quarta-feira, 11 fev 2015
Como
sempre ocorre todos os anos às vésperas do Fórum Econômico Mundial, em Davos,
Suíça, a entidade
Oxfam publica um
relatório denunciando a "injusta" distribuição de riqueza mundial.
O
relatório
deste ano foi especialmente barulhento, pois a entidade afirmou, com um
estrondo já costumeiro, que 1% da população detém 48% da riqueza mundial, e
que, "caso nada seja feito", já em 2016, esse 1% deterá mais de 50% da riqueza
mundial.
E
concluiu, obviamente, que os governos devem tomar medidas em conjunto —
leia-se: tributar ainda mais e redistribuir esse dinheiro entre seus grupos
favoritos — para reverter esse cenário.
Muitos
alegam que todos nós deveríamos ficar alarmados pela desigualdade econômica
porque ela impede que haja uma ascensão social dos mais pobres. Já outros afirmam que, dado que a riqueza
está distribuída tão desigualmente, seria uma questão de justiça e de bom senso
criar um esquema de redistribuição de renda.
Ausente
em todas estas agitações está o debate sobre o que realmente é riqueza, como ela
surge, como seria uma distribuição "justa" e se há realmente uma "injustiça"
nesse processo de criação e distribuição de riqueza.
Comecemos
pela mais básica das abordagens, que é a questão da proporção da distribuição
da riqueza.
A lei de Pareto
Esse
é um argumento que certamente não terá grande apelo perante aqueles que
utilizam a emoção em vez da razão, mas que ainda assim nunca foi refutado: a lei
de Pareto.
A
lei de Pareto foi descoberta pelo economista-sociólogo Vilfredo Pareto no final
do século XIX. Ele estudou a distribuição de riqueza em várias nações
europeias. Já àquela época, ele descobriu que aproximadamente 20% da
população detinha 80% do valor do capital de uma nação. Após essa descoberta, ele decidiu aplicar o
raciocínio até o topo da pirâmide.
Se 20% da população detém 80% do valor do capital de uma nação, então 4% (20%
de 20%) detém 64% (80% de 80%) do valor do capital. Isso de fato se mostrou verdadeiro.
E
prosseguiu. Se 4% detém 64%, então
aproximadamente 1% (20% de 4%) deverá deter aproximadamente 50% (80% de
64%). E isso também se comprovou
verdadeiro.
Portanto,
1% deter aproximadamente 50% da riqueza mundial é um fenômeno que já havia sido
previsto por Pareto ainda no século XIX.
Um
grande número de estudos subsequentes indica que essa mesma distribuição se
aplica para todas as sociedades estudadas. Não importa se os países eram nações
pré-social-democratas (antes de 1900), nem a localização geográfica ou quão
socialistas eles são. A mesma distribuição existe.
Aliás, o que é realmente perturbador é que a regra 20-80 de Pareto se aplica a
todos os tipos de estatística institucional que pouco têm a ver com
distribuição de riqueza.
Aproximadamente 20% do efetivo de uma força policial faz 80% das prisões.
Aproximadamente 20% de uma determinada classe social consome 80% dos produtos
destinados àquela classe. Aproximadamente
20% de um grupo faz 80% do trabalho. Aproximadamente 20% da população é responsável por 80% de toda a produção econômica. Aproximadamente 20% daqueles que
assinaram uma revista renovam a assinatura ao final do primeiro ano.
Aproximadamente 20% dos que recebem uma e-letter gratuita de fato a
lêem. E por aí vai.
Ou seja, quem se assusta com a "descoberta" da Oxfam está na realidade protestando
contra algo que, longe de ser uma novidade, é uma proporção há muito já
estabelecida pela natureza.
Mas
vamos adiante.
O que é justiça?
Em
que realmente consiste uma distribuição justa e sensata de riqueza? Isso é algo que vem sendo debatido há
séculos. Na melhor das hipóteses, as
concordâncias ocorridas neste quesito são evasivas. No entanto, qualquer discussão inteligente sobre justiça e igualdade
econômica tem de reconhecer que os resultados conhecidos de um processo não
servem para determinar se houve ou não justiça e sensatez.
Peguemos
um exemplo extremamente simples.
