e "distribuídos", e quem produz precisa carregar nas costas os que optam por não produzir.

    "É como uma criança...

    Exatamente, essa caterva acha que os seres humanos devem ser mantidos infantilizados, incapazes de pensar por si mesmos, dependentes e obedientes ao "papai" estado.

    "Afinal, os gregos fundaram o melhor meio de administração possível, a DEMOCRACIA"

    Democracia essa que consistia em entregar o poder a uma elite de ricos do sexo masculino, enquanto servos, operários e soldados trabalhavam para manter o arranjo e mulheres eram consideradas máquinas de produzir filhos.
  • Dempsey Ramos  12/09/2020 05:41
    Prezados Senhores,

    Acabei de ler atentamente o artigo acima, escrito por Jesús Huerta de Soto, porém há uma série de graves acusações que ele faz contra Platão, totalmente equivocadas.

    Apresento abaixo alguns trechos da obra de Platão – "A República" (com indicações de números e letras), para que qualquer pessoa possa ler esses trechos no original e conferir o que Platão, "na verdade", falou.

    Há três equívocos mais visíveis no artigo:

    1) "Platão forneceu uma extremamente perigosa justificativa filosófica para o mais desumano estatismo"

    2) "com Platão, aquele ideal intelectual do cientista arrogante que tenta se tornar um 'engenheiro social' para moldar a sociedade a seu bel-prazer ganhou aceitação"

    3) "Platão defendia os interesses do estado contra os interesses dos indivíduos"

    Nada mais equivocado do que isso. A obra de Platão (no original) diz exatamente o oposto disso.

    Platão elencou todos os principais elementos que compõem, hoje, a teoria econômica austríaca, de modo que ele pode ser considerado o "pai fundador da Escola Austríaca" (a qual poderia perfeitamente ser renomeada para "Escola Grega de Economia"), na medida em que Platão defendeu:

    - o livre mercado (inclusive nas trocas externas – importação/exportação);
    - o comércio livre conforme a lei da oferta e da procura;
    - a limitação e o controle do Estado;
    - a livre determinação das regras de direito contratual, direito processual, direito tributário, e direito econômico por parte dos próprios indivíduos, considerados à partida pessoas honestas e de bem;
    - o surgimento espontâneo da moeda;
    - especialização do trabalho como fator de maior eficiência econômica.

    Abaixo seguem trechos da obra de Platão (com títulos e parênteses meus) que desmentem as acusações:

    Título: COMÉRCIO EXTERNO

    "É praticamente impossível fundar uma Cidade numa região onde não necessitasse de importar nada" (370, e). […] Será necessário haver trocas entre as cidades, portanto, "é preciso que a Cidade não só produza em si o suficiente, mas também produtos cuja qualidade e quantidade vão de encontro às necessidades (demanda) dos que deles têm falta" (371, a).

    Nesse trecho, Platão demonstra conhecimentos sobre empreendedorismo, na medida em que reconhece o acerto da decisão de investir e produzir apenas aquilo que vai satisfazer uma "demanda" real e muito concreta. Antes que alguém queira dizer que isso é uma "engenharia social" platônica, vejam o que Platão diz sobre a livre organização econômica:

    Título: LIVRE MERCADO e MOEDA (fundados na livre oferta e procura)

    "Entre os lavradores (ou qualquer outro artesão) e os compradores, há os intermediários (comerciantes) que auxiliam o processo de trocas. Pois se ambos os lados não se encontrarem simultaneamente na praça de mercado, será em vão o seu esforço. É essa necessidade de unir os dois lados, "na medida da oferta e da procura", que faz surgir os retalhistas e "a moeda". São os vendedores retalhistas (que atuam em uma cidade) e os mercadores (que andam de cidade em cidade), os responsáveis por dinamizar a produção e o consumo. Há ainda os assalariados, servidores que vendem o uso de sua força física, pois ela é apropriada para trabalhos pesados." (371, c-e)

    Título: LIBERDADE DE CRENÇA

    Uma cidade "assim bem organizada" (com base na livre decisão dos indivíduos) será formada por todas essas pessoas, que produzirão alimento, roupas e habitações. Com "justiça nas transações" (trocas livres e espontâneas), todos poderão se beneficiar do que foi produzido, cantando "hinos aos deuses" (liberdade de crença). (372, c)

    Título: ESPECIALIZAÇÃO DO TRABALHO

    A especialização é "medida de justiça" (no sentido de ordem livre e espontânea), pois se os carpinteiros, os negociantes e os guerreiros abandonarem aquilo que sabem fazer, para tentarem fazer ou interferir uns nas atividades dos outros, isso será "a ruína da Cidade" (434, a).

