segunda-feira, 19 out 2015
Meu pai
Irwin A. Schiff nasceu no
dia 23 de fevereiro de 1928, o oitavo filho (e único filho homem) de um casal
judeu de imigrantes, que havia cruzado o Atlântico vinte anos antes em busca de
liberdade.
Como resultado da esperança e coragem de meus avós,
meu pai teve a sorte de nascer naquela que então era considerada a nação mais
livre da história do mundo.
No entanto, quando ele faleceu no dia 16 de outubro
de 2015, aos 87 anos de idade, na condição de prisioneiro político daquela
mesma nação, cego e algemado a uma cama de hospital dentro de um quarto de UTI vigiado
por agentes armados do estado, aquela nação livre na qual ele tinha nascido já havia
morrido há muito tempo.
Meu pai teve um longo caso amoroso com os princípios
fundadores dos EUA e orgulhosamente serviu ao seu país durante a Guerra da
Coreia, durante a qual chegou inclusive a ter a nada honorável distinção de
pertencer à mais baixa classificação dos soldados americanos na Europa. Enquanto estava na faculdade, conheceu os princípios
da Escola Austríaca de Economia por meio das obras de Henry
Hazlitt e Friedrich
Hayek. De início, ele se tornou
ativo na política durante a campanha de Barry Goldwater à presidência
dos EUA, em 1964.
Seu ativismo se intensificou durante a Guerra do
Vietnã, quando liderou esforços voluntários e localizados para resistir aos
planos da Universidade de Yale de enviar ajuda para o governo do Vietnã do Norte
em um momento em que as tropas daquele país combatiam as tropas americanas no
sul.
Mais tarde, ele tentou uma campanha para o governo
de Connecticut pelo método write-in [N.
do E.: um candidato write-in é um candidato cujo nome não aparece nas cédulas de
votação, mas em quem os eleitores podem votar ao simplesmente escrever o nome
dele, sendo esses votos válidos. Tal sistema
existe quase que exclusivamente nos EUA].
Anos depois, tentou a indicação do Partido Libertário para a presidência,
em 1996, mas acabou perdendo para Harry
Browne.
Em 1976, sua defesa da economia de livre mercado, de
um governo limitado e de uma interpretação estrita da Constituição americana o
levou a escrever seu primeiro livro: The Biggest Con: How the Government is Fleecing You ("A
maior das fraudes: como o governo está espoliando você"), uma causticante acusação
à expansão do governo americano. O livro
recebeu vários elogios do mundo conservador e ganhou uma excelente resenha no The Wall Street Journal, dentre outras publicações
da grande mídia.
No entanto, meu pai sempre foi mais conhecido por
sua inflexível oposição à legalidade do Imposto de Renda, postura essa que
levou o governo federal a rotulá-lo como um "manifestante tributário". Meu pai não era anarquista e, sendo assim,
admitia uma tributação moderada e objetiva.
Ele acreditava que o governo tinha uma função importante, porém
limitada, em uma economia de mercado. Ele,
no entanto, se opunha à ilegal e inconstitucional imposição de um confisco da
renda pelo governo federal, no forma do Imposto de Renda.
[N. do E.: nos EUA, há um intenso debate sobre se a
coleta do Imposto de Renda pelo governo federal é legítima. Originalmente, a Constituição americana não concedia
ao governo federal esse poder. Tal
brecha foi "corrigida" pela criação da 16ª emenda, a qual passava a conceder
esse poder. No entanto, tal emenda nunca
foi adequadamente ratificada, de onde vêm os argumentos legais contrários
ao Imposto de Renda].
Seu primeiro livro sobre esse assunto (ele escreveu
seis livros no total), intitulado How
Anyone Can Stop Paying Income Taxes ("Como Qualquer Pessoa Pode Parar
de Pagar o Imposto de Renda"), foi publicado em 1982 e se tornou um bestseller de acordo com a lista do The New York Times.
Seu último livro, The
Federal Mafia; How the Government Illegally Imposes and Unlawfully collects
Income Taxes ("A Máfia Federal: Como o Governo Ilegalmente Impõe e
Ilegitimamente Coleta Impostos Sobre a Renda"), publicado em 1992 e que teria três
edições, se tornou o único livro de não-ficção e o segundo e último livro a ser
proibido nos EUA. O único outro livro
proibido foi Fanny Hill: Memoirs of a Woman
of Pleasure ("Fanny Hill: Memórias
de uma Mulher de Prazer"), banido por obscenidade em 1821 e 1963.
