Duas
das palavras mais amaldiçoadas pelos socialistas e comunistas são: lucro e empresário. Essa gente, entre os quais muitos professores de
História, cujos conhecimentos de economia são nulos, repetem como papagaios que
os que ganham lucros são ladrões, exploradores do povo, tubarões e outras
bobagens desse gênero; da mesma forma identificam os empresários, pois, afinal,
são eles que ganham lucros...
Pois saiba você que a pessoa que inventou o
computador pessoal e as que o aperfeiçoaram, assim como as que desenvolveram a
Internet, ganharam muitos milhões de lucros por suas invenções e que, se não
fossem esses "ladrões e exploradores", você e muitos milhões de pessoas no
mundo inteiro não teriam acesso a muitas facilidades que tornaram a sua vida
muito mais interessante do que na época em que não existiam computadores
pessoais e nem Internet! Então, sempre
que alguém xingar gratuitamente os empresários ou falar mal dos lucros, pense
nisso e dê esse exemplo. Garanto que essa pessoa ficará desconcertada e não
terá argumentos para rebater a verdade que você lhe disse.
Os lucros representam a remuneração dos
empreendedores, que são aqueles empresários que, por meio de sua ação nos
mercados, criam novas informações e as transmitem, coordenam as ações dos
agentes econômicos, e descobrem oportunidades de lucros. Os verdadeiros
empreendedores precisam estar em permanente estado de alerta, de vigilância e
de atenção.
Entenda o que significa dizer que os
empreendedores "coordenam as ações dos agentes": quando eles descobrem que
podem comprar barato certo recurso para revender esse recurso a um preço maior,
eles fazem com que o comportamento que era descoordenado dos donos desse
recurso passe a ser coordenado com o comportamento de quem precisa desse
recurso. Ao fazer isso, eles estão empreendendo.
Quanto mais forte for a atividade dos
empreendedores, maiores serão as novas descobertas de meios e fins, a
criatividade e a coordenação e, portanto, mais dinâmica e eficiente será a
economia.
Intervencionismo e empreendedorismo são estados
contraditórios. Não admitem meios termos, da mesma forma que não há meio termo
entre chover e não chover: ou está chovendo ou então não está; ou
há empreendedorismo ou intervencionismo. Infelizmente, poucos percebem isso e a
imensa maioria das pessoas, incluindo muitos empresários, crê que
intervencionismo e empreendedorismo podem conviver na geração do
progresso. O empreendedorismo brota do espírito criativo dos indivíduos,
que os leva a assumir riscos para criar mais riqueza. Para que possa florescer,
depende de quatro atributos: governo limitado, respeito aos direitos de
propriedade, leis boas e estáveis e economia de mercado. Quanto mais uma
sociedade afastar-se desses pressupostos, mais sufocada ficará a atividade de
empreender e mais prejudicada a economia, pois não se conhece exemplo de
desenvolvimento econômico sem a presença de empreendedores. Neste artigo,
enfatizamos os efeitos do intervencionismo.
Podemos definir empreendedorismo ou função
empresarial como o atributo individual de perceber as possibilidades de
lucros ou ganhos eventualmente existentes. Ora, como isso se constitui em uma
categoria de ação, esta pode ser encarada como um fenômeno empresarial,
que põe em destaque as capacidades perceptiva, criativa e de coordenação de
cada agente. O empreendedor é aquele indivíduo que percebe que uma
determinada idéia poderá lhe proporcionar ganhos e se empenha para
desenvolvê-la na prática. O fato de esse indivíduo ser ou não um empresário (no
sentido de ser diretor ou dono de uma empresa), no momento em que nasce sua boa
idéia, não é, portanto, relevante para que possamos defini-lo como
empreendedor.
