Qual
é a definição técnica de estado? O que
uma instituição deve ser capaz de fazer para ser classificado como um
estado?
Essa
instituição deve ser capaz de fazer com que todos os conflitos entre os
habitantes de um dado território sejam trazidos a ela para que tome a decisão
suprema ou para que dê sua análise final. Mais ainda: deve ser capaz de fazer
com que todos os conflitos envolvendo ela própria sejam
decididos por ela ou por seus funcionários.
Implícito
no poder que esse agente tem de proibir todos os outros de agirem como juiz
supremo está, como a segunda característica definidora de um estado, o poder de
tributar: para determinar unilateralmente o preço que aqueles que recorrem à
justiça devem pagar por seus serviços.
Baseando-se
nessa definição de estado, é fácil entender por que existe um desejo de se
controlar um estado. Pois quem quer que detenha o monopólio da arbitragem
final dentro de um dado território pode fazer as leis. E
aquele que pode legislar, inclusive em causa própria, pode
também tributar. Certamente, essa é uma posição invejável.
A
partir do momento em que passa a existir uma instituição que detenha o
monopólio da tomada suprema de decisões para todos os casos de conflito, essa instituição também irá definir quem está certo e quem
está errado em casos de conflito em que os próprios membros desta instituição
estejam envolvidos. Ou seja, ela não apenas é a instituição que decide quem
está certo ou errado em conflitos entre terceiros, como ela também é a
instituição que irá decidir quem está certo ou errado em casos em que seus
próprios membros estejam envolvidos.
Uma
vez que você percebe isso, então se torna imediatamente claro que tal
instituição não apenas pode, por si mesma, provocar conflitos com cidadãos
comuns para em seguida decidir a seu favor quem está certo e quem está errado,
como também pode perfeitamente absolver todos os seus membros que porventura
tenham sido flagrados em
delito. Isso pode ser
exemplificado particularmente por instituições como o Supremo Tribunal Federal.
Se um indivíduo incorrer em algum
conflito com uma entidade governamental, ou se algum membro do aparato estatal
for flagrado em delito, o tomador supremo da decisão — aquele que vai decidir
sobre a culpa dos envolvidos — será o Supremo Tribunal, que nada mais é do que
o núcleo da própria instituição que está em julgamento.
Assim,
é claro, será fácil prever qual será o resultado da arbitração desse conflito:
o estado sempre estará certo.
Consequentemente, é fácil perceber a falácia fundamental presente na
construção de uma instituição como o estado.
Murray
Rothbard certa vez descreveu o estado como uma gangue de ladrões em larga
escala. E se você observar bem verá que há um vasto esforço de propaganda
feito pelo estado e por aqueles em sua folha de pagamento — ou por aqueles que
gostariam de estar em sua folha de pagamento — para nos convencer de que é perfeitamente
legítimo que uma organização essencialmente parasítica viva à nossa custa
mantendo um alto padrão de vida, que ela nos mate (com sua polícia
despreparada), que ela nos roube com seus impostos, que ela nos convoque
compulsoriamente para o serviço militar e que ela controle totalmente nosso
modo de vida.
A
motivação fundamental daqueles que defendem o estado é saber que, uma vez dentro
da máquina pública, eles terão acesso a gordos salários, empregos estáveis e
uma aposentadoria integral. Aqueles que estão fora do serviço público defendem
o estado por saber que ele lhes dará vantagens em qualquer barganha sindical.
Além desses cidadãos, há também empresários que defendem o estado. Estes estão
pensando em subsídios e garantias governamentais, contratos polpudos para obras
públicas e no uso geral do governo para alimentar seus amigos e enfraquecer
seus concorrentes. O estado, para eles, é garantia de riqueza.
Em
todo e qualquer lugar, o estado sempre se resume a ganhar à custa de outros.
Não houve qualquer avanço nessa realidade. Podemos mudar as definições e alegar
que, porque votamos, estamos nos governando a nós mesmos. Mas isso não altera a
essência do problema moral do estado: tudo que ele tem e arrecada, ele adquire por meio da
coerção e intimidação de cidadãos inocentes.
A insustentável defesa do estado
O
mais sofisticado argumento em favor do estado deve ser brevemente
examinado. Desde Hobbes, este argumento tem sido repetido
incessantemente. Funciona assim: no estado natural das coisas, antes do
estabelecimento de um estado, sobejam os conflitos permanentes. Todos
alegam ter direito a tudo, o que resulta em guerras intermináveis. Não há
como sair dessa situação instável por meio de acordos; pois afinal quem
iria fazer cumprir esses acordos? Sempre que a situação
se mostrasse vantajosa, um ou ambos os lados iriam quebrar o acordo.
