quarta-feira, 22 out 2014
Friedrich
Hayek argumentou — de uma maneira memorável — em seu ensaio O Uso do Conhecimento na
Sociedade que o conhecimento necessário para o avanço econômico é
fundamentalmente subjetivo e está disperso por toda a sociedade. Seria impossível condensá-lo e transmiti-lo
para um comitê de planejamento econômico centralizado.
Mais
especificamente, Hayek explicou que a informação com que empreendedores e
consumidores lidam diariamente não é objetiva; não é como a informação que se
encontra impressa em um catálogo. Ela não é um dado constante que está
ali para ser consultado a qualquer momento.
Ao contrário, ela é uma informação subjetiva, e não objetiva. Ela
é tácita, por assim dizer. Ela é do tipo "sabemos algo, temos a
técnica, a prática e o conhecimento, mas não sabemos no que tudo isso consiste
detalhadamente."
Seria
como a informação necessária para andar de bicicleta. É como se alguém
quisesse aprender a andar de bicicleta estudando as fórmulas físicas e
matemáticas que expressam o equilíbrio que mantém o ciclista enquanto ele
pedala. O conhecimento necessário para saber andar de bicicleta não é
adquirido desta forma, mas sim mediante um processo prático de aprendizagem,
normalmente bem acidentado, que finalmente permite entender como se equilibra
sobre uma bicicleta, além de detalhes fundamentais, como o de que, ao fazermos
as curvas, temos de nos inclinar para não cairmos.
O
objetivo de Hayek era dizer que, dado que as informações estão dispersas por
toda a economia, dado que elas são de caráter subjetivo e dado que elas nunca são
igualmente conhecidas por todos, era obviamente impossível uma mente ou mesmo
várias mentes obterem e processarem todas as informações que estão dispersas na
economia. As interações diárias entre milhões de indivíduos produzem uma
multiplicidade de informações que são impossíveis de serem apreendidas e processadas
por apenas um seleto grupo de seres humanos.
Sendo
assim, essas características tornam o socialismo um arranjo inexequível, pois,
no socialismo, um órgão planejador da economia necessita receber um fluxo
ininterrupto e crescente de informação, de conhecimento e de dados para que seu
impacto coercivo — a organização da sociedade — tenha algum êxito. No entanto, é impossível que um comitê
econômico planejador centralizado possa obter todas as informações necessárias para coordenador economicamente a
sociedade. É impossível centralizar todo
o conhecimento necessário para um processo de tomada de decisão. Por conseguinte, se isso fosse tentado, o
controle político e a alocação de recursos sofreriam graves ineficiências.
Por que todo esse prólogo?
Embora com um objetivo diferente, Ricardo
Hausmann, professor de economia da Universidade de Harvard, verbalizou
essa mesma ideia de Hayek ao explicar por que as nações em desenvolvimento
estão muito lentas em sua tentativa de alcançar as nações ricas.
Segundo
a teoria neoclássica, para que haja desenvolvimento econômico, é necessário que
um país adote novas tecnologias que aprimorem a produtividade de sua
mão-de-obra. E essas novas tecnologias
normalmente são criadas pelos países ricos.
Ao passo que o criador dessas novas tecnologias irá auferir lucros
extraordinários no curto prazo, todos irão ganhar ao adotarem essa tecnologia
no longo prazo.
Até
aí tudo certo.
No
entanto, ainda segundo a teoria neoclássica, isso significa que economias em
desenvolvimento deveriam ser capazes de se aproximar mais das nações em
desenvolvimento tão logo adotassem essas novas tecnologias.
Dito
de outra forma, os mercados emergentes de hoje deveriam estar mais ricos do que
as economias avançadas estavam antes da criação dessas tecnologias.
Porém,
como explica
Hausmann, não apenas essa ideia não procede, como ela está substancialmente
errada:
O PIB per capita, em preços constantes, era
140% maior na Grã-Bretanha de 1960 em relação ao Brasil de 2010. Era 80% maior no Japão de 1960 em relação à
Colômbia de hoje, 42% maior na França da época em relação à Tunísia de hoje,
250% maior na Holanda de então em relação à Turquia atual, e 470% maior na
Itália da época em relação à presente Indonésia.
O
que explica essa discrepância?
Sem
adentrar em detalhes sobre as incertezas geradas pelos respectivos regimes
políticos ou sobre as décadas de desastre monetário geradas pelos bancos
centrais desses países, apliquemos as constatações de Hayek.
A
natureza tácita do conhecimento faz com que seja extremamente difícil transmitir
corretamente todas aquelas coisas que foram
aprendidas no passado. Como dito,
ninguém aprende a andar de bicicleta apenas lendo um livro de física; só
aprendemos pelo método da tentativa e erro.
O real efeito desse pedaço de conhecimento só é entendido e aprendido
por meio da aplicação prática. Isso significa que tal conhecimento é
implícito.
Similarmente,
os vários pedaços importantes de conhecimento necessários para o
desenvolvimento econômico de um determinado país não estão explicados objetivamente
em manuais de economia; eles não estão mastigados e prontos para ser aplicados,
como uma receita de bolo, em países que até então desconheciam esses conhecimentos.
O
real desafio de um país em desenvolvimento é descobrir quais são os melhores
métodos a ser aplicados em sua economia.
Deve-se levar em conta o conhecimento específico da população desse país
e, após um longo (e talvez doloroso) processo de tentativa e erro, determinar o
que funciona melhor.
Dessa
forma, o conhecimento necessário para o desenvolvimento não pode ser encontrado
nos grandes agregados macroeconômicos nos quais os economistas e elaboradores
de políticas econômicas se concentram.
Ao contrário: são os pequenos dados gerados pelos inúmeros agentes
econômicos (empreendedores e consumidores) dispersos por toda a economia que
formam todo o corpo de conhecimento útil que impulsiona a economia para frente.
Economistas
e elaboradores de políticas econômicas têm de aceitar esse simples fato: se o
desenvolvimento fosse uma questão de apenas se adotar melhores tecnologias,
então não haveria nenhum motivo para que alguns países ainda fossem subdesenvolvidos
após décadas de adoção maciça de vários produtos tecnológicos que aprimoram a
produtividade. (Seria até possível
argumentar que instituições políticas melhores também estão nessa categoria:
elas claramente melhoram os resultados econômicos, e isso pode ser aprendido de
forma razoavelmente rápida em qualquer um dos vários livros sobre o assunto).
Reconhecer
o papel e a importância do conhecimento implícito nos permite entender
corretamente por que alguns países ainda estão bem atrás de outros, não
obstante a adoção e a disponibilidade geral da tecnologia necessária para
desenvolvê-los.