quarta-feira, 26 nov 2014
O
socialismo — ou seja lá como você queira chamar o modelo social sob o qual o
povo cubano vive há mais de meio século — não é digno de ser imitado por
qualquer outro povo. Basta olhar para a
realidade cubana atual e observar nossa penúria para perceber isso.
O
mínimo que podemos fazer quando sofremos uma experiência trágica de vida, seja
ela qual for, é alertar os demais — caso contrário, seríamos culpados pelo
sofrimento alheio e, assim, assassinos tácitos e criminosos de nossa própria
espécie.
É
por esta razão, e como uma necessidade impiedosa de minha própria consciência, que
me disponho a alertá-los — tomando como referência a experiência cubana —
sobre os sutis métodos psicológicos que podem ser utilizados por aqueles que
pretendem fazer do socialismo o modelo de esperança e de bem-estar das
comunidades. É importante que não caiam
no erro fatal de serem cativados por um modelo social muito astuto, que emana
da natureza bárbara do homem.
Eis
o recado: tomem cuidado com os estímulos morais do socialismo.
Desde
os primeiros anos de poder, o governo revolucionário cubano tinha como
prioridade a criação de um novo homem, o qual seria qualitativamente superior. Neste sentido, iniciou-se em Cuba a ideia de inculcar
na população a convicção de que os estímulos morais deveriam estar
irreparavelmente acima dos estímulos materiais.

Sendo
assim, coisas meramente simbólicas, como um diploma, uma medalha, uma carta de
agradecimento para os vizinhos, o reconhecimento público ao coletivo de
trabalho, ou apenas um aperto de mão de um chefe, constituíam uma honra
irreparável. Por outro lado, dar uma gratificação a um garçom que nos
oferecesse um excelente serviço em um restaurante passou a ser imoral, e quem se
dispusesse a fazê-lo estaria incorrendo em uma grave ofensa.
Ato
contínuo, tornou-se relativamente comum ver pessoas nas ruas ostentando
medalhas e prêmios pendurados em suas camisas.
Ao mesmo tempo, essas mesmas pessoas sofriam junto com suas famílias a
carência de produtos básicos para a subsistência.
O
ápice dos incentivos morais passou a ser representado por uma única atitude: "trabalhos
voluntários não-remunerados", os quais eram realizados geralmente nos dias de
descanso do povo. Só que esses trabalhos
nada tinham de voluntários, pois uma eventual não-participação excluía o
indivíduo da classificação de "homem novo" e automaticamente o excomungava,
relegando-o aos confins do inferno do socialismo.
Atualmente,
os "trabalhos voluntários" evoluíram e estamos vivenciando em um estágio
superior dessa forma moral de exploração: as horas de trabalho não-remunerado
realizadas por cada trabalhador são contabilizadas para que, ao final do ano,
os mais aguerridos tenham a possibilidade de optar por um televisor, um ferro
elétrico ou uma bicicleta, para citar apenas três exemplos.
Só
que, como em um regime socialista tudo é escasso, as consequências geradas
por esse arranjo são dolorosas.
Eis
o que acontece: para um povo mergulhado na pobreza, qualquer item destes é
um sonho, e talvez seja essa a única oportunidade de obtê-los. Só que há apenas 5 destes itens para serem
distribuídos para 500 funcionários de uma mesma estatal. Sendo assim, o leitor
pode imaginar quantas discussões, quantas brigas e quanto rancor são gerados
quando se determina qual trabalhador foi o escolhido para ser agraciado com
esses utensílios. As amizades destruídas
pelo ódio e por essa divisão semeada pelo governo entre os cubanos são
irreparáveis.
Apesar
disso, o ingênuo, nobre e fiel povo de Cuba ainda não percebeu que esses mesmos
apologistas dos "incentivos morais" estão recheando seus cofres pessoais — e
não apenas com medalhas e condecorações.
Em Cuba, cada vez mais pessoas têm menos e cada vez menos pessoas têm
tudo.
E
paradoxalmente, como recompensa de tantos anos de trabalho e sacrifício, os trabalhadores
contam apenas com essas medalhas que empunham com orgulho, e também com uma
miséria humilhante, resultado dos estímulos morais do socialismo. Já os poderosos que controlam o regime ficam
com tudo, inclusive com os aplausos da intelectualidade ao redor do mundo.
Mas,
graças a Deus, meu amado povo de Cuba parece estar abrindo os olhos. Prova disso são as crescentes deserções de
atletas e médicos cubanos ao redor do mundo, que não acreditam mais nesses
estímulos e decidem fugir desta sociedade de escravos.
Por
isso, caro leitor, não se engane: a primazia dos estímulos morais em
contraposição aos estímulos materiais não tem outra finalidade senão a de criar
um novo homem, conscientemente identificado com a miséria, e pacientemente à
espera das migalhas que lhe oferecem seus deuses protetores e eternos, aos
quais devem estar eternamente agradecidos. É disso que se trata o socialismo.
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