Suponha que Paulo, Pedro e João se reúnam semanalmente para jogar
pôquer. E, em 75% das vezes, Paulo
vence. Pedro e João vencem,
respectivamente, 15% e 10% das vezes.
Simplesmente
conhecer estes resultados dos jogos não nos permite dizer absolutamente nada
sobre se houve ou não justiça e sensatez nos jogos. As desproporcionais vitórias de Paulo podem
ser o resultado de ele ser um jogador astuto ou de ser um vigarista esperto.
Para
determinar se houve justiça nos jogos é necessário perguntar sobre o processo
do jogo. Houve desobediência às regras
neutras do jogo? Havia cartas
marcadas? Houve trapaça no embaralhamento
das cartas? Houve algum jogador que foi coagido
a jogar? Se as respostas forem negativas,
então houve justiça nos resultados, independentemente de qual tenha sido os
resultados. O fato de Paulo ter vencido
75% das vezes é um fato que tem de ser aceito.
Da
mesma maneira, a renda de uma pessoa é o resultado de algo. Saber que a renda anual de uma pessoa é de $
500.000 e que a renda de outra pessoa é de $ 12.000 é algo que não nos diz
absolutamente nada sobre justiça econômica e social. Para determinar se realmente houve injustiça
econômica e social é necessário fazer perguntas sobre o processo de
enriquecimento.
A
maioria das pessoas que faz pontificações sobre desigualdade econômica —
inclusive economistas, para vergonha geral — simplesmente não reconhece, ou
não deixa explícito, que a renda é resultado de algo.
Sendo
assim, um determinado resultado não pode ser utilizado para determinar se houve
justiça, isonomia e sensatez. Para
determinar se houve justiça, isonomia e sensatez é necessário ir além dos
resultados e examinar o processo econômico como um todo.
Onde entram a criatividade, a engenhosidade
e a inteligência?
Em
primeiro lugar, é necessário entender o que cria a riqueza.
Por
que, durante a Revolução Americana, George Washington não utilizou mísseis
teleguiados para combater o exército britânico?
Por que ele não utilizou um telefone celular para se comunicar com suas
tropas? Todos os recursos físicos
necessários para fazer mísseis e celulares já existiam naquela época. Aliás, esses recursos físicos já existiam
desde a época do homem das cavernas. Por
que o homem das cavernas não tinha um computador portátil para interagir com
seus semelhantes via Facebook?
A
resposta é que, embora os recursos físicos já existissem, a mente humana ainda
não era engenhosa e criativa o bastante para saber como transformá-los em celulares,
mísseis, computadores e internet.
Uma
concepção errônea, mas extremamente popular, é a de que o estudo da ciência
econômica serve para capacitar alguém a prever os rumos da bolsa de valores ou
a fazer investimentos rentáveis. Errado. A economia é um estudo sistemático sobre
causa e efeito, e serve para você entender as relações de causa e efeito. O estudo da economia ajuda a entender o que
acontece quando você faz coisas específicas de maneiras específicas.
O
caminho para entender resultados econômicos é examinar as consequências das
decisões tomadas e quais foram os incentivos que levaram a essas decisões.
E
isso nos permite entender como a riqueza é criada.
O que é riqueza?
Comecemos
pelo básico: riqueza é tudo aquilo que gera
uma fonte de renda futura.
Não
é a riqueza que dá valor à renda, mas sim a renda que dá valor à riqueza. O valor de um terreno não depende do terreno
em si mesmo, mas sim do valor de todos os serviços que ele permite. Um pedaço de terra em uma cidade inglesa tem
mais valor que um pedaço de terra no Zimbábue porque suas possíveis utilizações
na Inglaterra (residenciais, industriais, comerciais etc.) são mais úteis para
o conjunto da sociedade do que no Zimbábue.
Por
outro lado, se a Inglaterra for devastada por uma guerra e Zimbábue se tornar
um centro internacional de negócios, as terras do Zimbábue passarão a ser muito
mais valiosas do que as da Inglaterra, ainda que, fisicamente, não tenha havido
alteração nenhuma na composição destas terras.
