O desastre da economia brasileira
tem estampado os jornais nacionais e estrangeiros. Não há mais como negar o que
os fatos friamente atestam: estamos
em recessão. Nossa economia está se contraindo. E para piorar o quadro: uma
recessão aliada a uma inflação de preços de quase dois dígitos com um câmbio que se deteriora
perante o mundo.
O recém-divulgado PIB do segundo
trimestre do ano confirma mais um dado negativo: a contínua queda dos
investimentos. As empresas não apenas não estão investindo, como também estão
reduzindo a produção e a força de trabalho. A escalada do desemprego inquieta
toda a nação, e a incerteza econômica assombra os empresários. Em tal cenário,
é natural a confiança
do consumidor estar no pior nível desde a crise financeira de 2008.
Complicando ainda mais o drama, temos
déficits recordes nas contas públicas, dívida em ascensão e arrecadação em
queda. A situação fiscal é a pior da história do Plano Real e — dada a total
falta de governabilidade em Brasília — tem grandes chances de se agravar. O
governo Dilma enfrenta uma profunda crise política, em cuja origem está o maior
escândalo de corrupção do planeta. A classificação de "grau de investimento"
está por um fio — mantém-se apenas pela boa vontade das agências de risco e
pela permanência do fiador do país, Joaquim Levy.
Há muito tempo não tínhamos uma
confluência de fatores tão perversa. As causas do fracasso da nossa economia,
contudo, são bem conhecidas. Felizmente, hoje já há um consenso: pertence ao
próprio governo a culpa pela maior crise econômica dos últimos 20 anos.
Mas esse conhecimento não basta à
sociedade brasileira. Ela quer saber o que está por vir, como será o futuro. As
dúvidas e incertezas pairam no ar e inquietam a todos. Já chegamos ao fundo do
poço? Onde vamos parar? Como consertar os fundamentos da economia brasileira? O
quão grave é a situação fiscal? Quanto tempo levaremos para contornar e superar
essa crise?
Este artigo é uma tentativa de
fornecer algumas respostas a essas importantes questões.
O retrato do desastre econômico
Poucos sites de economia
documentaram e previram tão bem — com dados e argumentos — a queda
da economia brasileira como o Instituto Mises Brasil. Quando muitos se
empolgavam com a decolada do país — muito bem ilustrada pela fatídica capa da
revista The Economist em 2009 —, os
autores do IMB atentavam para os diversos desequilíbrios em formação e os
perigos do dirigismo econômico
praticado pelo governo e intensificado após a crise de 2008.
Comprovando as nossas teses, o
fim do ciclo de crescimento econômico insustentável não tardou para chegar —mais
um voo de galinha de uma economia viciada no intervencionismo.
Ao fim de 2012, já buscávamos
entender e explicar os males que assolavam a economia. Naquele ano, muitos
economistas não compreendiam o porquê do crescimento pífio depois do espetáculo
de 2010 e 2011, quando o país cresceu 7,6% e 3,9%, respectivamente. A verdade é
que as políticas equivocadas e as distorções econômicas já estavam em plena
gestação. Era uma questão de tempo para a economia ruir.
Compilados os dados do segundo trimestre de 2015, a economia
brasileira entrou oficialmente em recessão.

Fonte: IBGE
Em linha com o declínio do PIB
está a incrível queda da variável mais importante: os investimentos. A formação
bruta de capital fixo (FBCF) cai há oito
trimestres consecutivos, algo inédito na era do real.

Fonte: IBGE
No acumulado dos últimos quatro
trimestres, a FBCF registrou queda de 7,9%, um tombo preocupante, pois é o mais
acentuado desde 1999 — um ano de alta turbulência internacional, quando nossa
moeda passou a flutuar livremente — e tem clara tendência negativa.
