Por todo o continente europeu, a inflação de preços está entrando em
território negativo. O alto desemprego — que continua alto por causa das
inflexíveis leis trabalhistas e dos privilégios sindicais, que proíbem reduções
salariais — e a estagnação econômica estão forçando as empresas com capacidade
ociosa a cobrar menos por seus produtos.
Sob esse cenário, os economistas convencionais não tardaram a alertar que os
lucros das empresas irão desabar e que as dívidas públicas e privadas sairão do
controle.
Porém, eis que surge uma charada: os três países com a "pior deflação de
preços" na Europa são Portugal, Espanha e Grécia. E quais são os países que simultaneamente
passaram a apresentar as maiores taxas de crescimento econômico? Portugal, Espanha e Grécia.
[Nota do IMB: Veja nos gráficos abaixo como a correlação é explícita. Quanto mais alta a inflação de preços, menor
era o crescimento econômico e menor a confiança do empresariado. À medida que a inflação de preços vai caindo,
maior se tornar o crescimento econômico e a confiança do empresariado.]
Taxa de inflação acumulada em 12 meses, taxa de crescimento do PIB
(trimestre sobre trimestre do ano anterior) e confiança do empresariado para
Portugal.



Taxa de inflação acumulada em 12 meses, taxa de crescimento do PIB
(trimestre sobre trimestre do ano anterior) e confiança do empresariado para a
Espanha.



Taxa de inflação acumulada em 12 meses, taxa de crescimento do PIB
(trimestre sobre trimestre do ano anterior) e confiança do empresariado para a
Grécia. O mensurador para a confiança do empresariado utiliza uma unidade
diferente das utilizadas para Portugal e Espanha.



Se a deflação de preços — ou até mesmo uma estabilidade de preços em um
nível baixo — é tão ruim, como esses três países passaram a crescer apenas
quando os preços começaram a cair?
A resposta é que a deflação de preços está longe de ser algo tão maléfico
quanto os economistas convencionais gostam de afirmar. Os fenômenos que realmente atravancam um
crescimento econômico são endividamento de pessoas e empresas, e nível de
confiança de empresários e consumidores.
Sendo assim, a zona do euro estaria melhor caso seus políticos se
preocupassem mais em estimular a redução do endividamento das pessoas e
empresas do que em tentar
aumentar os preços.
Aparentemente, toda a zona do euro está se encaminhando para a deflação de
preços. Semana passada, foi divulgado
que a inflação de preços em toda a região caiu para 0,3% no acumulado em 12
meses.

