Entrevista concedida ao instituto Association for Liberal Thinking,
da Turquia.
Como
o senhor se tornou um libertário e quais pensadores foram os mais importantes
na formação do seu pensamento?
Hoppe:
Quando ainda jovem, estudante do ensino médio
alemão, eu era marxista. Depois, já como
estudante da Universidade de Frankfurt, descobri a crítica de Böhm-Bawerk a
Marx, e aquilo liquidou a economia marxista para mim.
Consequentemente, durante o período seguinte,
tornei-me um tanto cético, atraído pela metodologia positivista e especialmente
pela falsificacionista popperiana, bem como pelo programa gradual de engenharia
social de Popper. Como o próprio Popper,
naquela época eu era um social-democrata de direita.
E então as coisas passaram a mudar
rapidamente. Primeiro, descobri Milton
Friedman (muito bom), depois Hayek (melhor), depois Mises (muito melhor, devido
à sua metodologia explicitamente antipositivista — apriorística) e,
finalmente, o mais importante sucessor teórico de Mises, Murray N. Rothbard.
Até
que ponto sua educação formal coincidiu com sua transformação libertária?
Hoppe:
Não aprendi nada de libertarianismo ou de
livre mercado na universidade. Meus
professores eram ou socialistas ou intervencionistas. Ocasionalmente (muito raramente), os nomes de
alguns livre-mercadistas eram mencionados: Boehm-Bawerk, Mises,
Hayek, e também Herbert
Spencer como sociólogo. No entanto, eles eram imediatamente
descartados como antiquados e obsoletos apologistas do capitalismo, indignos da
atenção de qualquer "intelectual sério".
Portanto, tive de descobrir tudo por conta própria, por meio de muita
leitura. Li praticamente tudo sobre
economia — e hoje, analisando em retrospecto, grande parte do material lido
representou uma total perda de tempo.
Nos
primeiros anos do século XX, economistas 'capitalistas' estavam em posições
mais defensivas. Isso era
particularmente explícito antes de Mises começar a criticar o socialismo em
suas obras. Os escritos de Mises foram
decisivos em fazer com que os socialistas adotassem sua atual posição
defensiva. Os escritos de Mises também
abriram caminho para uma economia distinta, fora do paradigma neoclássico. Durante a sua educação formal, o senhor era
da opinião de que a economia austríaca era, ou deveria ser, distinta do pensamento
neoclássico? Como foi o processo de
deixar de ser apenas crítica para se tornar uma abordagem alternativa?
Hoppe:
Até os anos 1950, a maioria dos economistas
compartilhava a mesma visão de Lionel Robbins a respeito da natureza da
economia. Robbins, que havia sido
fortemente influenciado por Mises, apresentou, em seu famoso livro Nature
and Significance of Economic Science (1932), a economia como sendo um
tipo de lógica aplicada (Mises chamaria de 'praxeologia'). A análise econômica deveria partir de algumas
premissas simples e evidentemente verdadeiras (axiomas) e chegar, por meio da
dedução lógica, a várias conclusões irrefutáveis (teoremas econômicos).
Essas
conclusões ou teoremas, desde que nenhum erro houvesse sido cometido no
processo da dedução, têm de ser logicamente verdadeiros, e seria um erro
categorial se alguém quisesse 'testar empiricamente' tais teoremas. (Nós também não testamos 'empiricamente'
verdades e argumentos lógicos, ou mesmo proposições matemáticas. Por exemplo, não testamos empiricamente a lei
de Pitágoras; podemos prová-la dedutivamente.
E aquele que quiser 'prová-la' empiricamente, mensurando ângulos e
comprimentos, não será considerado 'mais científico', mas sim alguém totalmente
confuso). Hoje, apenas os austríacos
ainda defendem esta (correta) visão da ciência econômica como sendo uma lógica
aplicada.