Logo, as pessoas reconheceram que há somente uma solução para o desideratum da
paz: o estabelecimento, por consentimento, de um estado — isto é, de uma
entidade externa e independente, que assumiria a função de fiscal e juiz
supremo.
Porém,
se essa tese está correta, e os acordos requerem um fiscal externo que os torne
vinculantes, então um estado criado por consentimento nunca poderá
existir. Pois, para fazer cumprir o próprio acordo do qual resultará a
formação de um estado (tornar esse mesmo acordo vinculante), um outro fiscal
externo, um estado anterior, já teria de existir. E para que esse estado
tenha podido existir, um outro estado anterior a ele deveria ter sido
postulado, e assim por diante, em uma regressão infinita.
Por
outro lado, se aceitarmos que estados existem (e é claro que eles existem),
então esse próprio fato contradiz a história hobbesiana. O estado em si
surgiu sem a existência de qualquer fiscal externo.
Presumivelmente, na época do suposto acordo, nenhum estado anterior existia
para arbitrar esse acordo. Ademais, uma vez que um estado criado por
consentimento passa a existir, a ordem social resultante continua sendo
autoimposta. Sem dúvidas, se A e B concordam em algo, esse acordo é
tornado vinculante por uma entidade externa. Entretanto, o próprio estado não
está vinculado da mesma forma a um fiscal externo. Não existe
absolutamente nenhuma entidade externa para mediar conflitos entre agentes do
estado e súditos do estado; da mesma forma, não há nenhuma entidade externa
para mediar conflitos entre os próprios agentes do estado ou as próprias
agências do estado.
Sempre
que houver acordos feitos entre o estado e seus cidadãos, ou entre uma
agência do estado e outra agência, tais acordos serão mediados apenas
pelo próprio estado. O estado não está vinculado a nada exceto às
suas autoimpostas regras, isto é, às restrições que ele se impõe a si
mesmo. Em relação a si próprio, o estado ainda está no estado natural de
anarquia caracterizada pela autofiscalização e pelo autocontrole, pois não há
na hierarquia um estado superior que possa vinculá-lo a algo.
Mais
ainda: se aceitarmos a ideia hobbesiana de que a fiscalização de regras
mutuamente consentidas requer um agente externo independente, isso por si só
iria descartar a hipótese da criação de um estado. De fato, tal ideia
constitui um argumento conclusivo contra a instituição de um
estado, isto é, de um monopolista da arbitração e da decisão
suprema. Pois teria de existir uma entidade independente para arbitrar
todos os casos que envolvessem algum agente do estado e eu (um cidadão privado),
ou que envolvessem apenas agentes do estado.
Da
mesma forma, teria de haver uma entidade independente para todos os casos que
envolvessem conflitos intraestado (e teria de haver uma outra entidade
independente para o caso de conflitos entre várias entidades
independentes). Porém isso significa, é claro, que tal estado (ou
qualquer entidade independente) não seria um estado no sentido por mim definido
lá no princípio, mas simplesmente uma de várias agências arbitradoras de
conflitos, operando em ambiente de livre concorrência.
O que leva os piores ao poder
Em
uma democracia, a entrada no aparato governamental é livre. Qualquer um pode se tornar presidente,
primeiro-ministro, senador, deputado, prefeito, vereador etc. No entanto, liberdade de entrada nem sempre é
algo bom. Liberdade de entrada e livre concorrência na produção de bens é
algo positivo, porém livre concorrência na produção de maus é
algo negativo. Que tipo de "empreendimento" é o governo?
Resposta: ele não é um produtor convencional de bens que serão vendidos a
consumidores voluntários. Ao contrário: trata-se de um "negócio"
voltado para a expropriação — por meio de impostos e inflação monetária (que
nada mais é do que falsificação de dinheiro) — e receptação de bens
roubados. Por conseguinte, liberdade de entrada no governo não tem o
efeito de melhorar algo bom. Pelo contrário: torna as coisas piores do
que más, isto é, aprimora o mal.
Dado
que o homem é como ele é, em todas as sociedades existem pessoas que cobiçam a
propriedade de outros. Algumas pessoas são mais afligidas por esse
sentimento do que outras, mas os indivíduos normalmente aprendem a não agir de
acordo com tal sentimento, ou até mesmo chegam a se sentir envergonhados por
possuí-lo. Geralmente, somente alguns poucos indivíduos são incapazes de
suprimir com êxito seu desejo pela propriedade alheia, e são tratados como criminosos
por seus semelhantes e reprimidos pela ameaça de punição física.