Um dos grandes causadores da
queda de investimento no Brasil foi a má precificação do capital. Em realidade,
a má precificação do capital foi também responsável pelo boom inicial de investimentos. Conforme escrevemos e previmos ao
fim de 2012, foram precisamente a política de juros baixos e crédito estatal
subsidiado dois dos fatores responsáveis pelo crescimento insustentável da FBCF
em 2010 e 2013. Mas o boom insustentável
contém as sementes da sua própria ruína, pois a má alocação do capital na
economia logo se torna evidente.
Nesse mesmo artigo de 2012,
usamos um gráfico interessante para ilustrar o custo do capital artificialmente
baixo. Na maioria dos países, as taxas de concessão de crédito tendem a andar junto
com o crescimento nominal do PIB. A taxa de crescimento do PIB (renda)
deve ser suficiente para sustentar o serviço da dívida. Ela é também um
sinal para os produtores: o capital não é gratuito.
A taxa de juros livre de risco é
geralmente similar à taxa de crescimento nominal do PIB, o qual é um bom
substituto para a taxa de crescimento dos lucros. Assim, em economias em
que há menos repressão financeira, o crescimento nominal do PIB e a taxa de
juros livre de risco geralmente são similares.
No Brasil, um bom mensurador para
o custo do capital é a taxa do CDI (Certificados de Depósito Interbancário —
taxa de juros para empréstimos interbancários, os quais são lastreados por
títulos do Tesouro). Durante a maior parte da década, as taxas do CDI
mantiveram-se bem acima do crescimento nominal do PIB, o que implicava alto
custo para o capital.

Fonte: Bacen e autor
O grande descasamento entre o CDI
e o crescimento do PIB em 2010 sugere precisamente que o custo do capital
estava abaixo do seu valor de mercado. Um boom
insustentável era a consequência inevitável.
Mas o governo não aprendeu a
lição e insistiu na política de crédito barato em 2013 e 2014. Era preciso
concluir os investimentos necessários à Copa do Mundo, bem como agradar o
eleitorado em ano de eleições. Felizmente, essa política parece ter cessado em
2015, como bem ilustra o gráfico acima.
Com uma taxa de juros das mais
altas do mundo, hoje o capital tem custo. E um custo bastante alto. Somem-se a
isso as incertezas políticas e os escândalos de corrupção com as maiores
empreiteiras do país, e resta claro que os investimentos não serão retomados
tão cedo. Na atual conjuntura, a FBCF só cresce por milagre.
De todas as políticas adotadas
pelo governo, a mais perversa é justamente a do crédito abundante e subsidiado.
Não quero, com isso, menosprezar o potencial destrutivo dos infindáveis planos
e pacotes econômicos lançados dia sim, dia não pelo governo Dilma e a equipe
Mantega. Sem dúvida alguma, as intervenções cirúrgicas e constantes causam
graves distorções na economia. Contudo, na maior parte das vezes, elas são
diretas e plenamente visíveis. Isso quer dizer que seus efeitos nocivos podem
ser previstos e diagnosticados com mais precisão.
Mas uma política deliberada de
juros artificialmente baixos — aliada ao controle estatal sobre o crédito
bancário — é capaz de desorganizar toda a estrutura produtiva da economia, com
consequências profundas no longo prazo, em diversos setores. É uma política com
efeitos adversos não intencionados, embora poucos economistas saibam
identificar essa relação causal.
Quando do lançamento do Plano
Real, os bancos públicos respondiam por quase 60% do crédito no país. Os
saneamentos dos bancos por meio do Proer e do Proes deixaram uma marca
extremamente positiva no sistema financeiro nacional: a prática bancária
voltaria a ser majoritariamente uma atividade privada, sujeita às leis da
economia e ao sistema de lucros e prejuízos.
Atualmente, porém, a realidade é
outra. Quando Lula assumiu a presidência, em janeiro de 2003, o total do
crédito bancário nas mãos de bancos estatais era de 37,5%. Hoje está em 55,3%
(BNDES, BB, CEF, entre outros), um patamar semelhante ao da China comunista.