A
partir da década de 1950, em grande parte devido à influência de Milton
Friedman, a maioria dos economistas passou a adotar a visão 'positivista' de
que a ciência econômica deveria tentar imitar os métodos utilizados na
física. Como resultado, a ciência
econômica moderna foi transformada em uma simples matemática de baixo nível, não
possuindo nenhum significado empírico e nenhum tipo de aplicação prática. Os economistas de hoje se limitam a fazer
duas coisas, ambas uma total perda de tempo: construir e testar 'modelos' para
(na melhor das hipóteses) comprovar aquilo que já é óbvio para qualquer ser
humano minimamente inteligente — como o fato de que a água corre para baixo —
e demonstrar por meios empíricos aquilo que pode ser provado por meio da lógica
(como confirmar a lei de Pitágoras empiricamente).
No
entanto, em muitos casos, e pelos mesmos métodos, eles também se esforçam para
"provar" empiricamente que, em algumas situações, a água pode correr para cima
e a lei de Pitágoras pode deixar de ser válida.
Isso acontece quando economistas defendem, por exemplo, o controle de
preços para combater a carestia ou o aumento dos gastos para combater
recessões, sempre sob o argumento de que "dessa vez será diferente". E nunca é.
Em suma, a moderna economia convencional está em situação de total
calamidade.
Quando
eu comecei a estudar economia, ensinaram-me a metodologia positivista. No entanto, desde o início, aquilo nunca me
convenceu. A lei da utilidade marginal,
ou a teoria quantitativa da moeda, ou a afirmação de que um aumento no salário
mínimo para $1.000 a hora resultaria em desemprego em massa não me pareciam ser
hipóteses questionáveis que necessitassem de qualquer tipo de teste empírico,
mas sim óbvias verdades lógicas. Demorei
um pouco para descobrir que esta era na verdade a visão clássica, defendida
mais explicitamente por Robbins e Mises.
Descobrir Mises e Robbins, portanto, foi um grande alívio intelectual
para mim, e foi o que me fez levar (e estudar) a ciência econômica a sério.
A
atual economia convencional, chamada de mainstream,
é totalmente irrelevante. Pior ainda:
está sempre aberta à perigosa ideia da experimentação e da engenharia social
(qual outra forma de se testar hipóteses?), uma verdadeira tentação para
políticos populistas. É por isso que o
moderno estado intervencionista sempre se mostra totalmente disposto a
financiar toda uma seara de economistas.
O estado sabe que eles criarão justificativas para todo e qualquer
programa intervencionista. Por outro
lado, a economia austríaca não apenas é de grande importância prática, como
também se opõe rigorosamente a qualquer tipo de intervencionismo econômico por
sabê-lo contraproducente. Não é surpresa
alguma, portanto, que a Escola Austríaca não receba nenhum apoio ou suporte
financeiro.
Não
obstante, sou otimista quanto ao futuro da economia convencional: creio que ela
desaparecerá devido à própria irrelevância (artigos acadêmicos publicados em
famosos periódicos praticamente não têm leitores) e será desalojada pela Escola
Austríaca. Um bom indício disso é a
proliferação espontânea de Institutos Mises ao redor de todo o globo, os quais
têm mais leitores do que qualquer site sobre economia convencional.
Em sua versão moderna, a Escola Austríaca,
com sua ênfase em direitos de propriedade, empreendedorismo e liberdade, possui
aliados naturais entre as diferentes escolas de pensamento econômico. Por exemplo, a abordagem sobre direitos de
propriedade elaborada por Coase e Alchian é muito similar às posições dos
austríacos. O senhor acha que os
escritos de Mises exerceram alguma influência sobre a ênfase dada aos direitos
de propriedade e às soluções de mercado das outras escolas? Há algum elo visível entre Mises e algumas
destas pessoas?
Hoppe:
Desconheço qualquer elo intelectual entre
Mises e a moderna Escola de Chicago, tanto a econômica quanto a jurídica. Tampouco há algum elo entre o pensamento de
Mises e as ideias de Coase e de seu sucessor, Richard Posner. Por outro lado, Hayek foi um dos professores
de Coase na London School of Economics.
