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Após
a imposição da lei marcial em dezembro de 1981 e a maciça utilização do
exército e das tropas paramilitares ZOMO para esmagar o
Solidariedade, o número de afiliados ao movimento caiu de 9,5 milhões para
apenas alguns poucos milhares. Os agitos
no país diminuíram sobremaneira, mas continuaram. O Solidariedade
continuou na ativa, só que agora clandestinamente.
Após
ter conseguido impor ao menos uma aparência de estabilidade, o regime polonês
começou a relaxar a lei marcial. Ao
longo do tempo, a lei foi sendo revogada em várias etapas. Em dezembro de 1982, a lei marcial foi
suspensa e um pequeno número de prisioneiros políticos, dentre eles Walesa, foi
libertado. Embora a lei marcial só
tenha sido formalmente abolida em julho de 1983, e uma anistia parcial tenha
sido promulgada, várias centenas de prisioneiros políticos continuaram
encarcerados. Tornou-se mundialmente
famoso o caso de Jerzy
Popieluszko, um popular padre defensor do Solidariedade, que foi
sequestrado e assassinado pelo serviço de segurança do governo — o Sluzba Bezpieczenstwa — em outubro de 1984.
A
partir daí, os fenômenos de resistência na Polônia começaram a ser
influenciados pela postura reformista de Mikhail Gorbachev na União
Soviética. Em setembro de 1986, uma
anistia geral foi declarada e o governo libertou quase todos os prisioneiros
políticos. No entanto, as autoridades
continuaram perseguindo os dissidentes e todos os ativistas do Solidariedade.
Já
estava mais do que óbvio que os esforços do regime para organizar a sociedade
de cima para baixo haviam fracassado completamente. Com a crise econômica agravada e todas as
instituições sem funcionar, a clandestina resistência anti-comunista foi
ganhando um número crescente de adeptos.
Os inspiradores
Testemunhei
ao vivo estes acontecimentos. Em
novembro de 1986, passei 10 dias vivendo entre os clandestinos do Solidariedade
e do Liberdade
e Paz, um grupo formado por jovens.
Durante
esta minha visita, aprendi que, cinco anos após o início dos violentos ataques desfechados
pelo governo contra os movimentos de resistência, os poloneses haviam aprendido
fabulosos truques para ludibriar e se esquivar do regime de Jaruzelski, tudo de
uma maneira que chega a desafiar a imaginação.
A escassez total dos mais básicos produtos alimentares, a inflação de
preços em dois dígitos, e uma poderosa polícia secreta não os impediram de
criar formidáveis mercados negros e vigorosas instituições privadas, desde
rádios e editoras de livros a até mesmo teatros e escolas. Tudo clandestinamente.
Wiktor
Kulerski, um dos lideres do Solidariedade, já havia esboçado, alguns anos
antes, um esquema sobre como seria a resistência polonesa. Escreveu ele:
Este movimento irá criar uma situação em que as autoridades
irão controlar as lojas estatais, mas não o mercado; o emprego de
trabalhadores, mas não seu meio de vida; a imprensa oficial, mas não a
circulação de informações; as editoras, mas não as publicações; os correios e
os telefones, mas não as comunicações; e o sistema escolar, mas não a educação.
Trinta
e oito milhões de poloneses estavam menosprezando e ridicularizando o
estado. Eles já haviam aprendido por
experiência própria e dolorosa que, como bem havia dito o escritor e compositor
dissidente Stefan
Kisielewski (que havia sido preso e espancado por causa disso), "Socialismo
é estupidez".
Eles
já estavam fartos daquilo tudo.
O Lloyd's de Varsóvia
Em
um jantar organizado secretamente, em minha homenagem, por uma organização
clandestina de editores em Cracóvia, fiquei mesmerizado com a amplitude daquilo
que meus anfitriões chamavam de "empreendimentos editoriais independentes". Eles haviam traduzido, imprimido e editado
várias obras "subversivas" de Alexander Solzhenitsyn, George Orwell, e até
mesmo de Murray Rothbard e Ayn Rand.
"Onde
vocês conseguem os papeis para imprimir tudo isso?", perguntei. Um jovem polonês chamado Pawel respondeu: "De
dois lugares: contrabandeamos do Ocidente e roubamos dos comunistas".
Pawel
explicou que havia vários empregados das casas editoriais do governo que eram
simpáticos ao movimento de resistência.
Eles frequentemente forneciam papeis para os movimentos
clandestinos. E quando a barra estava
realmente limpa — ou seja, sem nenhum agente estatal nas redondezas —, eles
chegavam até mesmo a imprimir o material ilegal nas próprias impressoras do
governo.
Todo
este material era distribuído e circulava amplamente nos subterrâneos de
Varsóvia.
Quando
o governo soube, decidiu contra-atacar criando uma operação para confiscar os
carros dos distribuidores deste material proibido. Para se proteger, os editores clandestinos
criaram sua própria companhia de seguros (a qual eles chamaram de "Lloyd's de
Varsóvia") para cobrir os custos do confisco de seus carros, papeis e
materiais.
Perguntei
àqueles editores como eu poderia ajudar.
