Foto de Hong Kong, em 1962
Artigo originalmente publicado no início de 2014
Por
vinte anos consecutivos, o Índice
de Liberdade Econômica, compilado pelo The Wall Street Journal e
pela Heritage Foundation, classifica Hong Kong como a economia mais livre do
mundo. Este último ranking da Heritage
confirma o que o Fraser Institute, do Canadá, também afirmou em seu último Índice, o qual
também classificou a economia de Hong Kong como a mais livre do mundo. O Banco Mundial, por sua vez, classifica a "facilidade
de se fazer negócios" em
Hong Kong como a melhor do planeta.
Embora
faça parte da China desde que a Grã-Bretanha cedeu seu controle em 1997, Hong
Kong é governado em termos estritamente locais.
Até o momento, o governo chinês tem se mantido razoavelmente fiel à sua
promessa de deixar a economia de Hong Kong em paz.
O
que torna a economia de Hong Kong tão livre são aqueles detalhes que soam como
música aos ouvidos de qualquer indivíduo que ama a liberdade: corrupção
relativamente baixa; um judiciário eficiente e independente; respeito pleno aos
direitos de propriedade; império das leis; um sistema tributário extremamente
simples e com baixas alíquotas tanto para pessoas físicas quanto para jurídicas,
e uma carga tributária total de apenas 14% do PIB; ausência de impostos sobre
ganhos de capital, de renda de juros e até mesmo de renda obtida no exterior;
ausência de impostos sobre vendas e sobre valor agregado; um aparato
regulatório quase invisível; um orçamento governamental equilibrado, sem
déficits, e com uma dívida pública praticamente inexistente. Ah, e tarifas de importação em praticamente
zero. Isso mesmo, zero!
Dizer
que uma economia é a "mais livre" é o mesmo que dizer que ela é "a mais
capitalista". Capitalismo é o que ocorre
naturalmente quando você permite que pessoas pacíficas cuidem de suas próprias
vidas. Não é necessário elaborar nenhum
mecanismo artificial comandado por burocratas de carreira confortavelmente
instalados em suas torres de marfim. Não
é necessário inventar nenhum esquema mirabolante e aparentemente sofisticado. Basta apenas deixar as pessoas em paz.
Se
formos acreditar naquilo que dizem os críticos do capitalismo, então Hong Kong
tem necessariamente de ser um inferno repleto de pobreza, exploração e
desespero.
Mas
não. Muito pelo contrário, aliás.
Talvez
seja por isso que os socialistas não gostam de falar sobre Hong Kong: não
apenas é a economia mais livre do mundo, como também é uma das mais ricas. Sua renda per capita, 2,64 vezes maior do que
a média mundial, mais do que duplicou nos últimos 15 anos. As pessoas não fogem de Hong Kong; elas correm para Hong Kong. Ao final da Segunda Guerra Mundial, a
população de Hong Kong era de 750.000.
Hoje é quase dez vezes maior: 7,1 milhões.
A colônia
Hong
Kong é um ótimo exemplo do que acontece com a economia de um local que não é
explorado por políticos. Hong Kong é
produto do abandono político. Isso mesmo: Hong Kong jamais teria se tornado
a potência econômica que é hoje caso os políticos britânicos ou chineses
tivessem demonstrado algum interesse pelo local no século XIX.
A
Grã-Bretanha adquiriu a ilha de Hong Kong em 1842 (territórios adicionais
viriam depois) por meio de um acordo entre um representante britânico — o capitão Charles Elliot
— e um negociador chinês — o marques Ch'i-ying — como forma de solucionar um
pequeno conflito que havia se iniciado em decorrência de contendas
comerciais. (Uma das contendas envolvia
uma compensação por causa de um confisco chinês do ópio britânico, mas a
pendenga era mais ampla do que essa questão do ópio, e pesquisas recentes
questionam a acurácia de se rotular toda essa questão como sendo uma mera
"guerra do ópio").
