quarta-feira, 20 fev 2013
Na
Suíça de hoje, parece que os relógios são os únicos que se portam
previsivelmente. Ao longo dos últimos
quatro anos, políticos suíços e seu Banco Central passaram a comprar reservas
internacionais a um ritmo sem precedentes.
Em 2012, as reservas internacionais do país, formadas por várias moedas,
já totalizavam US$420 bilhões. A moeda
mais volumosa em suas reservas é o euro.
Este montante é sete vezes maior do que o de 2008, e equivale a 70% do
PIB anual do país. Tal soma equivale a
US$200.000 para cada família suíça de quatro pessoas.
As
autoridades suíças alegarão que o dinheiro foi "investido" visando ao futuro,
mas o que elas de fato fizeram foi empobrecer todo o país no presente. Embora tal decisão pareça perversa, ela faz
perfeito sentido quando vista através da lente daquilo que hoje passou a ser o
pensamento econômico dominante.
Durantes
suas últimas gerações, a Suíça desfrutou um dos mais robustos fundamentos
econômicos do mundo. O país ostenta uma
alta taxa de poupança, baixos impostos, um vibrante setor exportador, uma baixa
razão dívida/PIB, e um orçamento governamental equilibrado. E, antes dos últimos dois anos, uma das mais
responsáveis políticas monetárias do mundo.
Estes atributos tornaram o franco suíço um dos poucos "portos seguros"
do mundo. Porém, na economia global
atual, os sensatos não têm vez.
Os
principais bancos centrais do mundo, particularmente aqueles localizados em
Washington, Frankfurt, Londres e Tóquio, se entregaram gostosamente a uma
maciça e coordenada campanha de desvalorização de suas moedas para combater a
recessão. No entanto, por alguns anos os
suíços se recusaram a se juntar a essa marcha da insensatez. Como consequência, os investidores ao redor do
mundo sabiamente decidiram proteger sua poupança comprando o confiável franco
suíço. De dezembro de 2008 a agosto de
2011, o franco suíço se apreciou assombrosos 59% em relação ao dólar americano
e aproximadamente 30% em relação ao iene japonês. Ainda mais importante, o franco ganhou 42% em
relação ao euro. Dado que a zona do euro
literalmente cerca toda a Suíça, seu comércio com estes países representa a
esmagadora maioria de suas transações internacionais.
Durante
este acentuado processo de apreciação de sua moeda, a economia suíça continuou
prosperando. Os salários e o poder de
compra dos suíços aumentaram, e o PIB do país cresceu consistentemente mais do
que o de outros países da Europa ocidental.
Adicionalmente, a apreciação de sua moeda ajudou a conter a inflação de
preços, dando à Suíça uma taxa de inflação consistentemente baixa, com
ocorrências ocasionais de deflação de preços.
No
entanto, não obstante as majoritariamente positivas estatísticas do setor
exportador, alguns exportadores suíços começaram a reclamar que, em
determinados momentos, um franco suíço robusto os colocava em desvantagem em
relação aos concorrentes internacionais.
E, como em qualquer outro país do mundo, o setor exportador possui um
lobby poderoso. E o Banco Central suíço,
assim como os principais bancos centrais do mundo, possui seu ranço
mercantilista. Logo, embora a Suíça
fosse uma ilha de saúde em meio a um mar de problemas, a nova ortodoxia
econômica dominante convenceu as autoridades suíças de que sua moeda forte era
não uma benção mas sim um fardo. Mais
especificamente, a apreciação do franco era vista como um repúdio às políticas
monetárias expansionistas que estavam ocorrendo em todos os outros países. E então, repentinamente, o governo suíço
decidiu se juntar à farra da destruição da moeda.
No
início de agosto de 2011, o Banco Central suíço adotou uma série de medidas
para reverter a apreciação do franco. Em
termos simples, ele começou a imprimir francos para comprar moedas
estrangeiras, mais notavelmente o euro.
O anúncio incluía a promessa de comprar quantias ilimitadas de moeda
estrangeira com o intuito de manter um piso de 1,20 francos por euro. Em outras palavras, o Banco Central suíço
estava dizendo que faria a política monetária que fosse necessária para impedir
que sua moeda continuasse se valorizando.
Ao fazer isso, os suíços essencialmente terceirizaram sua política
monetária para a zona do euro. Qualquer
medida expansionista feita pelo Banco Central Europeu teria de ser imitada pelo
Banco Central suíço. Ironicamente, era
justamente o medo desta perda de soberania monetária que fez com que os suíços
se recusassem a adotar o euro. Não
obstante a milenar tradição de independência e neutralidade do país, os suíços
acabaram, em vias indiretas, adotando o euro.
Desde
aquela data, o franco suíço já se desvalorizou 16% em relação ao dólar, as
reservas suíças explodiram, e os investidores estrangeiros que compraram
francos como meio de fugir da desvalorização de suas moedas foram traídos.
Nações
de economia robusta e mão-de-obra produtiva geram bens e serviços em excesso em
relação ao volume que é demandado pela população nacional, o que permite que
este excedente seja exportado sem prejudicar a qualidade de vida da
população. Esta robustez e estabilidade
econômica atrai investimentos estrangeiros.
Tais fundamentos econômicos tendem a aumentar a demanda pela moeda deste
país, o que significa uma apreciação de sua taxa de câmbio. Uma moeda forte mantém baixos os custos dos
insumos e dos bens de capital, o que permite que os trabalhadores produtivos
ganhem salários reais cada vez
maiores.
