segunda-feira, 29 out 2012
Um dos maiores avanços de todos
os tempos foi sem dúvida a invenção da moeda. Sim, hoje é difícil pensar que as
transações eram realizadas sem dinheiro, mas na mais remota antiguidade o que
existiam eram
trocas diretas: se
você, por exemplo, criava galinhas e desejava comprar arroz, deveria levar
algumas galinhas até o mercado (que era um espaço físico) e procurar alguém
que, ao mesmo tempo estivesse interessado nas suas galinhas e que tivesse arroz
para trocar por elas. É fácil perceber que isso dificultava tremendamente as
trocas, porque os custos de transação envolvidos eram gigantescos.
O passo seguinte, centenas de
anos depois, em um processo de evolução chamado ordem espontânea, em que as coisas vão sendo descobertas como
consequência da ação das pessoas, mas sem que elas planejem como serão descobertas,
foi a chamada moeda-mercadoria.
Algumas mercadorias, por serem duráveis, por serem fáceis de transportar e,
principalmente, por serem aceitas em quase todas as trocas, transformaram-se na
moeda da época. O sal foi a principal dessas mercadorias. Então, você não
precisava mais levar suas galinhas ao mercado para trocá-las por arroz, bastava
levar certa quantidade de sal.
Mais tarde, sempre seguindo
essa evolução espontânea, os metais
preciosos, como ouro e prata, passaram a ser usados como moeda, especialmente
depois da invenção do processo de cunhagem. A etapa seguinte foi a da chamada moeda-papel, um certificado nominativo
que você recebia do seu banqueiro declarando que você havia depositado certa
quantidade de ouro e que só você poderia pegar de volta quando desejasse.
Quando esses papéis passaram a ser ao portador, se transformaram no papel-moeda. E o que chamamos de moeda
ou dinheiro passou a ser composto por aqueles certificados (que se
transformaram com o tempo nas cédulas) e as moedas metálicas.
Posteriormente, quando os
banqueiros descobriram que poderiam emprestar parte do dinheiro que recebiam
como depósitos (mesmo este dinheiro não lhes pertencendo, o que é um absurdo)
ao público, esses empréstimos, ao gerarem novos depósitos, transformaram-se no
que conhecemos como moeda escritural.
E a moeda ou dinheiro passou a ser o papel-moeda (mais as moedas metálicas) e
os depósitos à vista do público nos bancos comerciais. A faceta mais moderna
desse processo evolutivo é a chamada moeda
eletrônica, que são os cartões magnéticos utilizados largamente a partir do
final do século XX. Qual será o próximo passo? É impossível dizermos, porque,
como ressaltamos, a moeda é uma ordem espontânea, um produto da ação humana,
porém não planejada.
Os economistas austríacos
sempre disseram que aumentos na quantidade existente de moeda não geram
benefícios para a sociedade, basicamente porque eles não alteram os serviços de
troca que a moeda proporciona; apenas diluem o poder de compra de cada unidade
monetária. Portanto, não existe nenhuma "necessidade social" que justifique
o crescimento da quantidade de moeda, nem mesmo se a produção ou a população
aumentarem: simplesmente, as pessoas poderão manter uma proporção maior de dinheiro
para uma dada quantidade de moeda, gastando menos, o que fará subir o poder de
compra desse dinheiro. Conforme Mises escreveu no capítulo XVII de
"Ação Humana", em 1948,
"... a quantidade de moeda
disponível em toda a economia é sempre suficiente para assegurar a todos tudo o
que a moeda faz e pode fazer".