A similaridade entre a visão austríaca e a
visão de Chicago acerca da ciência econômica e do direito é meramente
superficial. Na realidade, ambas estas
tradições intelectuais são fundamentalmente opostas umas às outras. É um erro comum, mas extremamente sério,
pensar que a Escola de Chicago é defensora dos direitos de propriedade. Com efeito, Coase e seus seguidores são os
mais perigosos inimigos dos direitos de propriedade. Eu sei, isso pode soar inacreditável para
algumas pessoas. Sendo assim, permita-me
explicar melhor esta posição, utilizando um dos exemplos oferecidos pelo
próprio Coase em seu famoso artigo sobre "Custo Social".
Uma ferrovia passa ao lado de uma fazenda. O
motor do trem emite faíscas, e as faíscas danificam as plantações do
fazendeiro. O que deve ser feito? Do
ponto de vista austríaco (e também do clássico e também do bom senso), o que
precisa ser estabelecido é quem estava lá primeiro: o fazendeiro ou a ferrovia?
Caso seja o fazendeiro, ele poderia
então obrigar a ferrovia a interromper suas atividades (através de uma ordem de
cessação), ou a parar de emitir faíscas ou então exigir compensação. Caso seja a ferrovia quem se estabeleceu ali
primeiro, então ela poderia continuar emitindo faíscas, e o fazendeiro teria de
pagar à ferrovia caso ele quisesse se manter livre das faíscas.
Já a resposta de Coase e de Posner é
totalmente diferente. Segundo eles, é errado
pensar no fazendeiro e na ferrovia em termos de "certo" ou
"errado", de "agressor" e "vítima". Permita-me citar o início do famoso artigo de
Coase:
O problema é
normalmente pensado como: 'A causa danos a B', e a decisão a ser tomada é 'Como
deveríamos restringir A?'. Mas isso está
errado. Estamos lidando com um problema
de natureza recíproca. Evitar o dano
causado a B seria infligir dano a A. A
verdadeira questão a ser decidida é: deveria A ter permissão para prejudicar B
ou será que B é quem deveria ter permissão para prejudicar A? O problema é como evitar o dano mais sério.
Em
outras palavras, o problema é maximizar o valor da produção ou a
'riqueza'. De acordo com Posner,
qualquer coisa que aumente a riqueza social é justa e qualquer coisa que não a
aumente é injusta. A tarefa dos
tribunais, portanto, seria determinar direitos de propriedade (e
responsabilidades legais) aos queixosos de tal maneira que a
"riqueza" seja maximizada.
Para
o exemplo acima considerado, isso significa que, se o custo de se evitar as
faíscas for menor que o prejuízo da colheita, então o tribunal deveria ficar do
lado do fazendeiro e responsabilizar a ferrovia. Por outro lado, se o custo de
se evitar as faíscas for maior que o prejuízo da colheita, então o tribunal
deveria ficar do lado da ferrovia e responsabilizar o fazendeiro. Posner oferece outro exemplo. Uma fábrica
emite fumaça e, por isso, diminui o valor das propriedades residenciais na
vizinhança. Se o valor das propriedades cai $3 milhões e o custo de se
remanejar a fábrica é de $2 milhões, a fábrica deve ser condenada e obrigada a
se mudar. Entretanto, se os números
forem trocados — o valor das propriedades cai $2 milhões e os custos de
remanejamento são de $3 milhões — a fábrica poderá continuar ali emitindo
fumaça.
Ainda
mais importante, tudo isso significa também que os direitos de propriedade (e
as responsabilidades civis) não mais são estáveis, constantes e fixos; eles se
tornaram variáveis. Os tribunais
designarão direitos de propriedade de acordo com os volúveis dados do mercado. Se os dados mudarem, os tribunais podem
rearranjar tais direitos. Ou seja,
circunstâncias diferentes levam a uma redistribuição dos títulos de
propriedade. Nesse cenário, ninguém jamais está seguro de sua propriedade. A incerteza jurídica se torna permanente.