Fonte: Bacen e autor
Isso quer dizer que, na era
Lula-Dilma, a cada R$ 1.000 de novo crédito criado, R$ 580 foram oriundos de
bancos estatais. Durante o primeiro mandato da atual presidente, a proporção do
crédito estatal em novas concessões aumentou para 67%. E nos anos de 2013 e
2014, os bancos públicos concederam estarrecedores 79% de todo o novo crédito
no Brasil, uma relação de quatro para um!

Fonte: Bacen e autor
Nenhum governo abusou tanto do
crédito abundante e barato como o da presidente Dilma. Nenhum governo abusou
tanto dos bancos estatais como o governo do Partido dos Trabalhadores.
Mesmo assumindo, por um instante,
a improvável hipótese de inexistência de corrupção, essa política tem
consequências gravíssimas na economia. Crédito bancário jamais deve estar
sujeito a pressões políticas, não deve ser um programa de governo.
Ao utilizar os bancos estatais
como principal funding do
investimento no país, o governo abdica do racional econômico em favor do
"crédito direcionado". Ora, nenhum político, burocrata ou órgão do governo tem
a clarividência para saber aonde o crédito deve ser direcionado, por mais bem-intencionados
e abnegados que possam ser. Quais indústrias precisam de financiamento? Quais
linhas de produtos são realmente demandadas pelos consumidores? Há capacidade
real de pagamento? Qual deve ser a exposição máxima ao setor XPTO? Para um
banco público, essas perguntas são secundárias, ou até mesmo irrelevantes.
O resultado trágico é a
esquizofrenia do nosso sistema bancário. Enquanto a taxa de juros média nas
operações de crédito com recursos livres é de 44,17% ao ano, a do crédito
direcionado é de apenas 10,1% ao ano. Enquanto o prazo médio da carteira de
crédito com recursos livres é de não mais que 1,5 ano, o prazo em operações com
recursos direcionados é de 6,2 anos. Quem paga pelo subsídio do crédito
direcionado são os devedores do "crédito livre". Daí o elevado e patológico spread bancário no país.
É um verdadeiro cabo-de-guerra
entre, de um lado, os bancos privados e, do outro, os bancos estatais. Enquanto
um desarranja a economia ao conceder crédito como se ato de caridade fosse, a
banca privada mais do que compensa ao praticar os juros mais altos do mundo.
Considerando que, durante a era
Lula-Dilma, a concessão de crédito foi majoritariamente um ato de política
pública — com uma forte guinada a partir de 2010 —, não deveria nos
surpreender a queda vertiginosa dos investimentos e o fracasso econômico atual.
Se juros artificialmente baixos são capazes de gerar ciclos econômicos, a
combinação de juros baixos com banca estatal é a receita perfeita para o
desastre.
O crédito barato e abundante
viabilizou os empreendimentos de quem — em condições normais de temperatura e
pressão — jamais deveria ter sido financiado. Agora, com a Selic acima de 14%
ao ano e a retração da farra creditícia pelos bancos públicos, os investimentos
errôneos estão sendo lentamente liquidados e expurgados da economia. Demissões
são a consequência natural, e o engavetamento de novos projetos, também.
Nessa conjuntura, a corrupção é
um agravante adicional à economia: empiora o que já estava ruim e paralisa o
que beirava a inércia.
O gigantesco buraco fiscal do governo
Boa parte do agravamento fiscal
decorre do imbróglio dos bancos públicos. Além de desordenar a atividade
econômica com uma política creditícia não convencional, o uso do BNDES, em
especial, impõe um custo elevado à gestão da dívida do Tesouro Nacional. Não
está apenas no diferencial das taxas de juro — entre o que o Tesouro capta no
mercado e repassa ao banco — o subsídio concedido pelo governo, mas também, e
sobretudo, no diferencial entre o prazo de captação do Tesouro e prazo de
repagamento dos repasses feitos ao BNDES.