Sua cruzada para obrigar o governo a obedecer a lei
garantiu a ele três
sentenças de prisão, a última sendo uma
sentença de 14 anos que ele começou a servir há dez anos, quando já estava
com 77 anos de idade. Nesta última, meu
pai foi condenado por ter respondido a uma pergunta em público sobre este seu
último livro, algo que um juiz federal o havia proibido para sempre de fazer.
Essa sentença acabou se tornando uma pena de prisão perpétua,
já que meu pai não sobreviveu até o ano de sua soltura, que ocorreria em
2017. Na prática, a sentença de prisão perpétua
equivaleu a uma pena de morte.
Meu pai morreu de um câncer de pele que não foi nem diagnosticado
e nem muito menos tratado enquanto ele estava sob custódia do governo
federal. O câncer de pele se degenerou
em um virulento câncer de pulmão, o qual ceifou sua vida apenas dois meses após
o primeiro diagnóstico.
A desnecessária e cruel reviravolta em seus anos
finais de vida ocorreu sete anos atrás, quando ele completou 80 anos de
idade. Naquele ponto, o governo federal
decidiu removê-lo de uma penitenciária federal de segurança mínima no estado de
Nova York, onde ele estava relativamente perto da família e dos amigos, e levá-lo
para um instituto correcional federal, primeiro no estado de Indiana e depois
no Texas. Isso foi feito com a
justificativa de poder dar a ele melhores cuidados médicos. O outro lado da moeda é que, com isso, meu
pai foi obrigado a viver isolado daqueles que o amavam.
Dado que visitá-lo passou a exigir passagens aéreas,
longos vôos, aluguel de carro e estadia em hotéis, sua visitas diminuíram brutalmente
e se tornaram bem mais esporádicas.
Não obstante, embora ele supostamente houvesse sido
enviado para essas instalações para receber cuidados médicos melhores, o fato é
que meu pai não recebeu absolutamente nenhum cuidado médio — nem mesmo para as
cataratas que o deixaram completamente cego —, até que o câncer de pele em sua
cabeça se espraiou para praticamente todos os órgãos do seu corpo.
Quando seu diagnóstico finalmente foi feito no
início de agosto deste ano, os médicos deram a ele de quatro a seis meses de
vida. Tentamos de tudo para tirá-lo da prisão
para que ele pudesse passar seus últimos meses de vida com a família, usufruindo
momentos preciosos com seus netos que ele praticamente não chegou a
conhecer. Mas ele não viveu o bastante
para que o processo burocrático pudesse ser completado.
Dois meses após o processo de pedido de soltura ter começado,
e não obstante os esforços combinados de uma deputada democrata e de um senador
republicano, o abaixo assinado pedindo sua soltura ainda estava sobre a mesa de
algum burocrata, à espera de mais uma assinatura. Até mesmo os funcionários da penitenciária
queriam meu pai solto. Mesmo quando meu
pai já estava prestes a morrer na unidade de tratamento intensivo, veio um
telefonema de um advogado do Bureau of Prisions [agência pertencente ao
Departamento de Justiça e responsável pela administração das penitenciárias
federais], em Washington, querendo mais provas de que as condições do meu pai
eram realmente sérias.
À medida que o câncer o foi consumindo, sua voz foi
se alterando, de modo que o sistema telefônico da prisão não mais a
reconhecia. Consequentemente, ele não mais
pôde nem sequer conversar com membros de sua família pelo telefone em seu
último mês de vida. Quando suas condições
se deterioraram ao ponto de ser necessária sua hospitalização, funcionários do
governo, cegamente seguindo ordens, mantiveram meu pai algemado à cama. Ele já era um indivíduo completamente
inválido aos 87 anos, terminantemente doente, totalmente cego e que mal
conseguia respirar, muito menos andar. Morreu
algemado à cama de um hospital rodeado de agentes do governo portando
metralhadoras.
Ainda que você não concorde com o ponto de vista do
meu pai sobre o Imposto de Renda, é difícil perdoar a maneira como ele foi tratado
pelo governo. Ele manteve suas convicções
tão sincera e passionalmente, que continuou a defendê-las até seu último
suspiro.
Assim como William Wallace na última cena de Coração
Valente, um governo opressivo pode até ter conseguido matá-lo, mas não conseguiu
amputar o seu espírito. E esse espírito
viverá em seus livros, em
seus vídeos, e em seus netos e bisnetos.
Com alguma esperança, seu legado irá ajudar, em alguma época vindoura, a
restaurar as liberdades perdidas que ele morreu tentando proteger, permitindo
que ele finalmente possa descansar em paz.