No
início deste mês, o principal jornal conservador da Argentina, o La Nación,
publicou um editorial
no qual comparava a economia da Argentina à da Venezuela. O editorial concluiu que, à medida que a
liberdade econômica vai encolhendo na Argentina, e à medida que a Argentina vai
adotando, em doses cada vez mais cavalares, aquilo que Hugo Chávez rotulou de
"socialismo do século XXI", o país vai se tornando cada vez mais parecido com a
Venezuela. A questão é: irá a Argentina vivenciar
o mesmo destino trágico da Venezuela, onde a pobreza está aumentando e itens
básicos como papel higiênico se tornaram artigos de luxo?
A
semelhança entre as regulamentações e os problemas econômicos que assolam ambos
os países é de fato notável, não obstante as óbvias diferenças entre os dois
países. E, ainda assim, quando os
argentinos são questionados a respeito destas similaridades, é comum ouvir
respostas do tipo "mas a Argentina não é a Venezuela; temos mais infraestrutura
e mais recursos".
O
problema é que mudanças institucionais definem o destino de um país apenas no
longo prazo. Elas não definem sua prosperidade
no curto prazo.
Imagine
que Cuba e Coréia do Norte se tornassem, da noite para o dia, os países mais
economicamente livres do mundo, com mercados plenamente livres e liberdades
civis totais. Isso bastaria? Embora os dois países houvessem adquirido
liberdades civis e econômicas imediatas, o fato é que eles ainda teriam de
acumular riqueza e desenvolver suas economias.
A mudança institucional afeta a situação política imediatamente, mas uma
nova economia requer tempo para adquirir forma.
Por exemplo, quando a China abriu parte de sua economia para os mercados
internacionais, o país começou a crescer economicamente. Hoje, estamos todos vendo os efeitos destas
décadas de relativa liberalização econômica.
É verdade que várias áreas da China ainda sofrem uma ausência de
liberdades significativas, mas o país seria muito diferente hoje caso houvesse
se recusado a mudar suas instituições décadas atrás.
O
mesmo ocorreria caso um dos mais ricos e desenvolvidos países do mundo
adotasse, da noite para o dia, instituições cubanas ou norte-coreanas. Sua riqueza e todo o seu capital acumulado
não desapareceriam em 24 horas. A
dilapidação do capital, embora seja um processo bem mais rápido do que sua
acumulação, não se dá de imediato. O
país deixaria de continuar acumulando capital e passaria meramente a consumir
seu capital, mas poderia demorar décadas para dilapidar toda a riqueza já
construída. Enquanto ainda houver
riqueza, o governo terá recursos para brincar de bolivarianismo — que é o
modelo de socialismo populista criado pelo governo da Venezuela — ao mesmo
tempo em que continua usufruindo a riqueza, as rodovias, a infraestrutura
elétrica e as redes de comunicação já existentes, as quais foram resultado das instituições
mais pró-mercado que existiram no passado.
Com
o tempo, no entanto, as rodovias começam a se deteriorar por falta de
manutenção e investimentos (ou os trens começam a se acidentar gravemente,
matando dezenas de passageiros), o setor energético começa a apresentar falhas
contínuas e graves, a importação de energia se torna inevitável, e as redes de
comunicação ficam obsoletas. Em outras
palavras, todo o populismo econômico é financiado por recursos acumulados por
instituições não-populistas, e ele irá durar enquanto houver riqueza a ser
dilapidada.
De
acordo com o ranking de liberdade
econômica do Fraser Institute, a Argentina estava na 32º posição no ano
2000. Em 2011, no entanto, a Argentina
já havia despencado para a 137ª posição, próxima a países como Equador, Mali,
China, Nepal, Gabão e Moçambique. Não há
dúvidas de que a Argentina usufrui uma taxa de desenvolvimento e de riqueza
maior que a desses outros países. Mas
será que tal situação perdurará pelos próximos 20 ou 30 anos? A presidente argentina já afirmou que
gostaria que a Argentina fosse um país como a Suíça ou a Alemanha, mas o problema
é que o caminho para se tornar parecido com a Suíça ou com a Alemanha envolve a
adoção de instituições iguais às suíças e alemãs, e não a adoção de instituições
venezuelanas, que é o que a Argentina está fazendo.