A inflação — que não deve ser entendida simplesmente como um
aumento contínuo e generalizado de preços (este é o seu efeito, não a sua
causa), mas como uma queda progressiva do poder de compra da unidade monetária
e a correspondente elevação dos preços — é um método pelo qual o governo, o
sistema bancário que ele controla e os grupos que ele favorece politicamente
adquirem a capacidade de expropriar parte da riqueza dos demais grupos da
sociedade. Portanto, é mais do que aconselhável — é crucial — que a
sociedade, mediante o estabelecimento de instituições adequadas, impeça que os
governos e os políticos tomem conta da quantidade de moeda, emitindo a seu bel
prazer. O economista Friedrich von Hayek, um dos gigantes da Escola Austríaca,
tem uma frase muito apropriada para descrever esse perigo: "Entregar o controle
da oferta monetária aos políticos é o mesmo que pedir a um gato para tomar
conta de um pires de leite".
Por sinal, antigamente não eram
os governos que emitiam as moedas: elas eram emitidas por banqueiros privados e
competiam entre si. Posteriormente é que os governos descobriram que era um
grande negócio para eles serem os detentores do monopólio da moeda e inventaram
a chamada "moeda de curso legal", aquela que, por decreto, é a moeda "oficial"
de um país ou grupo de países.
Vamos abordar agora uma questão
importante e que está sempre relacionada com a moeda. O que vem a ser a
inflação? Sua causa primária, sempre e em qualquer lugar, é um crescimento na
moeda e no crédito sem lastro em aumentos correspondentes na produção, na
produtividade e na população. Na verdade, a inflação deve ser definida mais
propriamente como essa ampliação na oferta de moeda e crédito, e não da forma
que se tornou usual — como um aumento contínuo e generalizado de preços. A
utilização da palavra "inflação" com este segundo significado tem gerado muitas
interpretações incorretas ao longo dos anos, produzindo diagnósticos
equivocados e terapias desastrosas. Obviamente, expansões monetárias não são o
mesmo que as elevações em todos os preços que elas provocam, porque causa não é
efeito.
Inflação significa simplesmente
que se a moeda e o crédito são "inflados", os agentes econômicos passam a
dispor de mais dinheiro para comprar bens e serviços; ora, se a oferta desses
últimos não cresce à mesma velocidade que a das emissões — o que é de se
esperar, pois, no mundo real, tartarugas não conseguem acompanhar lebres —,
então seus preços crescerão e continuarão a aumentar enquanto a causa
persistir.
Como disse o Professor Mises, a
batata é mais barata do que o caviar porque sua oferta é muito mais abundante.
Pois em um processo inflacionário, a moeda e o crédito desempenham o papel da
batata e os demais bens e serviços o do caviar: para comprar as mesmas quantidades
de produtos, serão necessárias cada vez mais unidades monetárias, assim como
para comprar caviar se gasta mais do que para comprar batatas. É tão simples!
Se há mais reais circulando sem lastro, nada mais natural do que o valor do
real diminuir relativamente aos dos demais bens!
Uma das falácias mais repetidas
é a de que a causa da inflação não são excessos de moeda e crédito, mas
"escassez" de produtos. É verdade que um aumento de preços — que não deve ser
confundido com inflação — pode ser causado tanto por expansões da moeda e do
crédito como por escassez de produtos, ou por ambos. O preço do trigo, por
exemplo, pode crescer temporariamente por conta de algum problema na safra, mas
não há caso, mesmo em economias de guerra, de aumentos generalizados de preços
gerados por escassez universal de bens. Na Alemanha pós-guerra de 1923, por
exemplo, os preços subiam astronomicamente, todos reclamavam contra a escassez
generalizada, mas levas de estrangeiros entravam no país para comprar produtos
alemães, porque muitos preços eram menores na Alemanha do que em seus países.
Guarde o seguinte: existe
inflação, mas não existe "inflação dos alimentos", ou "inflação" da cenoura, do
chuchu, dos barbeiros, das pizzas, do cafezinho ou do petróleo. Por mais
importante que seja na economia, nenhum produto é capaz de provocar aumentos
permanentes em todos os demais, mas, devido ao péssimo hábito de se olhar
apenas para o que os índices mensais de preços refletem, sempre é possível
encontrar o vilão da vez, o bandido do mês, aquele preço que subiu acima da
média...
