segunda-feira, 17 ago 2015
Ainda
há pessoas que acreditam que grandes empresas e seus capitães são defensores da
economia liberal. Sabem de nada,
inocentes. Eles são os primeiros a
recorrer ao estado; e têm todas as facilidades do mundo para fazê-lo.
Se
há uma coisa que empresário gosta é de sair do mar revolto do mercado e boiar
na piscina morna da proteção estatal. As opções do cardápio são várias: formar
um cartel legal, ganhar um monopólio, assegurar uma verba, um crédito
subsidiado, prestar serviços ao estado, veicular publicidade estatal, formar
comitês para regular o setor, proibir a concorrência, fechar as fronteiras ao
produto estrangeiro, passar políticas de preço mínimo, ser salvo da falência no
último minuto, e tantas outras quanto a imaginação dos políticos permitir.
Em
nosso país, uma das formas que as grandes empresas se blindam do mercado é o
BNDES. Ele empresta largas somas a juros subsidiados, visando objetivos
políticos do governo. A diferença entre os juros do mercado e os juros cobrados
pelo BNDES são uma transferência de renda direta para as empresas fazerem o que
quiserem — aplicar o dinheiro e ganhar juros maiores, por exemplo.
No
ano passado, foram mais de R$ 500 bilhões em empréstimos. E não
vá você pensando que o BNDES possa ajudar a todas as empresas. O mundo é cruel,
os recursos são escassos; é impossível que todas as empresas lucrem ao mesmo
tempo no longo prazo: todo ganho de uma é necessariamente a perda de outra.
BNDES: Desembolsos por porte de empresa (R$ bilhões) |
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Em
outros casos, grandes empresas recebem o direito de monopólio ou de cartel. É o
que ocorre com a telefonia, com companhias de luz, com os ônibus municipais. O
setor é cartelizado por determinação estatal. O resultado são empresas que
prestam serviços caros, de baixa qualidade e que ainda recebem R$ 1,6 bilhão todo
ano do governo. Haja capitalismo!
Essas
formas diretas de ajuda estatal chamam a atenção. Mas o favorecimento dos
grandes se dá também de maneiras indiretas, talvez mais nocivas, via impostos e
regulamentações. A mesma alíquota de imposto que incide sobre os lucros de uma
grande corporação, tirando-lhe parte de seu resultado, inviabiliza a
continuidade de um pequeno negócio que consegue taxas de retorno menores.
Toda
regulamentação ou imposto traz custos fixos. Gastos jurídicos, contábeis, de
auditoria — os quais uma grande empresa consegue diluir no seu enorme
faturamento. Para uma gigante do setor alimentício, a assinatura de um ou
vários nutricionistas de plantão sai barato. Também sai barato aplicar regras
da Vigilância Sanitária para mais uma cozinha padronizada de McDonald's; para
uma pequena lanchonete, as mesmas exigências são proibitivas.
É
por isso que, quando o assunto é regulamentação, as grandes sempre estarão do
lado do governo. E sempre terão a mais bela das intenções: garantir a qualidade
do serviço e a segurança do consumidor. Elas
sabem que o custo extra, se existir (às vezes não existe porque é a própria
prática delas que é universalizada aos demais), será compensado com o mercado
cada vez mais padronizado e centralizado em suas mãos. Um mercado em que o
consumidor não pode escolher a relação risco/retorno que melhor se adéqua a
suas possibilidades.
Um
exemplo: em 2013, implantou-se a regulamentação de carrinhos de bebê. Os
produtores e vendedores de carrinhos baratos, feitos para não durar, se deram
mal. Mas adivinha qual a posição oficial da Burigotto, cujos carrinhos já
custam mais de R$2.000 e já vêm com todas as medidas mais exigentes de
segurança? Isso
mesmo.
Quando
a cidade de São Paulo ameaçou proibir (numa malfadada lei que não pegou) a
sacolinha de plástico nos supermercados, as grandes redes foram as primeiras a
entrar na onda da sustentabilidade e oferecer lindas sacolas de pano, para eles
um custo ridículo e já parte de uma jogada de marketing. Sentia-se o orgulho no
ar ao oferecerem os sacolões de pano personalizados. Já os mercadinhos de
esquina não ficaram tão felizes.
Das
duas farmácias na
minha vizinhança, em qual delas é mais comum encontrar um fiscal assediando o
estabelecimento com ameaças de multa: na filial da Droga Raia — que deve ter
tudo padronizado já na mesa dos arquitetos e dos advogados — ou a farmácia de
bairro cuja dona, que trabalha no balcão, provavelmente não tem uma equipe
jurídica e nem tempo para conhecer e seguir as infinitas regras?
Com
leis trabalhistas é a mesma coisa. Os custos fixos são diluídos na extensa folha
de pagamento das corporações, que contam ainda com setores jurídicos e de RH
para minimizar perdas e alongar os processos. Fora que seus ganhos de escala
permitem gastar a mais por funcionário do que o negócio pequeno, o qual, a bem
da verdade, depende de diversos prestadores de serviço informais — e que se
sofrer alguns poucos processos trabalhistas já ficará no vermelho.
Pra
completar, o mero fato de ser grande concede às empresas espaço de manobra
perante a justiça estatal. Os passivos
trabalhistas bilionários de grandes empresas e bancos no Brasil — um índice,
na verdade, de como nossas leis são ruins — estendem-se por anos a fio,
acumulando dívidas impagáveis. Mas como o governo não é burro, e não quer
promover descontentamento social à toa, e gosta de ter aliados grandes e fieis,
com uma ameaça na manga, o passivo continua ali. Passivos trabalhistas bem
menores em pequenas empresas já apresentam custos legais inviáveis.
A
grande empresa "não pode" quebrar (por que não?); a pequena pode. Megaempresários
e governantes convivem num amistoso cabo de guerra. Trocam ameaças e presentes,
trocam lobby, financiamentos e projetos de lei, dão e retiram apoio conforme
convém. Cada parte puxa do seu lado, mas nenhuma quer que a outra solte a
corda. E a corda é você.
E
o estado, o que ele ganha? Mais poder sobre a sociedade, mais previsibilidade,
menos dificuldade para monitorar, medir e taxar tudo o que acontece. A garantia
de que tudo o que você consome e todas as suas oportunidades de trabalho estão
devidamente pensadas e dadas de antemão, e que o projeto de poder de quem está
no topo conta com parceiros determinados a quem é possível coagir.
Se
algo fugisse do esquema, então as pessoas tomariam decisões por conta própria,
de forma caótica, não-direcionável; e suas escolhas nem sempre beneficiariam
quem já está no topo. E não podemos permitir que isso ocorra, certo?
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