No artigo de 2012, ressaltei o
fato de que "Os empréstimos concedidos pelo BNDES representam um quinto do
crédito total no país. E o que é ainda mais perturbador é o fato de que o
Tesouro Nacional tem sido a principal fonte de financiamento para o BNDES, o
qual se endivida com o governo (o Tesouro emite títulos para levantar os
fundos) por um período médio de amortização de mais de 30 anos".
Como se já não bastassem 30
longos anos de prazo médio de suas
obrigações com o Tesouro — um perfil de dívida de causar inveja a qualquer
instituição financeira do planeta, em qualquer ponto da história —, no começo
de 2014, o BNDES conseguiu a façanha de renegociar
para 46 anos (!) o vencimento de um total de R$ 194 bilhões em débitos com o erário.
Quarenta e seis anos! Isso elevou o prazo médio de seu passivo com o Tesouro
para mais de 40 anos.
Afirmei à época, e reforço
novamente: o BNDES certamente já deixou sua marca na história do sistema
bancário mundial, pois alcançou o nirvana almejado por qualquer banqueiro,
financiando-se com prazos extremamente longos, concedendo empréstimos de
maturação bastante curta e, em todo esse processo, auferindo altos lucros
oriundos de um spread positivo.
Todo esse intrincado
relacionamento entre Tesouro e BNDES fez a dívida bruta aumentar consideravelmente
no mandato da presidente Dilma — felizmente, a dívida líquida já é largamente
ignorada pelos analistas, pois ela considera como crédito os repasses do
governo ao banco.
Ao fim de julho deste ano, a
dívida bruta alcançou 64,6% do PIB, em valores absolutos, R$ 3,68 trilhões. O
que preocupa é a rapidez assustadora com que ela tem crescido nos últimos
meses. Terminou 2014 com um incremento anual de 18,4% e, nos últimos 12 meses,
subiu mais de 23,5% — nada menos que R$ 700 bilhões acrescidos à divida total
do governo brasileiro.

Fonte: Bacen e autor
Adicione a essa montanha de
dívida um custo de mais de 14% ao ano e temos como resultado um gasto com juros
colossal, na ordem de R$ 451 bilhões no último ano, ou 8% do PIB, um patamar
que não era alcançado desde 2003.
Para concluir a ópera, a
estagnação de 2014 e a recessão oficializada no último trimestre fizeram secar
os cofres do erário. Desde novembro, o Tesouro vem registrando queda real na
arrecadação. Enquanto as despesas seguem subindo, as receitas encolheram 6,6% ao
ano em termos reais. E qual o grande desfecho final? O primeiro déficit
primário desde 1996. Mais um recorde para a presidente.

Fonte: Bacen e autor
Se considerássemos os aportes no BNDES como despesa primária
do Tesouro — porque, na verdade, é exatamente como deveriam ter sido
considerados, não fosse a criatividade fiscal de Guido Mantega e Arno Augustin —,
o déficit nominal seria ainda mais profundo.

Fonte: Bacen e autor
O desastre da economia abriu um
rombo nas contas fiscais. Ou melhor, a inépcia na condução da política
econômica, aliada à gestão fiscal inconsequente, abriu um buraco enorme nas
contas públicas como há muitos anos não se via. A julgar pela tendência atual,
o ano de 2015 encaminha-se para ostentar o pior déficit nominal da história do
real.
Mas isso não é tudo. O quadro é
mais alarmante. O verdadeiro déficit causa ainda mais aflição. Quando
consideramos, além do resultado nominal (primário menos gasto com juros), a
necessidade de refinanciamento da dívida, o verdadeiro déficit alcança 23% do
PIB — isso seria a necessidade total de financiamento do setor público (NFSP).