    "Mas, de modo inverso, digamos que quando a classe dos negociantes, auxiliares e guardiões se restringirem às suas atribuições, executando cada uma delas na Cidade a tarefa que lhe compete, sendo o contrário do que há pouco dizíamos, "isso seria a justiça e tornaria a Cidade justa." (no sentido de maior eficiência econômica) (434, c)

    "Esse princípio de cada um se ocupar dos seus assuntos, entendido de certo modo, pode muito bem ser a justiça." (433, b).

    Título: LIMITAÇÃO AO GOVERNO

    Os governantes, se acaso forem dignos desse nome, estarão dispostos de dar as suas ordens, "obedecendo eles mesmos às leis" (458, c)

    Título: ORDEM JURÍDICA ESPONTÂNEA

    Primeiro, Platão faz a pergunta:

    "Essas questões de negócios, como os contratos que as partes fazem entre si na ágora e, se quiseres, os contratos de mão-de-obra, as ofensas e tratamentos injuriosos, a instauração de processos, a constituição da lista de jurados, o pagamento e a exação de quaisquer impostos que possam ser necessários nos mercados ou nos portos e, em geral, as práticas relativas à regulamentação do mercado, da Cidade, do porto e demais coisas dessa espécie – são questões sobre as quais nos aventuraremos a propor qualquer legislação?"

    Depois, ele mesmo responde (de um modo bem greco-austríaco):

    "Não vale a pena ditar preceitos a homens de bem, porque eles com facilidade descobrirão a maior parte das leis que é preciso formular em tais casos." (425, d-e)

    Em outras palavras, Platão proclama em alto e bom tom, de forma retumbante, as bases da Escola Econômica denominada, hoje, "Austríaca", mas que muito bem poderia ser reatualizada para ter o título de "Escola Grega de Economia".

    O que impede isso de ocorrer é que, muitas vezes, os autores contemporâneos, como Jesús Huerta de Soto, fazem leituras de textos antigos com uma "régua moral" contemporânea, isto é, com um olhar de julgamento e condenação, repleto de preconceitos e acusações equivocadas.

    Olhar para um passado tão distante como a Grécia Antiga (2.500 anos nos separam deles) não deve ser uma tarefa atribuída a "juízes" do hoje (prontos para julgar e condenar o ontem).

    Porque ao fazerem isso, os "juízes" do hoje (como Huerta de Soto) esquecem-se que no passado o sentido da palavra "lei" era muito diferente do atual. Na Grécia antiga, especificamente na obra de Platão, "lei" significava também "virtude", "educação", "moral", "respeito aos antepassados", "respeito aos mais velhos", "respeito dos filhos em relação aos pais", "preservação do núcleo familiar", "gratidão por quem te trouxe ao mundo e te criou".

    De fato, Platão também fez outras afirmações que, aos olhos de um "juiz" do hoje, pareceriam tirânicas, estatistas ou opressoras contra o indivíduo. Porém, nessa parte, Platão tratou apenas de moral, e não de direito (uma norma de força a ser imposta a todos).

    O problema aqui é que quem "julga" o passado, a partir dos seus preconceitos presentes, inverte o sentido da roda do tempo. Fatos devem ser julgados apenas com base em valores anteriores a eles (sempre).

    Caso contrário, podemos hoje ser perfeitamente considerados o povo mais "cruel" e "primitivo" da história humana, por "ainda" precisarmos trabalhar (se formos julgados por humanos de 5.000 anos no futuro, onde as máquinas farão "absolutamente" todo o trabalho existente).

    Julgamentos morais, como Huerta Soto fez contra Platão (acusando-o de cientista "arrogante"; "arrogância" intelectual; contribuições "letais"; "perigoso"; etc.) sempre pecam por aquilo que ele próprio – Huerta Soto – acusa Platão: a arrogância.

    Pois, ao pretender que sua visão preconceituosa "presente" seja imposta ao passado, Huerta de Soto adota uma espécie de "ditadura do presente" contra o passado, contra os mortos, contra aqueles sem voz e contra aqueles que já não podem mais se defender (o que torna o ato mais arrogante e anacrônico ainda).


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