Isso
não parece ser justo nem eficiente. Ademais,
quem em sã consciência iria utilizar um tribunal que tenha anunciado que, no
decurso do tempo, poderá realocar os atuais títulos de propriedade dependendo
das voláteis condições de mercado? Tal
maneira de atribuir direitos de propriedade certamente não leva a uma
maximização da riqueza no longo prazo.
O
que o senhor pensa a respeito do papel do estado na sociedade? O estado é uma necessidade prática ou ele é
um mal necessário? Como o senhor
descreveria a transição de um modelo estatista para uma sociedade
liberal-clássica?
Hoppe:
Antes é necessário definirmos rapidamente o
que é o estado. Eu adoto aquilo que pode
ser chamado de definição padrão: um estado é uma agência que detém um monopólio
da tomada suprema de decisões jurídicas para todos os casos de conflito, inclusive
conflitos envolvendo o próprio estado. Consequentemente,
ele também possui o direito de tributar sem enfrentar resistência.
Em microeconomia aprendemos que monopólios
são ruins do ponto de vista dos consumidores.
Monopólio, em seu sentido clássico, é entendido como sendo um privilégio
exclusivo outorgado a um único produtor de um bem ou serviço — isto é, há uma proibição
da livre entrada de concorrência em uma linha específica de produção. Em outras palavras, apenas uma agência, A,
pode produzir um determinado bem, x.
Qualquer monopolista desse tipo é ruim para os consumidores porque, pelo
fato de estar protegido contra a entrada de potenciais concorrentes em sua área
de produção, o preço do produto x do monopolista será mais alto e a qualidade
de x será mais baixa do que seria em um ambiente concorrencial.
Por
que este raciocínio deveria ser diferente quando aplicado ao monopólio estatal compulsório
da jurisdição de seu território? O
estado detém o monopólio dos serviços jurídicos e policiais. Por que esta lei econômica não se aplicaria a
ele? Dado que o estado é um monopolista
clássico, é de se esperar que o preço de seus serviços (cuja aceitação é
obrigatória) sejam mais altos e de menor qualidade do que seria em ambiente
concorrencial. Para piorar, uma vez que
o estado é o juiz até mesmo dos conflitos em que ele próprio esteja envolvido,
é de se esperar que o estado tenha interesse em causar conflitos para que ele os "resolva" de acordo com seus
próprios interesses. Isso não é justiça
(um bem), mas sim injustiça (um mal).
Portanto,
respondendo à sua pergunta: Não! Considero
o estado um mal desnecessário. Em uma ordem natural, com uma variedade de
agências de seguro e de intermediação, o preço dos serviços de justiça cairia e
a qualidade destes serviços subiria. Meu
livro Democracia - o deus
que falhou e meu artigo A produção privada de
serviços de segurança explicam em detalhes consideráveis como
sociedades sem estado — sociedades autônomas, geridas por si mesmas —
funcionariam e gerariam uma prosperidade incomparável.
Agora,
a respeito de metas de transição para a liberdade, a resposta é a mesma para
qualquer país, seja ele a Turquia ou Alemanha, a França ou a China, a Colômbia
ou o Brasil. A democracia não é a solução — como também não foi a
solução para os países do antigo império soviético. Tampouco a centralização — como ocorre na
União Europeia — seria a resposta.
Ao
contrário, a maior esperança para a liberdade vem justamente dos países
pequenos: Mônaco, Andorra, Liechtenstein, e até mesmo Suíça, Hong Kong,
Cingapura, Bermuda etc. Quem preza a
liberdade deveria torcer e fazer de tudo pelo surgimento de dezenas de milhares
destas entidades pequenas e independentes.