A título de comparação, esse patamar é similar ao dos países periféricos da
Zona do Euro quando eclodiu a crise dos PIIGS. A Grécia quebrou justamente por
dificuldade na rolagem de dívida.
Fonte: Bacen e autor
A elevada NFSP decorre do
curtíssimo prazo de maturação da dívida pública brasileira (prazo médio) e do
custo exorbitante exigido pelo mercado para carregá-la. O prazo de maturação é
de 4,6 anos, mas praticamente um quinto da dívida pública vence em 12 meses.
Isso implica dizer que, a cada ano, o Tesouro precisa rolar um quinto do seu
passivo.
Na prática, quando consideramos
as operações compromissadas do Bacen, o prazo de maturação é ainda menor, cerca
de três anos. Porque, na prática, quase R$ 1 trilhão de dívida pública é rolado
mensalmente. Aqui adentramos um ponto que tem acendido a luz amarela — e
com razão —para alguns economistas, notadamente Gustavo
Franco e Gustavo
Loyola, dois ex-presidentes do Banco Central do Brasil.
Um dos grandes avanços na reforma
fiscal e monetária no país, iniciado com a extinção da famigerada
"conta-movimento", foi a vedação constitucional de o Banco Central "conceder,
direta ou indiretamente, empréstimos ao Tesouro Nacional e a qualquer órgão ou
entidade que não seja instituição financeira", conforme disposto no art.
164 da CF de 1988.
Em realidade, a linha divisória
entre política monetária e fiscal é bastante tênue, uma vez que o Bacen utiliza
os próprios títulos da dívida mobiliária federal como instrumento para gestão
da liquidez, o que naturalmente cria um mercado cativo para os papéis emitidos
pelo governo. Com o aumento descomunal das operações compromissadas, a já tênue
linha divisória praticamente desapareceu. Explico.
Uma operação compromissada nada
mais é do que a venda de um título pelo Bacen ao mercado com o compromisso de
recomprá-lo em um data futura a um preço e em prazo predeterminados. É um
instrumento rotineiro para gestão de liquidez no sistema. O aumento das
compromissadas ocorreu inicialmente devido à política de acúmulo de reservas
internacionais a partir de 2006. Foi a forma utilizada para remover a liquidez
excedente.
Acontece que, nos últimos três
anos, o volume de reservas pouco tem oscilado, ao passo que as compromissadas
quase dobraram nesse período, saltando de saldo de R$ 500 bilhões para quase R$
1 trilhão. Qual o motivo? A dificuldade que o Tesouro vem encontrando para
rolar integralmente a dívida pública federal.
De que forma isso ocorre?
Nos últimos meses, especialmente por conta de toda a incerteza política e
macroeconômica, os leilões do Tesouro não têm alcançado os objetivos de
emissões nas condições pretendidas de taxa e prazo — em miúdos, as taxas
ofertadas não têm tido demanda suficiente. O resultado prático é um resgate
líquido de títulos públicos. Assim, quando o volume de novas emissões é
inferior ao montante amortizado da dívida pública, há um excesso de liquidez no
sistema — recursos saem do caixa único do governo em favor do caixa dos
bancos. Como um excesso de liquidez no sistema tem efeitos sobre a taxa de
juros, o Bacen é obrigado a enxugar a liquidez para garantir o pleno
atingimento da meta para a taxa Selic.
As compromissadas são um financiamento de curto prazo tomado pelo Bacen no
mercado com lastro nos títulos de sua carteira. Porém, dado que o Banco Central
não tem estoque infinito de títulos públicos, o Tesouro é convocado a emitir títulos de dívida em favor do Bacen de modo a recompor a sua carteira e
possibilitar a execução da política monetária. Mas isso não seria uma clara
violação do art. 164? Dependendo da interpretação, sim, e por isso os dois
ex-presidentes do Bacen acima têm soado o alarme.