O
acordo resultante foi impopular tanto para a Corte Imperial chinesa quanto para
o governo britânico. As autoridades
chinesas não gostaram de ter de ceder um pedaço de terra para os britânicos e
se preocuparam com o impacto sobre suas receitas tarifárias em decorrência da
criação de um porto controlado pelos britânicos. Adicionalmente, os chineses tinham desprezo
pela obsessão dos britânicos com o comércio.
Já o governo britânico enxergava Hong Kong como uma localização ruim e
pouco promissora em relação às possíveis alternativas, como a ilha de
Formosa.
No
entanto, a precária comunicação vigente no século XIX acabou forçando os dois
governos a delegar a autoridade da resolução da contenda aos seus
representantes locais. O resultado foi
aquilo que o excelente livro de Frank Welsh, A
History of Hong Kong, rotulou de "uma fonte de constrangimento e
aborrecimento para seus progenitores desde seu surgimento no cenário
internacional". (Doravante, todas as
citações serão do livro de Welsh).
Os primórdios
As
primeiras avaliações do potencial de Hong Kong foram pessimistas. O então futuro primeiro-ministro britânico Lord Palmerston, naquela
que talvez seja a pior previsão já feita por um diplomata britânico, concluiu
que se tratava de "uma ilha estéril e inaproveitável, a qual jamais será um
pólo para o comércio". O então tesoureiro
lotado em Hong Kong, Robert Montgomery
Martin, que também escrevia prolificamente sobre as possessões estrangeiras
britânicas, fez eco à análise de Palmerston em 1844, afirmando que "não há
nenhum comércio visível em
Hong Kong. . . . É difícil encontrar uma empresa na ilha. As poucas pessoas aqui se aventuraram
estariam felizes se conseguissem recuperar metade do dinheiro que gastaram na
ilha e fossem embora. . . . Não parece
haver a mais mínima probabilidade de que, algum dia, sob quaisquer
circunstâncias, Hong Kong venha a se tornar um local propício ao comércio".
No entanto, algum comércio começou a surgir em decorrência do estabelecimento
de armazéns de mercadores britânicos.
Mas as políticas adotadas inicialmente pela Grã-Bretanha em relação ao
seu novo território quase nada fizeram para promover o crescimento
econômico. Com efeito, uma investigação
parlamentar de 1847 sobre a situação econômica de Hong Kong descobriu que o domínio
britânico havia inicialmente levado consigo um governo empenhado em usar a ilha
para coletar o "máximo possível de receitas", o que afetou severamente o
comércio. E concluiu que "pode se datar
desta época os reveses sofridos por Hong Kong".
Após
isso, a Grã-Bretanha fez relativamente muito pouco com sua nova colônia, se
concentrando apenas em manter a ordem pública e ampliar o império das leis. O resultado foi essencialmente um Porto de Tratado,
muito semelhante àqueles que as potências europeias estabeleceram na China sob
o Tratado de Nanquim em 1842-43. Um dos
motivos para esta política relativamente sem interferências da Grã-Bretanha foi
a persistência da visão adquirida pelos primeiros oficiais coloniais britânicos
de que os chineses residentes em
Hong Kong não queriam ou não apreciavam as legislações
britânicas. Esta atitude foi ilustrada
de maneira bem clara no depoimento prestado pelo Coronel John Malcolm, que
estava lotado em Hong Kong,
para um comitê do Parlamento britânico em meados do século XIX. Malcolm relatou que "os chineses são um povo
peculiar e não gostam de sofrer interferências.
Eles não nos entendem; eles não conseguem entender nossos métodos; e
quando são recomendados a fazer primeiro uma coisa e só depois outra, eles se
assustam e não mais nos procuram".
Se
era ou não uma característica "peculiar" dos chineses não gostar de governos
arbitrários, o fato é que a Grã-Bretanha parou de expedir ordens conflitantes e
incompatíveis, e a tendência geral passou a ser a de deixar as pessoas em paz.
Ambas estas políticas foram adotadas com o intuito de
estimular. Como consequência, deram à
colônia o benefício de regras claras e simples desde seus primórdios.
Um centro comercial natural?