Como mostra o gráfico, a inflação de preços está declinando
continuamente. A meta do Banco Central
Europeu é de 2%. A última vez em que a
instituição alcançou esse objetivo foi no início de 2013. A inflação de preços vem caindo continuamente
desde que atingiu seu ápice de 3% no final de 2011.
E não há motivos para esperar que essa tendência seja alterada no futuro
próximo. O preço do petróleo desabou,
e os preços de outras commodities também estão em queda. Isso irá influenciar a inflação de
preços. Em toda a zona do euro, as
vendas no varejo ainda estão fracas [Nota do IMB: mas subiram em Portugal,
Espanha
e Grécia,
exatamente de acordo com a queda nos preços], e o desemprego segue alto. Pessoas que perderam o emprego não gastam
dinheiro comprando — e empresas não elevam os preços quando as lojas estão
vazias.
A maioria dos economistas convencionais irá dizer que essa situação de
preços crescendo muito pouco é bastante preocupante — e que o Banco Central
Europeu tem de agir imediatamente para impedir a deflação de preços. Caso contrário, as pessoas irão postergar
suas compras, pois acreditarão que tudo estará mais barato "no mês que
vem". Já as empresas deixarão de
investir porque estão vendo que os preços não sobem. A confiança irá desabar, e a economia irá sofrer.
No entanto, como mostram os gráficos, ocorreu exatamente o oposto nos países
que de fato estão vivenciando uma deflação de preços. Naqueles em que a deflação é a mais intensa,
o crescimento está sendo o mais robusto.
A Grécia é o que apresenta o crescimento mais forte (2%), e a deflação
de preços mais intensa (1,7%). O
crescimento não é nada chinês, mas o fato é que o crescimento só começou a
ocorrer quando os preços de fato caíram.
Logo, e ao contrário do que pregam os economistas convencionais, parece não
haver uma ligação muito forte entre preços crescentes e crescimento
econômico. E também parece que preços em
queda não prejudicam o crescimento econômico.
Qual é a explicação?
A de sempre: não há nada de terrível se ter preços em queda. Queda de preços é justamente
o que ocorre em uma economia de mercado em que haja concorrência e um contínuo
aumento da oferta de bens e serviços.
Todos nós consumidores gostamos quando os preços das coisas ficam mais
baratos.
E não há nenhuma evidência de que uma queda nos preços faça com que as pessoas
posterguem suas compras. Se isso de fato
ocorresse, ninguém jamais compraria televisões, smartphones, câmeras, laptops e
demais apetrechos eletrônicos, pois sabemos perfeitamente bem que tais itens
estarão mais baratos e com ainda mais qualidade no ano que vem. O que ocorre na realidade é que as pessoas
acabam comprando uma grande quantidade de todos esses itens.
As pessoas compram coisas quando necessitam delas, e levam em consideração a
tendência dos preços — afinal, ninguém pode adiar compras para sempre. E também não há evidências de que queda nos
preços afete a confiança das empresas [como visto nos gráficos acima, houve um
aumento na confiança das empresas]. Se
uma queda de preços realmente afetasse a confiança das empresas, nenhuma
empresa jamais iria empreender no ramo tecnológico.
As empresas investem naqueles setores em que acreditam ser possível ter
lucro, e o lucro está muito mais relacionado a custos do que a preços de
venda. Se os custos estiverem caindo,
não haverá problemas se os preços também caírem.
[Nota do IMB: o ser humano sempre irá preferir ter um bem hoje a ter esse
mesmo bem apenas no futuro distante. Isso é o básico da teoria da preferência temporal. Logo, sempre que possível, consumidores
preferem consumir no presente. Além de você não poder postergar sua
demanda por alimentos, roupas, moradia e alguns outros bens, há também o fato
de que você não necessariamente irá adiar sua aquisição de um bem hoje só
porque ele estará mais barato daqui a uma ano. Porque mesmo comprando-o hoje a um
preço maior, você sabe que seu poder de compra será maior no futuro.
E isso muda tudo.
Se você vive em um ambiente em que os preços estão caindo, você sabe que
seu poder de compra futuro será maior que o atual. Mesmo sabendo que um
carro estará $3.000 mais barato daqui a dois anos, você ainda assim irá
comprá-lo hoje, pois sabe que daqui a dois anos seu dinheiro estará valendo
mais. Não obstante seu gasto de hoje, você terá maior poder de compra
para aquisições futuras. É justamente o fato de você saber que terá maior
poder de compra no futuro o que não irá restringir seu consumo
presente.
Ao contrário até: é bem possível que o consumo presente possa aumentar,
como está ocorrendo nos países citados.]
A crença de que a deflação é uma ameaça ao crescimento é um mito difícil de
ser superado. Durante a maior parte do
século XIX, a deflação de preços era a regra — e isso não impediu que houvesse
uma nova revolução industrial. À medida
que as coisas ficam mais baratas, os consumidores se sentem mais confiantes e
voltam a consumir. E as empresas voltam
a investir.
[Nota do IMB: uma das maneiras mais rápidas e corretas de se acabar com uma
recessão é permitindo que preços e salários se encaminhem para níveis mais
próximos da oferta e da demanda. Estando
em recessão, uma economia deve permitir que salários caiam para que haja mais
contratações de desempregados; e deve permitir que os preços caiam ainda mais
para que se adéquem à realidade dos salários menores.
A Grande Depressão americana se prolongou por 16 anos justamente porque o
governo americano não deixou que preços e salários caíssem. A recessão gerada
pelo crash da bolsa não deveria ter durado mais do que um ano, assim como ocorreu em 1920,
quando houve uma recessão idêntica. Só que, ao contrário de 1920, o governo
americano não permitiu a liberdade de preços e salários, de modo que estes se
adequassem à nova realidade da oferta monetária. Mesmo keynesianos ortodoxos
hoje já reconhecem o fracasso do New Deal, que nada mais foi do que um conjunto
de políticas de controle de preços, controle de salários, aumento das tarifas
de importação, aumento de impostos, aumento de gastos, aumento do déficit, e de
arregimentação sindical e de empresários incentivados pelo governo a não
reduzirem seus preços.].
Em uma recessão, a deflação de preços, longe de ser um problema, é a
solução.