Ocorre que, por conta de uma lei criada em 2008 para repassar ao Tesouro o custo de
carregamento das reservas cambiais, o Poder Executivo está autorizado a emitir
títulos de dívida pública para "assegurar ao Banco Central do Brasil a
manutenção de carteira de títulos da dívida pública em dimensões adequadas à
execução da política monetária". Dados os fracassos parciais nos leilões do
Tesouro, o governo tem recorrido ao Bacen, emitindo títulos de dívida em favor
da autoridade monetária, respaldado justamente por essa legislação.
Recapitulando: o Tesouro tem tido dificuldade na rolagem integral da dívida
pública, causando um resgate líquido e, portanto, aumento da liquidez no
sistema. O excesso de liquidez afeta a taxa Selic, obrigando o Bacen a utilizar
as operações compromissadas — cujo lastro são títulos públicos — para enxugar
a liquidez e manter a Selic na meta estabelecida. Para recompor a carteira do
Bacen, o Tesouro emite novos títulos em seu favor.
Em outras palavras, as complicações fiscais estão influenciando diretamente
na condução da política monetária. Dito de outra forma, por causa da
incapacidade do governo de colocar dívida no mercado nas taxas desejadas, o
Tesouro tem recorrido ao Bacen para se financiar — e a um alto custo, porque,
nesse arranjo, o Banco Central remunera as operações a taxas de juros mais
elevadas e por um prazo curtíssimo.

Fonte: Bacen e autor
O montante de compromissadas carregado pelo Bacen corresponde a nada menos
que 24,5% da dívida bruta. Em relação à sua própria carteira de títulos
públicos, as compromissadas representam hoje 75%; em 2005, não passavam de 14%.
Segundo Gustavo Franco, o saldo das compromissadas representa a dívida "encalhada", aquela que o governo simplesmente não consegue
rolar no mercado.
Estivesse a situação fiscal equacionada, essa dívida toda estaria no
mercado, e jamais sendo carregada pelo Banco Central. Com isso, estaria o Bacen
financiando o Tesouro, em uma clara infração do art. 164, ressuscitando um
velho problema dos tempos de hiperinflação? Na letra fria da lei, talvez não.
Na dura realidade econômica, é a única conclusão cabível.
Esse estado de coisas evidencia a inabilidade fiscal do governo, a qual
invariavelmente impacta na dívida pública federal (DPF). Por certo período, a
gestão da DPF foi levada a sério. Reduziu-se a dependência do endividamento
externo — hoje os títulos indexados ao câmbio são uma proporção ínfima da
dívida total — e aumentou-se a proporção dos papéis prefixados.

Fonte: Secretaria do Tesouro
No entanto, perduram dois pontos delicados: i) prevalecem ainda os títulos
indexados aos índices de inflação ou atrelados à Selic na composição da DPF e
ii) o mercado ainda não aceita carregar as Letras do Tesouro (LTNs, títulos
prefixados) por um duration acima de
dois anos, em média. Ambos os fatores impedem um alongamento do perfil da
dívida – o que facilitaria a rolagem – e oneram pesadamente o Tesouro quando o
Bacen tem de elevar a taxa de juros.
Dado o descontrole fiscal atual e as perspectivas macroeconômicas, a
tendência para a DPF é preocupante.
O tamanho do ajuste fiscal e
a saída para a crise
À medida que o governo se enreda cada vez mais nas suas próprias
trapalhadas, os economistas vão revisando — para baixo — a previsão de
crescimento econômico para este e os próximos anos. Muito provavelmente,
teremos dois anos consecutivos de recessão. Ademais, é cada vez mais real a
possibilidade de um déficit primário neste e no próximo ano. Considerando todo o exposto acima, o
gasto com juros deve ser ainda maior. Há uma boa chance de a dívida bruta
atingir quase 75% ao final de 2016.
Rebaixamento da classificação de risco com perda de grau de investimento?
Na conjuntura atual, esse se torna o cenário-base para o ano que vem.