Um dos aspectos mais
importantes do conceito de empreendedorismo ou função empresarial
é que o empreendedor não é meramente a mola propulsora de uma economia de
mercado, mas um produto exclusivo da economia de mercado. Em outras palavras, só
pode existir empreendedorismo onde houver economia de mercado, uma vez que o
processo de descoberta que caracteriza os mercados livres e que exige um
permanente estado de sagacidade para descobrir as necessidades específicas dos
consumidores não pode ser substituído pelo planejamento, por computadores, por
reuniões da "sociedade civil", por "movimentos sindicais",
por "câmaras setoriais" ou por "soluções" políticas.
Há diferenças entre empresário e empreendedor:
diversas categorias de pessoas podem ser consideradas como
"empresários": sindicalistas, diretores de "empresas"
estatais, herdeiros de empresas que não trabalham, ou envolvidos em
"atividades empresariais políticas" (como os lobistas), enquanto o
que caracteriza o empreendedor é a percepção da oportunidade de ganho, mesmo
que ele não possua um simples centavo ou não detenha qualquer poder.
Para que você compreenda de uma vez por todas o
papel dos empreendedores, repito em seguida o exemplo de meu artigo João, Maria, José,
Empreendedorismo e Intervencionismo, publicado em 28 de setembro de 2010.
Consideremos dois
agentes, João e Maria. Cada um deles possui um conjunto próprio e peculiar de
informações que o outro não possui. Ora, um observador externo, por exemplo, um
terceiro agente, pode afirmar com razão que existe um conhecimento que ele,
como observador, não tem, e que se encontra disperso entre João e Maria,
significando com isso que João detém uma parte dele e Maria a outra parte. Há
casos em que, para alcançar determinado fim, o agente necessite apenas de seu
conjunto pessoal de informações, sem necessidade de ter que relacionar-se com
outros agentes.
Mas estes casos são
minoria no mundo real, em que a maior parte das ações envolve uma complexidade
muito maior. Por exemplo, suponha que João pretende alcançar um fim FJ,
para o qual precisa utilizar um meio MJ que não está à sua
disposição e que, além disso, ele não saiba como obtê-lo. Admitamos também que
Maria pretenda alcançar um fim FM, diferente de FJ e que
tenha à sua disposição uma quantidade razoável do meio MJ tão útil
para João, mas que para ela não seja importante. Porém, Maria não sabe que esse
meio é importante para João e este não sabe que Maria o possui e, ainda, que
não pretende utilizá-lo. O que acontece neste exemplo sucede também na maioria
das situações reais: o fato dos fins FJ e FM serem
contraditórios, ou seja, cada agente busca fins diferentes, com intensidades
também diferentes e com um conjunto relativo de informações, no que diz
respeito a eles e aos meios utilizáveis. Há, claramente, um desajuste e uma
ausência de coordenação, motivados pela dispersão do conhecimento e que só
desaparecerão por meio do exercício da função empresarial, ou empreendedorismo.
Suponhamos agora que um
terceiro agente — José — percebe a situação de falta de coordenação que foi
descrita e se disponha a exercer o empreendedorismo, quando descobre a
possibilidade de obter um lucro se procurar Maria, para quem o meio MJ não
tem utilidade e propor-lhe que o venda por, suponhamos, R$80.000,00. Sem
dúvida, um excelente negócio para Maria, que atribuía ao meio um valor zero ou
próximo de zero. Após comprar MJ de Maria, José procura João, que
está interessado nele para que possa alcançar o seu fim FJ e lhe
propõe vendê-lo por, suponhamos, R$100.000,00. Observe que José não precisa
necessariamente possuir recursos para comprar o meio, bastará que tome um
empréstimo cujos juros compensem o negócio. Assim, José conseguiu obter
do nada — ex nihilo — um lucro empresarial puro de R$ 20.000,00 do
meio MJ. Em consequência, a ação empresarial de José produziu três
efeitos: primeiro, criou nova informação, novo conhecimento; segundo, transmitiu
esse novo conhecimento no mercado; e terceiro, ensinou os outros dois agentes a
agirem em um processo de dependência recíproca.