Por que não uma Istambul livre e independente, que mantém relações
cordiais com o governo central da Turquia, mas que não tem de pagar impostos e
nem receber repasses, e que não mais reconhece as leis impostas pelo governo
central, pois tem as suas próprias?
Como
seus antepassados clássicos, os novos liberais não buscam a tomada do
governo. Eles o ignoram e querem que ele os deixe em paz. Mais
ainda: querem se seceder de sua jurisdição para poderem organizar sua própria
proteção. Ao contrário de seus predecessores, que apenas tentaram
substituir um governo grande por um menor, os novos liberais levam a lógica da
secessão até seu extremo. Eles propõem secessão ilimitada, isto é, a
proliferação irrestrita de territórios livres e independentes, até que o
alcance da jurisdição do estado se esvaeça. Para este fim — e em
completo contraste com projetos estatizantes como "Integração
Europeia", ALCA, NAFTA, "Nova Ordem Mundial" —, eles promovem a
visão de um mundo com dezenas de milhares de países, regiões e cantões livres,
de centenas de milhares de cidades livres. Ou, para serem ainda mais
livres, distritos e vizinhanças completamente autônomos e integrados economicamente
por meio do livre comércio. Como será
explicado a seguir, quanto menor o território, maior a pressão econômica para
se aceitar o livre comércio. E quanto
menores as unidades políticas, maiores as chances de se adotar um padrão
monetário baseado em alguma commodity, muito provavelmente o ouro.
Os
apologistas de um estado forte e centralizado alegam que tal proliferação de
unidades políticas independentes levaria à desintegração econômica e ao
empobrecimento. No entanto, não apenas a
evidência empírica contradiz esta alegação — todos os pequenos países citados
acima são mais ricos que seus vizinhos —, como também uma reflexão teórica
mostra que tal alegação não passa de mais um mito estatista.
Governos
pequenos possuem vários concorrentes geograficamente próximos. Se um governo passar a tributar e a
regulamentar mais do que seus concorrentes, a população emigrará, e o país
sofrerá uma fuga de capital e mão-de-obra.
O governo ficará sem recursos e será forçado a revogar suas políticas
confiscatórias. Quanto menor o país,
maior a pressão para que ele adote um genuíno livre comércio e maior será a
oposição a medidas protecionistas. Toda
e qualquer interferência governamental sobre o comércio exterior leva a um empobrecimento
relativo, tanto no país quanto no exterior.
Porém, quanto menor um território e seu mercado interno, mais dramático
será esse efeito. Se os EUA adotarem um
protecionismo mais forte, o padrão de vida médio dos americanos cairá, mas
ninguém passará fome. Já se uma pequena
cidade, como Mônaco, fizesse o mesmo, haveria uma quase que imediata inanição
generalizada.
Imagine
uma casa de família como sendo a menor unidade secessionista concebível. Ao praticar um livre comércio irrestrito, até
mesmo o menor dos territórios pode se integrar completamente ao mercado mundial
e desfrutar todas as vantagens oferecidas pela divisão do trabalho. Com efeito, seus proprietários podem se
tornar os mais ricos da terra. Por outro
lado, se a mesma família decidir se abster de todo o comércio inter-territorial,
o resultado será a pobreza abjeta ou até mesmo a morte. Consequentemente, quanto menor for o
território e seu mercado interno, maior a probabilidade de sua adesão ao livre
comércio.
Por
fim, irei apenas mencionar, mas sem no entanto adentrar em detalhes
explicativos por pura falta de espaço, que a secessão também promoveria uma
integração monetária e levaria à substituição do atual sistema monetário
baseado em moedas fiduciárias nacionais — que flutuam entre si e se
desvalorizam diariamente — por um padrão monetário baseado em uma commodity
totalmente fora do controle dos governos.
Em suma, o mundo seria formado por pequenos governos liberais e seria
economicamente integrado por meio do livre comércio e por uma moeda-commodity
internacional, como o ouro. Seria um
mundo de prosperidade, crescimento econômico e avanços culturais sem
precedentes.