Quando
a entrada no aparato governamental é livre, qualquer um pode expressar
abertamente seu desejo pela propriedade alheia. O que antes era
considerado imoral e era adequadamente suprimido, agora passa a ser considerado
um sentimento legítimo. Todos agora podem cobiçar abertamente a
propriedade de outros em nome da democracia; e todos podem agir de acordo com
esse desejo pela propriedade alheia, desde que ele já tenha conseguido entrar
no governo. Assim, em uma democracia, qualquer um pode legalmente se
tornar uma ameaça.
Consequentemente,
sob condições democráticas, o popular — embora imoral e anti-social — desejo
pela propriedade de outro homem é sistematicamente fortalecido. Toda e qualquer
exigência passa a ser legítima, desde que seja proclamada publicamente.
Em nome da "liberdade de expressão", todos são livres para exigir a
tomada e a consequente redistribuição da propriedade alheia. Tudo pode
ser dito e reivindicado, e tudo passa a ser de todos. Nem mesmo o mais
aparentemente seguro direito de propriedade está isento das demandas
redistributivas.
Pior:
em decorrência da existência de eleições em massa, aqueles membros da sociedade
com pouca ou nenhuma inibição em relação ao confisco da propriedade de
terceiros — ou seja, amorais vulgares que possuem enorme talento em agregar
uma turba de seguidores adeptos de demandas populares moralmente desinibidas e
mutuamente incompatíveis (demagogos eficientes) — terão as maiores chances de
entrar no aparato governamental e ascender até o topo da linha de
comando. Daí, uma situação ruim se torna ainda pior.
A
seleção de regentes governamentais por meio de eleições populares faz com que
seja praticamente impossível uma pessoa boa ou inofensiva chegar ao topo da
linha de comando. Políticos são escolhidos em decorrência de sua
comprovada eficiência em serem demagogos moralmente desinibidos. Assim, a
democracia virtualmente garante que somente os maus e
perigosos cheguem ao topo do governo.
Nesse
cenário, as pessoas passam a desenvolver a habilidade de mobilizar apoio
público em favor de suas próprias posições e opiniões, utilizando-se de
artifícios como demagogia, poder de persuasão retórica, promessas, esmolas e
ameaças. Quanto mais alto você olhar para uma hierarquia estatal, mais
você encontrará pessoas excessivamente incompetentes para fazer o trabalho que
supostamente deveriam fazer. Não é nenhum obstáculo para a carreira de um
político ser imbecil, indolente, ineficiente e negligente. Ele só precisa
ter boas habilidades políticas. Isso também contribui para o
empobrecimento da sociedade.
Com
efeito, como resultado da livre concorrência política e da liberdade de escolha
das massas, aqueles que ascendem irão se tornar indivíduos progressivamente maus
e perigosos.
Nada
seria melhor do que apenas citar as palavras de H.L.
Mencken.
Os políticos raramente, se nunca, são eleitos apenas por
seus méritos — pelo menos, não em uma democracia. Algumas vezes, sem
dúvida, isso acontece, mas apenas por algum tipo de milagre. Eles
normalmente são escolhidos por razões bastante distintas, a principal delas
sendo simplesmente o poder de impressionar e encantar os intelectualmente
destituídos.
Será que algum deles iria se arriscar a dizer a verdade,
somente a verdade e nada mais que a verdade sobre a real situação do país,
tanto em questões internas quanto externas? Algum deles irá se abster de
fazer promessas que ele sabe que não poderá cumprir — que nenhum ser
humano poderia cumprir? Irá algum deles pronunciar uma
palavra, por mais óbvia que seja, que possa alarmar ou alienar a imensa turba
de idiotas que se aglomeram ao redor da possibilidade de usufruir uma teta que
se torna cada vez mais fina? Resposta: isso pode acontecer nas primeiras
semanas do período eleitoral, mas não após a disputa já ter ganhado atenção
nacional e a briga já estiver séria.
Eles todos irão prometer para cada homem, mulher e criança
no país tudo aquilo que estes quiserem ouvir. Eles todos sairão
percorrendo o país à procura de chances de tornar os ricos pobres, de remediar
o irremediável, de socorrer o insocorrível, e de organizar o inorganizável.
Todos eles irão curar as imperfeições apenas proferindo palavras contra elas, e
irão resolver todos os problemas com dinheiro que ninguém mais precisará
ganhar, pois já estaremos vivendo na abundância. Quando um deles disser
que dois mais dois são cinco, algum outro irá provar que são seis, sete e meio,
dez, vinte, n.