O
que a Grã-Bretanha criou em
Hong Kong? A
combinação entre o excelente porto e o primado das leis fez de Hong Kong um
centro comercial natural. Mas Hong Kong não
era o melhor local para se comercializar na China. Já no início do século XX, Xangai vinha
crescendo em importância e, consequentemente, abocanhando uma fatia do comércio
que até então passava por Hong Kong.
Xangai possuía uma população mais educada e mais preparada, estava em uma
localização mais conveniente, desfrutava uma proteção europeia por causa de
tratados de concessões feitos pelo governo chinês, e sofria relativamente pouca
interferência do governo chinês devido ao declínio do poder imperial.
Por
volta de 1910, Xangai já havia se tornado um centro comercial
significativamente mais importante do que Hong Kong. Com os britânicos optando por Cingapura —
que era mais fácil de ser defendida — como centro do poder naval britânico na
região, Hong Kong acabou perdendo o que restava de sua já pequena importância
para o governo britânico. Como
resultado, a colônia definhou e foi para o esquecimento, tornando-se mais
conhecida como um centro de prostituição e de jogatina.
Mas
houve algo que a Grã-Bretanha não criou em Hong Kong: um governo democrático. Ao contrário do que ocorreu na maioria das
outras colônias britânicas, em
Hong Kong não se permitiu que nenhuma instituição democrática
local se desenvolvesse, pois os britânicos não estavam dispostos a dar à
maioria chinesa uma voz na administração.
Como resultado, concluiu Welsh, "Hong Kong continuaria tendo uma
administração tão antidemocrática quanto qualquer governo chinês, mas com a importante
diferença de que a autoridade final seria a lei, e não os caprichos de algum
ditador".
O
governo central imperial chinês nunca defendeu a liberdade econômica ao longo
de sua história, e o período compreendido entre o final do século XIX e início
do século XX não foi nenhuma exceção. À
medida que o poder do governo central foi se esvanecendo, déspotas e chefes
militares regionais começaram a estabelecer centros de poder rivais, mas
igualmente predatórios. Os poderios
europeu, americano e japonês também se expandiram na China, tentando ampliar o
acesso de suas respectivas empresas ao mercado chinês. Mas tais poderios não criaram nenhuma
liberdade econômica para a população chinesa dentro de suas esferas de
influência.
Neste
cenário, a estabilidade política de Hong Kong começou a atrair cada vez mais
emigrantes que saíam da China. A
população da colônia cresceu de 600.000 em 1920 para mais de um milhão em
1938. À medida que as condições foram se
deteriorando na China com a invasão japonesa e com os conflitos entre os
déspotas regionais, o Kuomitang (nacionalistas) e os comunistas, uma média de
5.000 migrantes por dia passou a aportar em Hong Kong.
Quando
a ocupação japonesa terminou, em 1945, a economia de Hong Kong estava
devastada. O golpe comunista na China,
em 1949, acelerou a fuga de migrantes para Hong Kong. Em março de 1950, a cidade já tinha 2,3
milhões de pessoas.
Para
piorar, embargos ao comércio com a China em 1951, durante a Guerra da Coréia,
afetaram severamente a condição de entreposto comercial de Hong Kong, justamente
a atividade sobre a qual se baseava uma grande fatia da economia local.
No
entanto, havia um aspecto positivo: o golpe comunista na China e a consequente
fuga de chineses para Hong Kong forneceu à colônia não apenas um número
significativo de mão-de-obra, como também um grande capital humano, formado por
empreendedores que conseguiram fugir do exército de Mao. Adicionalmente, a vitória dos comunistas na
China fez com que Xangai deixasse de ser um concorrente para Hong Kong.
Superpovoada,
refém de embargos comerciais, e com um contínuo influxo de refugiados, o que
praticamente estrangulou a infraestrutura da colônia, Hong Kong teve de se
reinventar.
A
ilha passaria por uma transformação radical no início da década de 1960, com a
adoção de políticas econômicas que criaram a potência econômica que Hong Kong
hoje. Os detalhes desta transformação
serão abordados no próximo artigo.