quarta-feira, 16 out 2013
Os
inimigos do livre mercado adoram estereotipar o liberalismo como sendo uma
ideologia totalmente a soldo dos interesses dos empresários, sobretudo do
grande empresariado. De maneira
caracteristicamente conspiratória, eles se apressam em descrever o liberalismo
como sendo um conjunto de teses criadas ad
hoc para beneficiar a plutocracia: impostos baixos ou nulos, ausência de
leis trabalhistas, ausência de regulamentações sobre a economia, oposição à
tributação de quem já possui um elevado patrimônio, oposição às leis antitruste
etc.
Com
efeito, fazendo uma abordagem parcial e tendenciosa do assunto, a hipótese
de fato parece verossímil. No entanto, ao
se esquadrinhar mais detidamente a realidade, é possível constatar que este
ataque não possui absolutamente nenhum fundamento.
Para
começar, o liberalismo é simplesmente uma filosofia que defende aqueles
princípios normativos universais e simétricos que permitem que cada indivíduo
ou grupo de indivíduos possa satisfazer seus objetivos de maneira voluntária,
cooperativa e mutuamente benéfica para outros indivíduos. A materialização prática desta saudável
premissa implica que as relações humanas têm necessariamente de estar
coordenadas tendo por base o respeito à propriedade privada e aos contratos
voluntariamente firmados. Implica também
que nenhuma pessoa tem o direito de iniciar violência contra a propriedade
privada alheia e de se esquivar das responsabilidades que tenham assumido (o
não-cumprimento de um contrato). Por
conseguinte, é fácil constatar, desde o início, que não é plausível dizer que o
liberalismo está a serviço da classe empresarial, pois os direitos e deveres
fundamentais são os mesmos para todos os indivíduos, não importa quem sejam e
nem qual a posição social que ocupam.
Tendo
entendido isso, os inimigos do liberalismo recorrem à seguinte réplica:
se um liberal defende direitos e deveres simétricos para todos é porque ele sabe
que essa igualdade jurídica beneficia apenas os empresários, em detrimento do resto da
sociedade (por qualquer que seja o motivo: seja porque eles são mais hábeis,
ou mais preparados, ou mais ricos). Toda aquela
explicação delineada acima seria
apenas um subterfúgio para consolidar um regime de exploração empresarial. Afinal, não se pode tratar de maneira igual
aqueles que são diferentes.
Demonstrar
que o império jurídico da propriedade privada e dos contratos voluntários é
algo benéfico para todos iria alongar desnecessariamente a discussão; a este
respeito basta dizer que, se o mercado não é um jogo de soma
zero — e não é —,
então todos podem sair ganhando desta cooperação social, por mais que algumas
pessoas (as mais perspicazes) sejam capazes de obter mais benefícios desta
cooperação do que as outras pessoas. O
fato é que todas têm potencial para sair ganhando (umas mais; outras nem tanto). O objetivo deste artigo é refutar a hipótese
de que todas as propostas liberais são, no fundo, um mero disfarce dialético
criado para ajudar o empresário a lucrar impunemente.
Logo
de início, esta acusação se depara com um problema insolúvel: os interesses dos empresários não são nada
homogêneos. Por exemplo, dentro de
uma mesma área da economia, duas empresas podem competir e batalhar ferozmente
até que uma delas desapareça (por exemplo, duas empresas de telefonia celular
ou de sistemas operacionais). Dentro de
um mesmo sistema econômico, diferentes indústrias podem reproduzir esta feroz
concorrência para ganhar os clientes das outras (por exemplo, empresários que
fabricam computadores versus empresários que fabricam máquinas de escrever). Mais ainda: dentro da economia global, os
interesses gerais de alguns capitalistas podem estar em conflito com os
interesses de outros capitalistas (por exemplo, quando alguns especuladores
atacam as ações de uma empresa é evidente que os interesses dos especuladores
são absolutamente contrários ao interesses da empresa contra a qual eles estão
especulando).
Se
os liberais realmente querem defender acirradamente os interesses de
empresários e capitalistas, então eles inevitavelmente entrarão em colapso em
decorrência de um curto-circuito esquizofrênico. Afinal, exatamente os interesses de quais
empresários ou capitalistas eles irão defender a cada momento? Os que estão em melhor situação financeira? Não faria sentido, pois, dado que os liberais
coerentes defendem a concorrência livre e irrestrita, nada garante que este
empresário não venha um dia a perder sua boa situação financeira.
