quinta-feira, 11 jan 2018
N.
do T.: o artigo a seguir foi adaptado de um discurso improvisado
feito pelo autor, daí o seu tom mais coloquial.
Por
que os intelectuais sistematicamente odeiam o capitalismo? Foi essa pergunta que Bertrand de Jouvenel
(1903-1987) fez a si próprio em seu artigo Os
intelectuais europeus e o capitalismo.
Esta postura, na realidade, sempre foi uma
constante ao longo da história. Desde a Grécia antiga, os
intelectuais mais distintos — começando por Sócrates, passando por Platão e
incluindo o próprio Aristóteles — viam com receio e desconfiança tudo o que
envolvia atividades mercantis, empresariais, artesanais ou comerciais.
E, atualmente, não tenham nenhuma dúvida:
desde atores e atrizes de cinema e televisão extremamente bem remunerados até
intelectuais e escritores de renome mundial, que colocam seu labor criativo em
obras literárias — todos são completamente contrários à economia de mercado e ao
capitalismo. Eles são contra o processo
espontâneo e de interações voluntárias que ocorre de mercado. Eles querem controlar o resultado destas
interações. Eles são socialistas. Eles são de esquerda. Por que é assim?
Vocês, futuros empreendedores, têm de
entender isso e já irem se acostumando. Amanhã, quando estiverem no mercado,
gerenciando suas próprias empresas, vocês sentirão uma incompreensão diária e
contínua, um genuíno desprezo dirigido a vocês por toda a chamada intelligentsia,
a elite intelectual, aquele grupo de intelectuais que formam uma vanguarda. Todos estarão contra vocês.
"Por que razão eles agem assim?", perguntou-se
Bertrand de Jouvenel, que em seguida pôs-se a escrever um artigo explicando as
razões pelas quais os intelectuais — no geral e salvo poucas e honrosas
exceções — são sempre contrários ao processo de cooperação social que ocorre
no mercado.
Eis as três razões básicas fornecidas por de
Jouvenel.
Primeira, o desconhecimento. Mais especificamente, o desconhecimento
teórico de como funcionam os processos de mercado.
Como bem explicou Hayek, a ordem
social empreendedorial é a mais complexa que existe no universo. Qualquer pessoa que queira entender
minimamente como funciona o processo de mercado deve se dedicar a várias horas
de leituras diárias, e mesmo assim, do ponto de vista analítico,
conseguirá entender apenas uma ínfima parte das leis que realmente governam os
processos de interação espontânea que ocorrem no mercado.
Este trabalho deliberado de análise para se
compreender como funciona o processo espontâneo de mercado — o qual só a
teoria econômica pode proporcionar — desgraçadamente está completamente
ausente da rotina da maior parte dos intelectuais.
Intelectuais normalmente são egocêntricos e
tendem a se dar muita importância; eles genuinamente creem que são estudiosos
profundos dos assuntos sociais. Porém, a
maioria é profundamente ignorante em relação a tudo o que diz respeito à
ciência econômica.
A segunda razão, a soberba. Mais
especificamente, a soberba do falso racionalista.
O intelectual genuinamente acredita que é
mais culto e que sabe muito mais do que o resto de seus concidadãos, seja
porque fez vários cursos universitários ou porque se vê como uma pessoa
refinada que leu muitos livros ou porque participa de muitas conferências ou
porque já recebeu alguns prêmios. Em
suma, ele se crê uma pessoa mais inteligente e muito mais preparada do que o
restante da humanidade. Por agirem assim,
tendem a cair no pecado fatal da arrogância ou da soberba com muita facilidade.
Chegam, inclusive, ao ponto de pensar que
sabem mais do que nós mesmos sobre o que devemos fazer e como devemos
agir. Creem genuinamente que estão
legitimados a decidir o que temos de fazer. Riem dos cidadãos de ideias mais simplórias e mais práticas. É uma ofensa à sua fina sensibilidade
assistir à televisão. Abominam anúncios
comerciais. De alguma forma se
escandalizam com a falta de cultura (na concepção deles) de toda a
população. E, de seus pedestais, se
colocam a pontificar e a criticar tudo o que fazemos porque se creem moral e
intelectualmente acima de tudo e todos.