Em suma, eles irão se despir de sua aparência sensata,
cândida e sincera e passarão a ser simplesmente candidatos a cargos públicos,
empenhados apenas em capturar votos. Nessa altura, todos eles já saberão —
supondo que até então não sabiam — que, em uma democracia, os votos são
conseguidos não ao se falar coisas sensatas, mas sim ao se falar besteiras; e
todos eles dedicar-se-ão a essa faina com vigoroso entusiasmo. A maioria
deles, antes do alvoroço estar terminado, passará realmente a acreditar em sua
própria honestidade. O vencedor será aquele que prometer mais com a menor
possibilidade de cumprir o mínimo.
Conclusão
O
esfacelamento das instituições e um colapso econômico não levam automaticamente
a melhorias. As coisas podem piorar em vez de melhorar. O que é
necessário são ideias — ideias corretas — e homens capazes de entendê-las e
implementá-las tão logo surja a oportunidade. Em última instância, o
curso da história é determinado pelas ideias, sejam elas verdadeiras ou falsas,
e por homens atuando sobre — e sendo inspirados por — ideias verdadeiras ou
falsas.
A
atual bagunça também é resultado de ideias. É o resultado da aceitação
avassaladora, pela opinião pública, da ideia da democracia. Enquanto essa
aceitação prevalecer, uma catástrofe será inevitável, e não haverá esperança de
melhorias mesmo após sua consumação. Por outro lado, uma vez que a ideia
da democracia seja reconhecida como falsa e malévola — e ideias podem, em
princípio, ser mudadas quase que instantaneamente — uma catástrofe pode ser
evitada.
A
principal tarefa aguardando aqueles que querem mudar as coisas e impedir um
completo colapso é a 'deslegitimização' da ideia da democracia, apontando-a
como a raiz do presente estado de progressiva 'descivilização'. Para esse
propósito, deve-se começar apontando a dificuldade de se achar muitos
proponentes da democracia na história da teoria política. Quase todos os
grandes pensadores tinham verdadeiro desdém pela democracia. Mesmo os
Pais Fundadores dos EUA, atualmente um país considerado o modelo de democracia,
se opunham estritamente a ela. Sem uma única exceção, eles viam a
democracia como sendo nada mais do que uma oclocracia. Eles se
consideravam membros de uma 'aristocracia natural', e, em vez de uma
democracia, eles defendiam uma república aristocrática.
Ademais,
mesmo entre os poucos defensores teóricos da democracia, como Rousseau, por
exemplo, é praticamente impossível encontrar alguém que defenda que a
democracia seja expandida para além de comunidades extremamente pequenas
(vilarejos ou cidades). De fato, nas pequenas comunidades, onde todo
mundo conhece todo mundo pessoalmente, a maioria das pessoas reconhece que a
posição dos 'abonados' é normalmente baseada em suas superiores conquistas
pessoais, assim como a posição dos 'desprovidos' é explicada por sua
inferioridade e deficiências pessoais. Sob essas circunstâncias, é muito
mais difícil se safar tentando despojar as outras pessoas de sua propriedade
para benefício próprio. Em distinto contraste, nos grandes territórios
que abarcam milhões ou mesmo centenas de milhões de pessoas, em que os
potenciais saqueadores não conhecem suas vítimas, e vice versa, o desejo humano
de se enriquecer a si próprio à custa de terceiros não está sujeito a quase
nenhuma contenção.
Ainda
mais importante, é preciso deixar claro novamente que a ideia de democracia
é imoral e antieconômica. Quanto ao status
moral do governo da maioria, devemos mostrar que tal arranjo permite que A e B
se unam para espoliar C, C e A por sua vez se juntem para pilhar B, e então B e
C conspirem contra A etc. Isso não é justiça e sim uma afronta
moral. E em vez de tratar a democracia e os democratas com respeito, eles
deveriam ser tratados com aberto desprezo e ridicularizados como as fraudes
morais que são.
Por
outro lado, em relação à qualidade moral da democracia, deve-se enfatizar
inflexivelmente que não é a democracia, mas sim a propriedade privada, a
produção e as trocas voluntárias as fontes supremas da civilização humana e da
prosperidade.
A
propriedade privada é tão incompatível com a democracia quanto o é com qualquer
outra forma de domínio político. Em vez de democracia, tanto a justiça
quanto a eficiência econômica requerem uma sociedade pura e
irrestritamente baseada na propriedade privada.