A criação
empresarial de conhecimento representa uma transmissão instantânea dessa
informação nos mercados. José não apenas transmitiu a Maria a informação de que
o recurso MJ, que ela possuía, mas ao qual não atribuía valor, era
importante para alguém e que não havia, racionalmente, razão para
desperdiçá-lo, mas também transmitiu a João a informação de que poderia prosseguir
com a ação para alcançar o seu objetivo FJ e que poderia ter sido
abandonada pela falta do meio adequado. O exemplo ilustra também a importância
do sistema de preços como um transmissor de informações muito eficiente, que se
espalha sucessivamente por todo o processo de mercado, eliminando a falta de
coordenação. José, que apenas percebeu que o recurso MJ possuía
valor para João, embora não tivesse valor para Maria, nada mais fez do que
transmitir ao mercado essa sua percepção, agindo como um empreendedor e
auferindo um lucro.
Observemos também que o
conjunto relevante de informações tem natureza essencialmente subjetiva, porque
depende daqueles agentes empreendedores que sejam capazes intuitivamente de
descobri-lo. Mesmo aquele tipo de informações ou de conhecimento que é
geralmente encarado como "objetivo", como os próprios preços, por
exemplo, é na realidade gerado por informações subjetivas, como a que levou
José a procurar Maria, propor-lhe a compra do meio e, depois, a procurar João e
dizer-lhe que estava disposto a vendê-lo.
Mas não foram apenas
João, Maria e José que ficaram satisfeitos com a ação empreendedora do último.
Suponhamos que o fim de João era abrir uma oficina de mecânica de
automóveis em uma determinada rua de um bairro, que o meio de que
necessitava era um terreno e que Maria tenha herdado de uma tia um terreno
baldio nessa mesma rua, que só lhe estava causando custos com as taxas e
impostos escorchantes que o município lhe cobrava. Maria e João não se
conhecem, mas eis que surge José que, conhecendo os desejos de ambos, percebe
uma boa oportunidade de ganho se comprar o terreno de Maria por R$ 80.000,00
(valor que ele possui em uma conta poupança) e revendê-lo para João por um
valor maior. Maria vende o terreno para José por aquele valor e José consegue
revendê-lo para João por R$ 100.000,00. Admitamos, por fim, que João, de posse
do terreno, abra a sua oficina e, com isso, dê emprego para cinco pessoas que
se encontravam desempregadas.
Observemos quantos
indivíduos ganharam com a idéia que José conseguiu levar adiante. Primeiro, o
próprio José, que lucrou R$ 20.000,00; depois, Maria, que, além de ver-se livre
das despesas com o terreno, embolsou, em termos brutos, R$ 80.000,00; em
terceiro lugar, João, que pode finalmente realizar o seu desejo de ser
proprietário de uma oficina mecânica e que poderá obter lucros com o seu
funcionamento; e, por fim, os cinco empregados do novo negócio e, obviamente,
as suas famílias, que — admitamos - totalizavam, somando as esposas e os três
filhos de cada um, vinte pessoas. Portanto, o empreendedorismo de José
beneficiou, ao fim e ao cabo, ele mesmo, João, Maria, os cinco mecânicos e mais
vinte pessoas, ou seja, vinte e oito pessoas.
Notemos que José, para
colocar em prática a sua idéia, nem precisava dispor dos R$ 80.000,00
necessários para comprar o terreno de Maria, bastando que tomasse um empréstimo
nesse valor e que o total de juros que teria que pagar pela operação fosse
inferior ao ganho obtido com a revenda do terreno para João. Vemos, então, que
o empreendedor não precisa ser alguém necessariamente rico, mas alguém
que tenha criatividade, inventividade - ideias, enfim.