Curiosamente, eles já haviam planejado um pedido específico para
mim. Eles me perguntaram se eu
conseguiria arrecadar US$5.000 e enviar esse dinheiro para seus aliados exilados
em Paris, os quais iriam utilizar esse dinheiro para financiar a tradução para
o polonês e a impressão de várias cópias do clássico Liberdade
para Escolher, de Milton Friedman. Dentre
as minhas mais estimadas possessões está uma edição deste livro com uma
dedicatória do ativista Wojciech Modelski com estas palavras: "Obrigado, Larry! Sem sua ajuda, não seria possível publicarmos
este livro."
Mas
a minha história favorita desta minha visita à Polônia envolve um casal muito
corajoso e intrépido, Zbigniew e Sofia Romaszewski. Eles haviam sido soltos da prisão fazia muito
pouco tempo. O crime? Comandar uma popular estação de rádio
clandestina.
Não
aguentei e tive de perguntar: "Quando
vocês estavam transmitindo, como sabiam se as pessoas estavam ouvindo?"
Sofia
respondeu: "Tínhamos de estar constantemente mudando de lugar para que a
polícia não nos capturasse. Por isso, só
conseguíamos transmitir de oito a dez minutos de cada vez. Uma certa noite, fiz o seguinte pedido: se há
alguém nos ouvindo, pisquem suas luzes para mostrar que acreditam na
liberdade. E então fomos para a janela. Durante horas, toda Varsóvia ficou piscando".
Poucos
dias depois, fui preso, revistado nu e deportado.
O fim da tirania
Em
1989, alguns dias após a queda do Muro de Berlim, voltei a Varsóvia e Cracóvia
para rever meus amigos e celebrar com eles.
A Revolução
de Veludo estava em andamento na vizinha Tchecoslováquia. A Hungria havia aberto suas fronteiras para o
Ocidente algumas semanas antes. O
megalomaníaco Nicolai Ceausescu, da Romênia, seria fuzilado no Natal. Mas foi a Polônia quem abriu o caminho.
Em
fevereiro de 1988, já desesperado com a situação de suas finanças, o governo implementou
um aumento generalizado de 110% nos preços de
todos os bens da economia. Os protestos
estudantis retornaram. O colapso
econômico gerou uma série de greves ao redor do país
em abril, maio e agosto. O governo se
sentiu obrigado a negociar. Com a
indispensável mediação da Igreja Católica, contatos preliminares foram feitos
entre o governo e membros do Solidariedade.
Em setembro, o governo recorre a Lech Walesa para tentar negociar o fim
das greves. No dia 18 de dezembro de
1988, o Solidariedade sai da ilegalidade.
No
início de 1989, o general Wojciech Jaruzelski chegou a um acordo com Lech
Walesa: os grupos políticos suprimidos seriam legalizados e eleições gerais
seriam marcadas para o dia 4 de junho. O
general não tinha alternativas. A
Polônia, declarou ele, havia se tornado "ingovernável".
E
foi exatamente no dia 4 de junho de 1989 que a Polônia eletrizou o mundo ao
fazer as primeiras eleições livres na Europa comunista. Ativistas anticomunistas (e, em vários casos,
também anti-socialistas) surpreenderam seus conterrâneos: eles conquistaram 99
das 100 cadeiras no Senado e absolutamente todas as 161 cadeiras do Parlamento
que o regime permitiu serem disputadas na eleição. Tais resultados asseguraram que a guinada
para a liberdade em todo o império soviético era definitiva e iria se
intensificar até derrubar todos os ditadores e partidos comunistas, desde
Berlim Oriental até Ulan
Bator.
A
história da Polônia desde a imposição da lei marcial e do esmagamento do
Solidariedade em dezembro de 1981 até as gloriosas eleições de 1989 não é a saga de um povo pessimista,
derrotista ou submisso. Ao contrário:
trata-se de uma notável evidência do desejo humano de ser livre. Embora os três poderosos líderes do Reino
Unido, dos EUA e do Vaticano (Thatcher, Reagan e João Paulo II) tenham ajudado
imensamente no processo da desintegração comunista, estes mesmos líderes correta
e repetidamente aplaudiram e elogiaram o espírito desafiador dos
poloneses. "O povo da Polônia", declarou
Reagan, "está nos dando um imperecível exemplo de coragem e devoção aos valores
da liberdade contra uma violenta e implacável oposição. . . . A tocha da
liberdade é quente. Ela aquece aqueles
que a mantêm lá no alto e queima aqueles que tentam apagá-la."
Um
dos gigantes intelectuais da liberdade polonesa, o filósofo e historiador Leszek Kolakowski,
que morreu em julho de 2009 aos 81 anos de idade, rotulou o marxismo de "a
maior fantasia do nosso século". Segundo
ele, a brutalidade totalitária é uma inevitável consequência de uma
concentração de poder. Em uma entrevista
concedida ao The New York Times em 2004, ele disse que "Supostamente,
essa ideologia deveria moldar o pensamento das pessoas; no entanto, a partir de
certo momento, ela se tornou tão fraca e tão ridícula, que ninguém mais
acreditava nela. Nem os governados, nem os governantes."
A
todos aqueles milhões de poloneses que bravamente lutaram pela liberdade e que
atiraram o comunismo na lata de lixo da história há quase 25 anos, muito
obrigado por sua coragem, sua perseverança, sua visão e seu exemplo.