quarta-feira, 14 jan 2015
Em
30 anos, o crescimento assombroso da China tirou nada menos do que 680 milhões
de pessoas da miséria, dando-lhes renda e acessos a bens e serviços nunca
sonhados por uma população que passava fome nas plantações de arroz. Só que, vejam só, a desigualdade chinesa
também aumentou nesse mesmo período.
Além
dos miseráveis que subiram de vida, criou-se uma classe política e empresarial
de super-ricos que concentra cada vez mais riqueza. Praticamente todo mundo
está melhor, ainda que alguns poucos tenham ganho mais do que a maioria.
Essa
é a cara do desenvolvimento capitalista (ainda que a China esteja longe de ser
um país liberal): todos ganham, mas nem todos ganham a mesma coisa. E aí, o que é melhor para os chineses? Ter renda e consumo sabendo que a elite de seu
país é muito mais rica do que eles jamais serão, ou passar fome com o consolo
de que sua elite é formada de milionários e não bilionários? Pobreza ou
desigualdade?
Se
o nosso objetivo é melhorar as condições de vida humana, dando uma vida digna a
todos, nossa preocupação é com a pobreza, e não com a desigualdade.
Pobreza
diz respeito às condições absolutas em que alguém se encontra. Tem comida?
Acesso a água potável? Habitação? Trabalho? Seus filhos podem frequentar uma
escola ou se veem forçados a trabalhar? Os critérios são muitos.
Já
desigualdade é uma variável relativa, que nada diz sobre as condições absolutas
de vida. Para saber se um país é desigual, é preciso comparar seus habitantes
mais ricos e mais pobres e ver a distância entre eles. Um país que tenha uma
pequena parcela de milionários e o restante da população passe fome é muito
desigual. Já um onde todos passem fome é igualitário. A condição objetiva dos
pobres em ambos, contudo, é a mesma.
Igualmente,
se os mais pobres viverem como milionários, e os mais ricos sejam uma pequena
parcela de trilionários, a desigualdade é grande.
As
duas coisas, pobreza e desigualdade, se confundem facilmente, de modo que muita
gente que se preocupa espontaneamente com a pobreza (que se preocupa, por
exemplo, com quem não tem acesso a saneamento básico, ou a educação) acaba
falando de desigualdade: da diferença entre os mais ricos e os mais pobres. E
essa mistura muda nossa maneira de pensar: acabamos pensando que pobreza e
desigualdade são a mesma coisa e que, portanto, o melhor remédio contra a
pobreza é a redução da desigualdade, o que via de regra significa tirar de quem
tem mais e dar para quem tem menos.
Novamente,
a China ou mesmo a história europeia nos últimos dois séculos mostra que não
precisa ser assim.
A
tendência mundial das últimas décadas tem sido o aumento da desigualdade dentro
de cada país. Mas se olharmos para o mundo como um todo, comparando cidadãos de
países pobres com os de países ricos como se a Terra fosse uma grande nação, a
desigualdade vem caindo. A distância entre o cidadão médio de um país pobre
para o de um país rico diminuiu, ainda que, no mundo todo, a classe dos mais
ricos venha concentrando mais renda.
O
principal índice para se medir a desigualdade econômica dentro dos países é o índice de GINI. Em
geral, maior riqueza está associada a maior igualdade; só que há muitas e
muitas exceções. Pelo índice
de GINI, os EUA são mais desiguais que o Senegal. O Afeganistão é das
nações mais igualitárias do mundo (o Canadá é mais desigual que o Afeganistão).
O
Brasil, mesmo com sua altíssima carga tributária, segue sendo um dos países
mais desiguais do mundo (outra ilustração da ineficiência de nosso estado em
fazer aquilo a que ele se propõe), mas não é nem de longe o mais pobre. O pobre
brasileiro, por pior que seja sua condição de vida, está melhor que o pobre
indiano, apesar de viver numa nação muito mais desigual.
Pelo
mesmo índice, o Canadá é mais desigual que Bangladesh, a Nova
Zelândia é mais desigual que o Timor Leste, a Austrália é mais desigual que o
Cazaquistão, o Japão é mais desigual que o Nepal e a Etiópia.
É
um fato que a desigualdade desagrada a muitos. Ofende o senso moral de muita
gente pensar que uma pessoa tenha riqueza brutalmente maior do que outra sem
ter tido o mesmo esforço, ou o mesmo mérito, para consegui-la. Herança talvez
de uma ética do trabalho, que não consegue aceitar a riqueza (ou o prazer de
maneira geral) exceto como recompensa de privações, esforço, sacrifício. Ou
ainda da visão antiga de que é a riqueza dos ricos que causa a pobreza dos
pobres.
A
transferência de renda, embora talvez útil para aliviar situações agudas de
pobreza, é um meio ineficiente para promover a geração sustentável de riqueza.
Relações ganha-ganha geram um ciclo virtuoso, aumentando a riqueza total, que
nos permite deixar para trás o eterno cabo de guerra por uma riqueza estanque.
Imagine
se a China tivesse parado nos anos 1970, brigando para repartir o minúsculo bolo
que era sua economia. Hoje o bolo cresceu, mas também os super-ricos. Se
conseguíssemos, pela primeira vez em muitos séculos, olhar para fortunas
imensas sem sentir indignação, o mundo talvez virasse um lugar melhor.
__________________________________
Leia também: "Vamos debater as causas da pobreza!"