A
Grécia foi à bancarrota não porque, como dizem os entusiastas do novo governo
eleito, pagou taxas de juros "usurárias" sobre sua dívida, mas sim porque se
endividou despreocupadamente para que seus políticos pudessem gastar como se
não houvesse amanhã.
Vamos aos números.
Se
levarmos em conta o valor total de juros pago pelo governo grego em relação ao
estoque total de sua dívida, temos que, desde 2006, não houve nenhum ano em que
a Grécia tenha pagado mais do que 4,5% de juros sobre sua dívida total.
Isso
dificilmente pode ser classificado como "usura", principalmente quando se leva
em conta que a inflação de preços média na Grécia desde 2006 foi de 2%, o que
significa que o estado grego jamais pagou juros reais superiores a 2,5% ao ano.
[Nota do IMB: a título de comparação, o governo brasileiro pagar taxas
superiores a 10% sobre sua dívida total, e as taxas reais sempre estiveram
acima de 4,5%].
Com
efeito, no ano de 2013, a Grécia pagou sobre sua dívida pública total taxas de
juros nominais inferiores até mesmo às da Alemanha: em concreto, os gregos
pagaram 2,28%, sendo que os alemães pagaram 2,62%.

Gráfico 1: taxa de juros média sobre a
dívida pública, 2006-2013 Fonte:
Eurostat
E
não é só: em 2013, a Grécia foi o quarto país da zona do euro a pagar as
menores taxas de juros sobre sua dívida pública:

Gráfico 2: taxa de juros média sobre a
dívida pública em 2013 Fonte: Eurostat
Em
que pese todo o bombardeio propagandístico sobre juros usurários contra a
Grécia, ninguém deveria se surpreender com os resultados acima, pois foi em
2012 que a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI) aprovou um
segundo plano de resgate para a Grécia, pelo qual o governo grego obteve
condições de financiamento extremamente benéficas.
O principal culpado: o descontrole do gasto
público
Antes
da crise, o volume total da dívida pública grega era de 250% das receitas do
governo (2,5 vezes maior). Na Alemanha,
a título de comparação, esse valor era de 150%. (1,5 vez maior).
No
entanto, após a crise, o valor grego pula para 350%, chegando a superar 400% (4
vezes maior) no ano de 2011. Vale notar
que tanto o resgate quanto as medidas de "austeridade" começaram a ser
implantados na Grécia apenas no ano de 2010, só que em 2009 o governo já tinha
um volume de dívida pública totalmente descontrolado.

Gráfico 3: relação entre dívida pública e
receitas do governo, 2006-2013 Fonte:
Eurostat
E
o que fez aumentar essa dívida pública?
Enquanto
a Alemanha conseguiu manter constante, em termos reais, seu gasto público por
habitante entre 1996 e 2008, a Grécia o aumentou em nada menos que 80%.

Gráfico 4: gasto público real por habitante,
1996-2013 Fonte: Eurostat
A
hipertrofia do estado grego simplesmente não possui similares na Europa,
especialmente se levarmos em conta como ele se financiou: a Grécia não apenas
foi um dos países que mais aumentou seu gasto público, como também foi o que
recorreu com mais obsessão ao
endividamento para financiá-lo.

Gráfico 5: aumento da dívida pública entre
1996 e 2008 Fonte: Eurostat
Como
consequência desse enorme crescimento do endividamento (e não como consequência
de altas taxas de juros), o gasto anual com os juros sobre todo esse estoque de
dívida superou, até o segundo pacote de resgate, o valor de 12% das receitas do governo (em 2011, antes do resgate, o total
de juros pago por ano era 17% maior do que as receitas). Compare isso à Alemanha, cujos gastos com
juros se mantiveram estáveis em 6% de todas as receitas.