O
grande problema — que ajudou a perpetuar o atual modelo — foi o fato de que,
quando as instituições venezuelanas foram inicialmente adotadas na Argentina,
isso coincidiu com uma alta taxa de crescimento econômico. Mas estas taxas de crescimento, no entanto,
são bastante enganosas.
Em
primeiro lugar, "crescimento econômico", quando corretamente entendido, não é
um aumento na "produção", mas sim um aumento na "capacidade produtiva". O alto crescimento observado no PIB após uma
grande crise é meramente uma 'recuperação econômica', e não necessariamente
representam um crescimento na capacidade produtiva, que é o que realmente
interessa.
Em
segundo lugar, é possível você aumentar sua capacidade produtiva investindo em
atividades econômicas erradas, para as quais não há uma genuína demanda. Uma pesada regulamentação de preços, como a
que ocorre na Argentina
(agora acompanhada de uma alta taxa de inflação), gera uma alocação errônea de
recursos, pois os preços relativos — isto é, os preços de um determinado setor
da economia em relação aos preços dos outros setores — são afetados, fazendo
com que os preços de um setor se tornam artificialmente maiores do que os de
outros, o que atrai investimentos para este setor. Embora seja perfeitamente possível ver e até
mesmo sentir estes novos investimentos nestes setores, a realidade é que este
capital resultou de uma ilusão monetária.
O conceito econômico de capital não depende da tangibilidade ou do
tamanho do investimento (isto é, de suas propriedades físicas), mas sim de seu
valor econômico. Quando chegar o momento
de os preços relativos se ajustarem de modo a refletir as reais preferências
dos consumidores, o valor de mercado deste capital irá cair e ele então será
consumido ou destruído em termos econômicos — mesmo que suas qualidades
físicas permaneçam inalteradas. Um bom
exemplo disso são os imóveis que foram construídos excessivamente na Espanha —
e que hoje totalizam um
milhão de casas vazias —, cujo valor atual é metade do que foi no auge da
bolha imobiliária.
Em
terceiro lugar, a produção pode aumentar não por causa de um aumento nos
investimentos, mas sim porque as pessoas estão consumindo o capital investido
— como ocorre quando há um aumento na taxa de desgaste das máquinas e da
infraestrutura.
Não
estou dizendo que não houve nenhum crescimento genuíno na Argentina, mas sim
que uma fatia não-trivial do crescimento do PIB argentino pode ser explicada
por: (1) recuperação, (2) alocação errônea de investimentos, e (3) consumo de
capital. Afinal, se todo o crescimento
do PIB fosse de fato um crescimento genuíno, a criação de empregos não estaria
estagnada e a infraestrutura do país estaria excelente, e não em frangalhos.
A
maioria dos economistas e dos analistas de políticas públicas tende a fazer uma
leitura superficial das variáveis econômicas. Para eles, se algumas variáveis econômicas estiverem
robustas, o PIB estiver crescendo e a inflação se mantiver sob controle, então
a economia está saudável. O problema é
que o fato de estarmos observando bons indicadores econômicos não significa que
a economia esteja realmente saudável. Há
uma razão pela qual um médico pede a um paciente aparentemente saudável que
faça alguns exames. Sentir-se bem não
significa que não possa existir uma doença que ainda não tenha demonstrado
nenhum sintoma óbvio no momento.
O
economista que se recusa a examinar mais detidamente a real situação de uma
economia é como um médico que se recusa a examinar mais minuciosamente seu
paciente. O paciente argentino contraiu
a doença bolivariana, mas a maior parte de seus sintomas dolorosos ainda está
para se manifestar.
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Leia também: Cambalache - a história do colapso econômico da Argentina