Com
efeito, dado que não há a mais mínima garantia de que todos os empresários
serão beneficiados em um sistema de livre concorrência, a lógica diz que a
maioria deles não terá motivos para
defender os princípios do liberalismo. E
a realidade é que o livre mercado beneficia apenas aqueles empresários
competentes, aqueles capazes de investir adequadamente seu capital de modo a
satisfazer, melhor do que seus concorrentes, as variadas e variáveis demandas
dos consumidores. E de satisfazer continuamente estas demandas.
O
livre mercado, portanto, é um arranjo bastante incerto, hostil e variável, no
qual poucos empresários podem se sentir permanentemente confortáveis. O que a grande maioria dos empresários
realmente deseja é que o estado lhes proteja da concorrência e lhes assegure
uma fatia garantida de lucro, que lhes permita desfrutar a vida sem dores de
cabeça e sem constantes preocupações acerca de como melhorar seus serviços aos
consumidores. O que os empresários
realmente desejam são tarifas protecionistas que os protejam da concorrência de
importados e agências reguladoras que cartelizem o mercado e impeçam a entrada
de novos concorrentes.
Se
os liberais estivessem a serviço do empresariado, suas principais
reivindicações consistiriam em exigir que o estado criasse regulações e
aumentasse seus gastos de forma a maximizar o lucro empresarial. Mas o que ocorre é justamente o oposto: os
liberais desejam abolir todas as regulações e todos os gastos estatais que
resultam em altos lucros para determinada casta corporativa.
Fazendo
uma lista nada exaustiva, os genuínos liberais se opõem às seguintes prebendas
tão ao gosto de vários empresários acomodados:
1) Políticas de preços mínimos, subsídios e
pacotes de socorro.
Em
um livre mercado, todas as empresas devem estar sujeitas aos desejos dos
consumidores. Isso implica que nenhum
empresário ou capitalista tem sua renda futura garantida. Suas rendas decorrerão exclusivamente de suas
capacidades de atender os desejos dos consumidores de forma mais satisfatória
que seus concorrentes. Este princípio, é
claro, não vale apenas para empresários e capitalistas, mas também para todos
os agentes econômicos (daí a tão difundida ideia de que somos "escravos do
mercado").
Consequentemente,
os liberais se opõem a todos os tipos de falcatruas estatistas criadas com o
intuito de burlar esta servidão dos empresários aos consumidores. Exemplos típicos destas falcatruas são as
políticas de preços mínimos (o estado compra as mercadorias de um empresário a
preços mais altos do que estão dispostos a pagar os consumidores), os subsídios
(os pagadores de impostos são obrigados a financiar um projeto empresarial com
o qual não necessariamente concordam), e os pacotes de socorro (empresas
falidas, que destruíram mais riqueza do que foram capazes de criar e que, de
acordo com os desejos claramente manifestados pelos consumidores — que não
mais compram seus produtos —, deveriam desaparecer, são salvas pelo governo).
Empresários
gostam de políticas de preços mínimos, de subsídios e de pacotes de socorro. Os liberais, não.
2) Barreiras de entrada ao mercado.
Se
o empresário deve, a todo o momento, servir o consumidor de forma mais
satisfatória que seus concorrentes, então é evidente que sua situação dentro da
economia de mercado está continuamente em perigo. Mesmo que ele não esteja
visualizando nenhuma ameaça ao seu domínio, isso não significa que ninguém
esteja preparando um plano de negócios que a curto, médio ou longo prazo
que termine por destroná-lo.
Exatamente
por isso, os empresários que já estão estabelecidos no mercado adoram todo e
qualquer tipo de barreiras de entrada que impeçam que outros empresários com
novas ideias os desbanquem. Os liberais,
por sua vez, se opõem a toda e qualquer regulamentação que bloqueie a livre
concorrência, exatamente porque é a livre concorrência que permite desbancar
empresários menos eficientes. Licenças,
burocracia, regulamentações que imponham opressivos custos iniciais, concessões
exclusivas e monopolistas, e até mesmo patentes — tudo isso é
combatido pelos liberais.