Gráfico 6: total de juros pagos em relação
às receitas do governo, 2006-2013
Fonte: Eurostat
Vale
enfatizar: o problema não foi a taxa
de juros que a Grécia pagou sobre sua dívida pública, mas sim o enorme volume de sua dívida pública, o
que elevou sobremaneira o valor absoluto
dos juros pagos.
Matemática
básica: 50% de 10 euros são 5 euros, 1% de 1 bilhão de euros são 10 milhões de
euros. Uma taxa de juros baixa não fará
com que seus gastos totais com juros sejam baixos se você deve muito dinheiro.
Sendo
assim, a responsabilidade pela situação financeira grega deve ser atribuída a
quem gerou esse elevado volume de endividamento: os políticos gregos e todos
aqueles que aplaudiam e que foram beneficiados pelas políticas de endividamento
do governo (antes e depois da crise).
O
fato é que o grosso da dívida pública grega foi emitido antes que a Grécia
fosse socorrida pela Troika: 90% da dívida pública grega do ano de 2010 já
havia sido emitida antes de 2010.
Nem
sequer é possível culpar as políticas de suposta austeridade ("suposta" porque
um governo sob austeridade genuína não pode aumentar impostos; é como dizer que
um trabalhador que está praticando austeridade pode aumentar seu salário):
mesmo que o governo grego tivesse sido capaz de manter o mesmo volume de
receitas de 2007 (algo muito difícil em meio a uma forte recessão), o tamanho
de sua dívida pública em 2011 em relação às suas receitas seria de 391% (comparado
aos 403% que realmente foram, e aos 180% da Alemanha), e o peso dos juros em
relação às receitas totais teria sido de 15,8% (em relação aos 17,1% que
realmente foram, e aos 5,8% da Alemanha).
Portanto,
é necessário honestidade: o governo da Grécia não quebrou por causa da Troika e
o governo da Grécia não está financeiramente na lona por causa da Troika. O governo grego está quebrado como consequência
das políticas ilustradas nos gráficos 4 e 5.
Enquanto
a Alemanha estabilizou seu gasto real por habitante (isto é, descontando a
inflação de preços) entre 1996 e 2007, a Grécia o aumentou em mais de 80%, e
recorreu ao mero endividamento para financiar a maior parte dessa brutal
expansão do seu gasto público. O governo
chegou a um ponto em que simplesmente não mais consegue pagar nem mesmo as
prestações dessa dívida.
A composição do gasto público grego
À
luz dessa hipertrofia estatal, era óbvio que ao governo grego não restava outra
solução senão cortar muito intensamente seus gastos caso quisesse sobreviver
financeiramente. Mas será que mesmo isso
foi feito?
O
gráfico abaixo mostra a composição do gasto público grego. O gasto com educação, políticas sociais e
saúde disparou de 24,6% do PIB em 2004 para 31,1% do PIB em 2012. Ou seja, não só os gastos do governo grego se
concentram nos "gastos sociais", como também esta foi a rubrica que mais
aumentou em termos relativos desde 1996.

Gráfico 7: composição do gasto público da
Grécia, 1996-2012 Fonte: Eurostat
Sim,
é verdade que, desde 2009, com as seguidas quedas do PIB, o fato de os gastos
sociais terem subido em relação ao PIB não significa que eles aumentaram em
termos absolutos, uma vez que o PIB vem se contraindo desde 2009. No entanto, o que isso realmente significa é
que os gastos que menos foram reduzidos proporcionalmente foram justamente aqueles
que mais cresceram até 2009: os gastos sociais.
Conclusão
A
conclusão é fragorosa e deve servir de lição: sim, um país pode quebrar por
gastar excessivamente com "políticas sociais".
Não
é questão de ideologia, mas sim de contabilidade.
Mais
ainda: para evitar essa quebra, é imprescindível que ele tenha de cortar de
maneira intensa todos os gastos voltados às políticas sociais.
No
entanto, longe de ter aprendido a lição e de assumir a culpa pelo próprio
desastre, o novo governo grego não apenas aponta o dedo para terceiros, como
ainda promete voltar a aumentar maciçamente o gasto público (estão prometendo
mais benefícios sociais, energia gratuita para 300 mil gregos, e mais moradias
populares).
É
óbvio, portanto, que não entenderam nada.
A
questão é simples: quem não pode pagar indefinidamente, não pode gastar
indefinidamente.
País
nenhum.