E, no entanto, como dito, eles sabem muito
pouco sobre o mundo real. E isso é um
perigo. Por trás de cada intelectual há
um ditador em
potencial. Qualquer
descuido da sociedade e tais pessoas cairão na tentação de se arrogarem a si
próprias plenos poderes políticos para impor a toda a população seus peculiares
pontos de vista, os quais eles, os intelectuais, consideram ser os melhores, os
mais refinados e os mais cultos.
É justamente por causa desta ignorância, desta
arrogância fatal de pensar que sabem mais do que nós todos, que são mais cultos
e refinados, que não devemos estranhar o fato de que, por trás de cada grande ditador
da história, por trás de cada Hitler e Stalin, sempre houve um corte de
intelectuais aduladores que se apressaram e se esforçaram para lhes conferir
base e legitimidade do ponto de vista ideológico, cultural e filosófico.
E a terceira e extremamente importante
razão, o ressentimento e a inveja. O intelectual é geralmente uma pessoa profundamente ressentida. O intelectual se encontra em uma situação de
mercado muito incômoda: na maior parte das circunstâncias, ele percebe que o
valor de mercado que ele gera ao processo produtivo da economia é bastante
pequeno.
Apenas pense nisso: você
estudou durante vários anos, passou vários maus bocados, teve de fazer o grande
sacrifício de emigrar para Paris, passou boa parte da sua vida pintando quadros
aos quais poucas pessoas dão valor e ainda menos pessoas se dispõem a
comprá-los. Você se torna um
ressentido. Há algo de muito podre na
sociedade capitalista quando as pessoas não valorizam como deve os seus
esforços, os seus belos quadros, os seus profundos poemas, os seus refinados
artigos e seus geniais romances.
Mesmo aqueles intelectuais que conseguem
obter sucesso e prestígio no mercado capitalista nunca estão satisfeitos com o
que lhes pagam. O raciocínio é sempre o
mesmo: "Levando em conta tudo o que faço como intelectual, sobretudo levando em
conta toda a miséria moral que me rodeia, meu trabalho e meu esforço não são
devidamente reconhecidos e remunerados. Não posso aceitar, como intelectual de prestígio que sou, que um
ignorante, um parvo, um inculto empresário ganhe 10 ou 100 vezes mais do que eu
simplesmente por estar vendendo qualquer coisa absurda, como carne bovina,
sapatos ou barbeadores em um mercado voltado para satisfazer os desejos
artificiais das massas incultas."
"Essa é uma sociedade injusta", prossegue o
intelectual. "A nós intelectuais não é
pago o que valemos, ao passo que qualquer ignóbil que se dedica a produzir algo
demandado pelas massas incultas ganha 100 ou 200 vezes mais do que eu". Ressentimento e inveja.
Segundo Bertrand de Jouvenel,
O mundo dos negócios
é, para o intelectual, um mundo de valores falsos, de motivações vis, de
recompensas injustas e mal direcionadas . . . para ele, o prejuízo é resultado
natural da dedicação a algo superior, algo que deve ser feito, ao passo que o
lucro representa apenas uma submissão às opiniões das massas.
[...]
Enquanto o homem
de negócios tem de dizer que "O cliente sempre tem razão", nenhum intelectual
aceita este modo de pensar.
E prossegue de Jouvenel:
Dentre todos os
bens que são vendidos em busca do lucro, quantos podemos definir resolutamente
como sendo prejudiciais? Por acaso não
são muito mais numerosas as ideias prejudiciais que nós, intelectuais,
defendemos e avançamos?
Conclusão
Somos humanos, meus caros. Se ao ressentimento e à inveja acrescentamos
a soberba e a ignorância, não há por que estranhar que a corte de homens e
mulheres do cinema, da televisão, da literatura e das universidades —
considerando as possíveis exceções — sempre atue de maneira cega, obtusa e
tendenciosa em relação ao processo empreendedorial de mercado, que seja
profundamente anticapitalista e sempre se apresente como porta-voz do
socialismo, do controle do modo de vida da população e da redistribuição de renda.