Empresários
já estabelecidos no mercado adoram restrições à concorrência. Os liberais as detestam.
3) Tarifas de importação, desvalorização
cambial e outras barreiras protecionistas
Outra
forma de proteção contra a concorrência são as tarifas de importação, as quotas
e outras barreiras protecionistas, como a desvalorização cambial. Este ferramental mercantilista blinda as
empresas nacionais contra a concorrência estrangeira, assegurando aos
empresários que se especializaram em atender o mercado interno a continuidade
de seu reinado.
Dado
o tamanho da economia mundial em relação a uma economia nacional qualquer,
basta apenas imaginar a enorme inquietação que sente um empresário nacional
quando, de repente, as barreiras comerciais são abolidas e ele se depara com
toda uma cornucópia de potenciais concorrentes estrangeiros. Daí que inúmeros empresários adoram o
protecionismo comercial e o câmbio desvalorizado, ao passo que os liberais
sempre foram marcadamente pró-livre comércio e pró-moeda forte.
Novamente,
empresários e liberais estão em lados completamente opostos.
4) Crédito artificialmente barato
Capitalistas
e empresários têm, e sempre tiveram, uma relação passional com o crédito
barato. Muitos empresários vendem a
maior parte de suas mercadorias a crédito (imóveis, eletrodomésticos, automóveis
etc.), de modo que, quanto mais crédito, mais vendas. Da mesma maneira, para montar uma empresa, ou
para multiplicar seus rendimentos, é necessário capital, e uma forma de obter
esse capital de maneira acessível é com empréstimos bancários artificialmente
baratos. Por sua vez, os empresários
provedores deste crédito artificialmente barato e abundante — os banqueiros —
também obtêm lucros extraordinários em decorrência de seu agora maior volume de
negócios.
Sendo
assim, quase todos os empresários adoram quando o governo, por meio de seu
Banco Central, fornece mais dinheiro aos bancos para que estes expandam o crédito
a custos mais baixos. E adoram ainda
mais quando o próprio governo, por meio de algum banco estatal de fomento,
fornece este crédito. Os liberais, ao
contrário, condenam as manipulações inflacionistas do crédito e, para acabar
com elas, chegam até mesmo a propor o abandono da moeda fiduciária e a abolição
destes monopólios estatais chamados Bancos Centrais, que tanto protegem e beneficiam
o sistema bancário.
Outro
ponto no qual empresários e liberais batem de frente.
5) Planos de estímulos e obras públicas
Uma
possível consequência das expansões creditícias é o endividamento estatal decorrente
de projetos faraônicos despropositados, como obras públicas megalomaníacas. Muitas destas obras são inventadas com o
intuito de gerar empregos e "estimular" a economia. As empresas adoram tais obras porque elas
incrementam suas receitas e seus lucros (não apenas aquelas que são diretamente
beneficiadas pelos contratos estatais, mas também aquelas que saem ganhando em
decorrência do estímulo temporal propiciado pelo aumento do gasto
agregado). Com efeito, tais obras
públicas nada mais são do que uma forma de subsídio e, como todos os subsídios,
elas são repudiadas frontalmente pelos liberais.
Outro
exemplo em que não há nenhuma coincidência de opiniões entre liberais e
empresários.
Conclusão
O
fato de os liberais defenderem um arranjo jurídico no qual os melhores
empresários podem prosperar e enriquecer não significa que estejam a serviço
destes, uma vez que, em tal arranjo, os empresários que forem ineficientes — e
que não podem recorrer aos privilégios e protecionismos estatais — estão
condenados ao fracasso. Mais ainda: nada
impede que os empresários bem sucedidos de hoje se transformem nos arruinados
de amanhã.
Os
liberais defendem este arranjo porque ele é o que melhor permite que todos
satisfaçam suas necessidades: os melhores empresários enriquecem somente após terem gerado muito valor para os
consumidores.
A
realidade, portanto, é exatamente o oposto do que parece: são os
intervencionistas, contrários ao liberalismo, que recorrem a todos os tipos de
argúcias estatistas para solapar a soberania do consumidor e, consciente ou
inconscientemente, encher os bolsos dos empresários protegidos pelo governo.