E qual deve ser o tamanho do ajuste? Simples, o ajuste é do tamanho do
buraco fiscal. O ajuste necessário é igualmente gigantesco, pois as contas
nacionais estão em um estado calamitoso.
Apenas elevar alguns tributos — como insiste em propor o governo — não
resolverá o problema. Dada a já estonteante carga tributária, aumentos de
impostos podem inclusive derrubar a arrecadação em uma economia em contração.
A recessão econômica está revelando o óbvio: o Estado é deveras inchado, e
a reforma fiscal abrangente precisa ser retomada, assim como a agenda de
privatizações (inclusive no setor financeiro) e concessões. Acima de tudo, é
preciso endereçar o grave déficit previdenciário, que ultrapassará R$ 60
bilhões em 2015. Para equacionar as contas públicas de forma sustentável, a
reforma da previdência é imprescindível.

Fonte: Bacen e autor
Nenhuma dessas propostas é inédita. Não há novidade alguma. Soamos
repetitivos, é verdade. Mas o óbvio tem sido ignorado solenemente há tanto
tempo que não resta remédio senão repeti-lo insistentemente.
Todavia, conseguirá o governo de Dilma Rousseff levar adiante um ajuste
dessa magnitude? Praticamente impossível.
Especialmente depois do fiasco da proposta orçamentária deficitária para o ano que vem – mais um feito
inédito da presidente na história do Plano Real –, as chances da atual
administração de levar a cabo algum ajuste no Congresso são quase inexistentes.
Dilma já não governa. O déficit orçamentário jogado no colo do Congresso é
mais um atestado dessa realidade.
Depois de solapar os fundamentos da economia com sua Nova Matriz Econômica
e atrofiar duas pernas do tripé da política econômica — a fiscal e a de metas
inflação —, o governo do Partido dos Trabalhadores tornou-se a principal fonte
de insegurança e incerteza no país. A origem da maior crise econômica na
história contemporânea está nas políticas do próprio governo.
O lado positivo disso tudo é que, por ora, as medidas heterodoxas foram
contidas. Embora Joaquim Levy seja incapaz de levar adiante o ajuste fiscal do
tamanho exigido, ele tem buscado impedir novos malabarismos na condução da
economia.
O problema está na falta de governabilidade absoluta da presidente Dilma.
Ainda que não haja novas rodadas de heterodoxia, se nenhum ajuste for
realizado, se tudo permanecer como está, a tendência é de piora grave no quadro
fiscal.
É certo que, no paradigma atual, dívida não se paga, dívida se rola,
conforme a célebre frase de Delfim Neto nos anos 1980. Mas a que custo? E por quanto
tempo? E quando o mercado cruzar os braços e se negar a rolar a dívida pública?
Cedo ou tarde, a relação Tesouro-Bacen pode ficar ainda mais íntima — uma
doença da qual o Brasil parecia estar curado. Se entrarmos por essa via, a
perspectiva de inflação será das piores. Nos moldes, talvez, do que já anda
ocorrendo na Argentina.
Não nos enganemos: a depreciação da moeda é um sintoma de patologia fiscal.
Tampouco nos esqueçamos do que está por vir: a caixa preta do BNDES ainda
está por ser aberta. Resta saber, também, o quão afetado será o balanço do
banco em decorrência da crise que ele próprio ajudou a alimentar.
Concluindo, a incerteza política é grande e, hoje, é ela quem contamina,
retroalimenta e aprofunda a crise econômica.
Após tornar-se o principal inibidor dos investimentos no país, o governo,
personificado pela figura da presidente Dilma, é hoje o obstáculo central para
sairmos da crise. Sem mudanças, a crise será longa. Entendamos, porém, que, seja por impeachment, seja pela renúncia, a saída de Dilma
da presidência não é garantia de sucesso. Mas sua permanência é quase certeza
de fracasso.