O que o senhor tem a dizer a respeito do
pensamento libertário em países em desenvolvimento? Eles podem adotar uma economia de mercado
mais livre? O senso comum é o de que,
quanto mais pobre um país, maior a necessidade de um governo forte e provedor. O senhor é otimista quanto ao futuro destes
países no que diz respeito aos valores liberais-clássicos?
Hoppe:
A
humanidade foi dotada desta faculdade esplêndida que é a razão. Por isso, sempre podemos ter a esperança de
que a verdade irá vencer no final.
Agora, se é possível ser otimista em relação a um determinado país, isso
vai depender totalmente da seguinte questão: quantos membros (em termos de
proporção) da elite intelectual deste país possuem um conhecimento sólido a
respeito de fundamentos econômicos? Uma
das tarefas centrais de um instituto que divulga ideias econômicas é produzir e
multiplicar a quantidade destas pessoas, e assim criar motivos para o otimismo.
O
que um país "em desenvolvimento" tem de entender é o seguinte: existem motivos
pelos quais alguns países são ricos e outros são pobres — e tais motivos pouco
têm a ver com a 'exploração' dos pobres pelos ricos (embora tal coisa
indubitavelmente também ocorra). Há
apenas um caminho para a prosperidade geral: divisão do trabalho, poupança e
investimento. Países ricos são ricos
porque, por meio de sua poupança e de seu investimento — ambos possibilitados
pela divisão do trabalho —, acumularam uma grande quantidade de bens de
capital per capita. Países pobres são
pobres porque acumularam pouco capital.
Por que há muita poupança, muito investimento e muito capital acumulado
em alguns países e pouco ou quase nada em outros? Porque em alguns países há, ou houve no
passado, um grau relativamente alto de proteção e de garantias à propriedade
privada, ao passo que em outros países a propriedade privada está ou já esteve
sob constantes ataques, seja por meio da tributação, da regulamentação ou do
confisco direto. Onde a propriedade
privada não está protegida, haverá pouca poupança e investimento.
Ademais,
é essencial que um país 'em desenvolvimento' entenda que uma moeda forte e um
sistema monetário sólido são também um aspecto essencial da segurança à
propriedade. Países com histórico de
inflação alta não atraem investimentos e nem permitem a formação de
riqueza. Por isso, é de suprema
importância entender a seguinte lei: um aumento na quantidade de papel-moeda
criado pelo governo não pode —
nunca, jamais — aumentar a riqueza social.
Isso é uma impossibilidade física.
Afinal, imprimir dinheiro significa apenas aumentar o número de pedaços
de papel pintado na sociedade. Tal
medida não cria um único bem de capital ou de consumo. Ela não aumenta o padrão de vida como um todo. Se fosse fácil assim, se mais dinheiro de
papel pudesse produzir maior riqueza, simplesmente não mais haveria uma só
pessoa pobre ao redor do mundo.
A
única coisa que a inflação pode fazer — e de fato faz — é uma sistemática
redistribuição da riqueza social já
existente, redistribuição esta que se dá em prol do governo (que é o
produtor do dinheiro) e de seus clientes mais imediatos (estatais, funcionários
públicos e empresários com boas conexões políticas), e à custa daqueles que
recebem este dinheiro por último — e que, ao receberem-no, já estão com seu
poder de compra reduzido, pois os preços dos bens e serviços da economia já
aumentaram em decorrência desta inflação monetária. Inflação monetária é o equivalente a roubo e
confisco de renda, e os governos dos países 'em desenvolvimento' possuem o
histórico de serem os piores agressores à segurança monetária de cidadãos e
investidores.
Meu
conselho aos países subdesenvolvidos: adquiram a reputação de ser um lugar que
respeita a propriedade privada, um lugar em que a propriedade, inclusive o
dinheiro, está garantidamente a salvo (pense na Suíça, por exemplo). Assim haverá uma chance de prosperar. Caso contrário, nada feito.