É
por isso que o preço do metro quadrado hoje em Hong Kong ou Cingapura é
infinitamente superior ao valor de 50 anos atrás. As terras são as mesmas, mas a utilidade da
terra melhorou (aliás, a qualidade da terra em si pode até ter se degradado),
pois o valor que subjetivamente se atribui às utilizações que o terreno
proporciona se multiplicou.
Em
uma sociedade formada por bilhões de pessoas, onde os recursos físicos possuem
variados usos alternativos, a imensa maioria das rendas não advém
automaticamente dos recursos materiais, mas sim do uso que se faz destes recursos materiais. Isso significa que a capacidade de geração de
renda depende muito mais da organização inteligente destes recursos do que da
disponibilidade dos mesmos.
É
exatamente por isso que a Google (e tantas outras empresas) conseguiram crescer
e enriquecer mesmo tendo sido criada em uma garagem e utilizando apenas
recursos próprios; e também é exatamente por isso que os governos, mesmo tendo
à sua disposição muitos mais recursos (confiscados) do que qualquer empresa,
não conseguem gerar nada de proveitoso.
Um
poço de petróleo hoje é o mesmo poço que já existia há 100 anos. No entanto, seu dono hoje será
incomparavelmente mais rico do que o dono de 100 anos atrás, pois o petróleo
hoje é utilizado em processos produtivos que geram muito mais renda do que
gerava há 100 anos.
O
que se pode dizer com certeza é que, em ordens sociais livres e complexas, a
maior parte da riqueza de uma sociedade estará na forma de sistemas
organizacionais geradores de bens e serviços (renda), isto é, de empresas que
produzam bens e serviços valiosos para os consumidores; e continuará nesta
forma apenas enquanto estes sistemas empresariais seguirem gerando valor para o
consumidor. São famosos os casos de
megaempresas que se tornaram totalmente descapitalizadas em decorrência do
simples fato de que seus bens e serviços deixaram de ter valor para o
consumidor (o recente ocaso da Kodak é o mais famoso de todos).
Conclusão
Não
é a intenção deste artigo abordar algumas das causas atuais da desigualdade
econômica. É fato que há várias pessoas
que enriqueceram em
decorrência de fartos subsídios governamentais, e de tarifas protecionistas e
onerosas regulamentações que impediram o surgimento de concorrência e
garantiram uma renda exclusiva para esses plutocratas.
É
também fato que a maneira como funciona o atual sistema monetário e bancário é
propícia a uma distribuição
desigual de riqueza.
E
também é fato que a desigualdade começou a crescer na década de 1970,
justamente quando os governos aboliram o que restava do padrão-ouro e,
consequentemente, deram liberdade total aos seus Bancos Centrais para inflacionarem
sem qualquer restrição. (A inflação
gerada a partir da década de 1970, e a consequente redistribuição de riqueza —
mecânica essa explicada em detalhes aqui —
afetou severamente a distribuição de riqueza).
No entanto, um debate que desconsidere coisas simples como o que realmente é
riqueza, como ela é gerada, como ela é distribuída, e o que define uma
distribuição injusta é um debate meramente emotivo, e não racional.
O
mais irônico de tudo é que, quando a distribuição de renda é realmente injusta,
isso ocorre por causa das interferências, das regulamentações e dos gastos
governamentais. E o que entidades como a
Oxfam sugerem para corrigir essa injustiça gerada pelas intervenções do governo
é justamente mais interferências, mais gastos e mais regulamentações
governamentais.
Conclui-se
que essas pessoas simplesmente não entendem nem como a riqueza é criada, nem
como ela é justa e injustamente distribuída, e nem como ela é destruída.
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Leia também:
Em vez de culpar a desigualdade, pense em criar mais riqueza
A igualdade de oportunidade e a opressão do politicamente correto
A igualdade de renda é moralmente indefensável e seu legado é humanamente trágico
O luxo de alguns e a desigualdade de riqueza e de renda
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Autores:
Walter
Williams, professor honorário de economia da George Mason University e
autor de sete livros. Suas colunas semanais são publicadas em mais
de 140 jornais americanos.
Juan
Ramón Rallo, diretor do Instituto
Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad
Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja
Economía.
Gary
North, ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros
sobre economia, ética e história. Visite seu website.
Leandro
Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises
Brasil.