Ora, se isto acontece em
um pequeno negócio como o desse exemplo simples, podemos imaginar a amplitude
dos benefícios proporcionados pelos grandes negócios, que envolvem a geração de
empregos de centenas e de milhares de pessoas. No entanto, a cultura
antiempresarial insiste invariavelmente em associar os grandes negócios a
fraudes, negociatas e "maracutaias", em que apenas os
"empresários" obtêm lucros e sempre a partir da
"exploração" alheia...
Assim, José, o empreendedor
inicial (aquele que teve a ideia), conseguiu obter um lucro empresarial
bruto de R$ 20.000,00. Mas Maria, de imediato, já ganhou R$ 80.000,00 e poderá,
ao longo do tempo, ganhar mais do que o lucro de José, caso aplique bem o seu
dinheiro. Da mesma forma, o negócio de João, que lhe custou R$ 100.000,00 pela
compra do terreno, fora os custos com máquinas, empregados e a construção de um
galpão, entre outros, depois de algum tempo, compensará os seus custos fixos e
variáveis de abrir e manter a oficina. A ação empresarial de José produziu
vários efeitos: criou nova informação; transmitiu essa informação ao mercado;
coordenou os planos de João com os de Maria; deu emprego para cinco mecânicos;
beneficiou suas famílias; e aumentou a competição no setor de mecânica de
automóveis, porque criou mais uma empresa e, portanto, beneficiou também os
proprietários de carros.
Espero que este exemplo simples tenha ajudado
você a compreender a importância do empreendedorismo. Note que, no exemplo,
tudo deu certo para José, o empreendedor. Mas e se não desse? Se, por exemplo,
ele pagasse os R$80.000,00 pelo terreno de Maria, mas não conseguisse
revendê-lo para João pelos R$100.000,00, mas apenas por R$76.000,00? Bem, nesse
caso, ele incorreria em uma perda ou prejuízo: R$4.000,00 (perda direta, que
pode ser medida) mais as perdas representadas pelo tempo que perdeu fazendo os
dois negócios (perdas indiretas, que não podem ser calculadas).
A maioria das pessoas só olha para os lucros
ganhos pelos empreendedores, mas se esquecem de que eles correm muitos riscos,
sendo os principais os riscos de seus empreendimentos não darem bons resultados
e isso lhes causar perdas.
Depois de todas essas observações, espero que
tenha ficado bastante claro para você que um das condições, talvez a principal
delas, para que uma economia se desenvolva é a liberdade de empreender, sem
qualquer interferência do estado. Podemos, então encerrar com as palavras de um
campeão da lógica e da liberdade, Ludwig von Mises, no artigo citado nas
sugestões de leitura em seguida:
Aqueles empreendedores
que se mostrarem incapazes de produzir, da melhor e mais barata maneira
possível, os bens e serviços que os consumidores estão demandando com mais
urgência, sofrerão prejuízos e serão, em última instância, eliminados de sua
posição empreendedorial. Outros empreendedores que tenham maior
capacidade administrativa e que saibam melhor como servir aos consumidores
substituirão estes que fracassaram.
Sugestões de leitura:
Iorio,
Ubiratan J., João, Maria José,
Empreendedorismo e Intervencionismo
Huerta
de Soto, J., Empreendedorismo, eficiência
dinâmica e ética
Mises,
L., A natureza econômica dos lucros
e prejuízos
Fonseca,
Joel P., A virtude do lucro
Abreu,
Mariana P., Empreendedor "austríaco" vs. empreendedor
schumpeteriano
Sugestões para reflexão
e debate:
1. Dê exemplos de pessoas que ganharam lucros
melhorando a vida de muitas outras pessoas.
2. Como você responderia a alguém que lhe dissesse
que os lucros do capitalismo são imorais?
3. Qual a diferença entre empreendedor e
empresário?
4. Em que consiste o papel coordenador dos
empreendedores?
5. Por que a atividade dos empreendedores exige
um permanente estado de alerta?