Entretanto,
de acordo com a maioria dos economistas, ter uma moeda forte é algo trágico
para uma economia porque irá destruir a competitividade internacional deste
país e poderá — pavor dos pavores — gerar uma deflação de preços, algo que
eles veem como uma areia movediça. Foram
estes temores que deram início à "guerra cambial global", em que os países
estão destruindo suas poupanças para garantir que suas moedas se mantenham
baratas, para deleite dos exportadores.
Na lógica econômica atual, temos de fracassar para sermos bem-sucedidos.
Mas
é muito fácil ter uma moeda fraca. Basta
uma ilimitada disposição para imprimir dinheiro. Já uma moeda forte requer uma grande disciplina
fiscal e uma genuína capacidade produtiva.
No entanto, como naqueles programas de TV em que as pessoas têm de
perder peso, economistas acreditam que o vencedor de uma guerra cambial é o
maior perdedor. Você vence não por ter
eliminado seus concorrentes, mas por ter se suicidado! É como um estudante convencendo seus pais de
que tirar 3 é melhor do que tirar 10. E
se um boletim escolar repleto de notas baixas começa a gerar elogios paternos
em vez de reprimendas, os estudantes perderão qualquer incentivo para melhorar
seus desempenhos. Similarmente, se
nações aplicadas como a Suíça começam a se esforçar para reduzir suas próprias
notas, as outras nações mais relaxadas terão ainda menos incentivos para alterar
seus hábitos de estudo. Se as nações
mais disciplinadas não entrassem nessa guerra cambial e não depreciassem suas
moedas, aquelas nações que estão destruindo suas moedas veriam uma enorme
escalada nos preços de seus bens de consumo.
A resultante queda no padrão de vida obrigaria várias reformas
estruturais e produtivas.
Estou
naquela posição minoritária que acredita que, assim como é melhor ser rico a
ser pobre, uma moeda forte é preferível a uma moeda fraca. Embora vários economistas renomados estejam
se empenhando para criar confusão nesta discussão, o fato é que a falácia de um
argumento pode ser vista quando sua lógica é levada a extremos. Se uma moeda mais fraca é preferível a uma
mais forte, então a lógica nos levaria a concluir que uma moeda sem valor
nenhum será preferível a uma moeda de valor infinito. Seria preferível, por exemplo, ter uma cédula
de $1.000.000 que não compra absolutamente nada a ter uma moedinha de $0,01 que
compra um automóvel.
E
como funcionariam economias com moedas tão drasticamente diferentes assim?
É
verdade que o país com a moeda de valor zero tenderia a apresentar pleno
emprego e robustas exportações.
Óbvio. Com o custo da mão-de-obra
relativamente baixo, a população poderia ser facilmente empregada até mesmo nas
mais inúteis atividades. E pelo fato de
a população não possuir poder de compra nenhum, todo e qualquer produto seria
exportado para aqueles países cuja população possui uma moeda com maior poder
de compra. Adicionalmente, as
importações seriam nulas, pois a população local seria incapaz de adquirir
qualquer coisa produzida em outros países de moeda mais forte. Como consequência, o nível de consumo neste
país seria extremamente baixo e o padrão de vida desta população seria
lamentável. Essencialmente, essa
economia seria parecida com aquelas economias pobres que funcionam em nível de
subsistência, como as da Bolívia, do Zimbábue e do Haiti.
Por
outro lado, um país com uma moeda de valor infinito vivenciaria o melhor dos
mundos possíveis. Mesmo a mais ínfima
quantidade de dinheiro permitiria a seus cidadãos comprarem volumosas quantias
de bens estrangeiros. O dinheiro ganhado
em um bico qualquer, como trabalhar de babá por apenas uma tarde, daria mais
poder de compra do que meses de trabalho duro em países mais pobres. A moeda forte permitiria que o consumo
aumentasse ao mesmo tempo em que as horas de trabalho diminuíssem. A poupança aumentaria continuamente de valor,
as pessoas poderiam viajar com cada vez mais frequência e dedicar muito mais
tempo ao lazer. Essencialmente, é assim
que funciona uma economia rica.
Quando
vista sob esta perspectiva, é fácil entender por que os defensores da ortodoxia
dominante fogem ao debate. Aqueles que
acreditam nos benefícios de uma moeda fraca nunca especificam quando uma moeda
em depreciação se torna algo ruim. É
óbvio que tem de haver um ponto de virada, um ponto em que a perda do poder de
compra passa a sobrepujar os supostos ganhos em crescimento econômico e
emprego. No entanto, há apenas silêncio
em relação a isso. já a minha posição é
que uma moeda em contínua apreciação sempre será algo bom. Neste quesito, nenhum ponto de virada precisa ser identificado.
O
problema é que os economistas politicamente corretos de hoje acreditam que o
objetivo de uma economia é fornecer emprego a todos, e não produzir bens e
serviços de qualidade e em
abundância. Eles veem
um emprego como o objetivo final de tudo, e não como um meio que possibilita às
pessoas produzir coisas genuinamente demandadas, e cuja remuneração por este
serviço genuíno permitirá que elas possam obter o que querem. Ademais, se podemos conseguir tudo o que
queremos sem ter de trabalhar muito, por que se importar com empregos? Uma moeda forte nos leva para o mais próximo
possível deste ideal. O fato de este
objetivo ter sido amplamente esquecido mostra com perfeição a miséria
intelectual da atual "ciência" econômica.
E
é justamente esse tipo de ciência tosca que está aniquilando o crescimento real
do mundo. Enquanto essa ideologia do
"preto é branco" continuar prosperando, os maiores depreciadores continuarão a ser
os maiores perdedores reais.
Leia também: Uma moeda forte poderia trazer desvantagens para os brasileiros?