Sair em uma noite fria sem
estar agasalhado costuma causar gripe, cujos sintomas — dores no corpo,
prostração e entupimento nasal — apenas se manifestam dois ou três dias
depois. Da mesma forma, a inflação nasce quando ocorre crescimento sem lastro
na moeda e no crédito e se torna visível alguns meses depois, quando todos os
preços começam a subir sem parar.
As variações na quantidade de
moeda em circulação não são "neutras" porque não afetam todos os preços de
maneira uniforme e, portanto, alteram os preços relativos e, assim, a estrutura
de capital, como veremos na próxima aula!
A idéia central dos austríacos
é que o dinheiro novo entra em um ponto específico do sistema econômico e,
sendo assim, ele é gasto em certos bens e serviços particulares, até que,
gradualmente, vai-se espalhando por todo o sistema, assim como um objeto
qualquer, ao ser atirado na superfície de um lago, forma círculos concêntricos
com diâmetros progressivamente maiores, ou como quando se derrama mel no centro
de um pires e ele vai-se espalhando a partir do montículo que se forma no ponto
em que está sendo derramado (analogias, respectivamente, de Mises e Hayek). Por
isso, alguns gastos e preços mudam antes e outros mudam depois e, enquanto a
mudança monetária — digamos, uma expansão do crédito — for mantida, sua
irradiação para gastos e preços persiste em movimento.
Assim, as alterações provocadas
nos preços relativos, que são definidos como as comparações de todos os preços
tomados dois a dois, produzem mudanças na alocação de recursos. Quando ocorre
uma expansão do crédito bancário, supondo que as expectativas quanto à inflação
futura não existam, as taxas de juros, inicialmente, caem, mantendo-se abaixo
dos níveis que alcançariam se o crédito não tivesse aumentado. O efeito disso é
que, necessariamente, os padrões de gastos sofrerão alterações: os gastos de
investimentos subirão relativamente aos gastos de consumo corrente e às
poupanças. Portanto, a expansão monetária, necessariamente, provoca uma
descoordenação entre os planos de poupança e de investimento do setor privado.
Esse impacto descoordenador da política monetária é essencial na visão hayekiana, mas não é levado em conta
pela teoria macroeconômica convencional.
Como este curso é dirigido a
iniciantes em economia, não vamos discutir a importantes questões: os governos
devem continuar detendo o monopólio sobre a moeda? Os bancos centrais devem
mesmo existir? Para incentivar você a se aprofundar no fascinante mundo econômico,
vamos apenas dizer que a resposta de alguns austríacos (entre os quais me
incluo) para ambas as perguntas é: não!
Sugestões
de leitura:
Mises, Ludwig, As seis lições, cap. 4, Inflação
Iorio, Ubiratan J. Ação, tempo e conhecimento: a Escola
Austríaca de Economia, IMB, São Paulo, 2011, capítulo 5
Murphy, Robert, A origem do dinheiro e de
seu valor
Schiff, Peter, O que é o dinheiro, como
ele surge e como deve ser gerenciado
Hülsmann, Jörg Guido, Bancos não podem criar dinheiro
Herbener, Jeffrey, Como seria a produção de
dinheiro no livre mercado
Shostak, Frank, Inflação não é um aumento
generalizado nos preços
Hazlitt, Henry, O básico sobre a inflação
Sugestões
para reflexão e debate:
1. O que você entende por
"ordem espontânea" e por que a moeda se encaixa nessa definição?
2. Quais são os requisitos para
que uma mercadoria seja aceita como moeda?
3. Comente: "a moeda é o meio
de troca".
4. Pode existir inflação em uma
economia que não use moeda?
5. Defina inflação segundo a
visão da Escola Austríaca e compare essa definição com aquela que diz que
"inflação é um aumento contínuo e generalizado de preços".