quarta-feira, 21 out 2015
No dia 27 de agosto de 2015, setenta e um refugiados
foram
descobertos sufocados em um caminhão frigorífico
abandonado na Áustria, bem próximo à fronteira com a Hungria. Esses indivíduos, que foram relatados como
imigrantes que fugiam da guerra civil na Síria, fizeram uma jornada de mais de
1.600 quilômetros até a morte.
Esse episódio trágico foi apenas mais um dentre
vários que já foram relatados nessa crescente crise de refugiados que estão
migrando para a Europa. Das quase 500
mil pessoas que já fugiram para a Europa ao longo de 2014 e 2015, 2.500
morreram em vários acidentes com embarcações ocorridos
apenas no Mediterrâneo.
O problema, obviamente, não é exclusivo da
Europa. Vários destes mesmos migrantes
preferem ir para os EUA passando pelo Brasil, morrendo nas florestas
sul-americanas enquanto tentam alcançar a fronteira americana. Isso ocorreu com cinco
migrantes de Gana, que foram encontrados mortos nas
selvas da fronteira entra a Colômbia e o Panamá.
Embora tragédias como essa sempre levem as pessoas a
afirmar que "algo" tem de ser feito, igualmente importante é indagar quais são
as causas desse processo de migração e o que esse "algo" a ser feito seria.
As
causas subjacentes da migração
Muito já foi escrito sobre o grau de instabilidade
causado pelas belicosas intervenções estrangeiras e pelos efeitos deletérios das
ajudas estrangeiras, cujo dinheiro é majoritariamente desviado pelos governos
destes países, ajudando assim a sustentar e a dar ainda mais poder a estas
ditaduras militares violentas e corruptas.
A mais interessante observação sobre a recente crise migratória não é
que ela esteja acontecendo, mas sim para onde os emigrantes estão indo.
No passado, refugiados normalmente viajavam a
distância mínima necessária para fugir de situações de confronto, sendo que
alguns poucos grupos politicamente populares chegavam até mesmo a receber
passagens aéreas para países mais distantes.
Um bom exemplo disso é o de refugiados somalis sendo realocados para a cidade
de Minneapolis, no estado americano de Minnesota. O restante dos refugiados normalmente
caminhava até a região mais próxima que estivesse livre do confronto.
No entanto, essa recente onda de refugiados e
emigrantes está fazendo algo diferente: eles não apenas estão atravessando
vários países seguros e comprando passagens aéreas para vôos transoceânicos, como
também estão desbravando um caminho que é muito mais perigoso do que
simplesmente ter ficado em casa. Por
exemplo, os supracitados setenta e um sírios encontrados mortos na Áustria optaram
por atravessar e ignorar quase que uma dúzia de outros países seguros para
chegar até a Áustria e, presumivelmente, continuarem dali até outros
países. É estranho que um refugiado
nepalês irá comprar uma passagem aérea para São Paulo e, dali, pegar a estrada
até a floresta amazônica para então adentrar a Colômbia, o Panamá, vários
países da América Central, até finalmente cruzar a fronteira entre México e
EUA. Não faz muito sentido ele optar por
esse caminho se ele estava apenas fugindo de uma guerra ou de um desastre
natural.
Benefícios
públicos criam os incentivos
Um grande criador dos incentivos para se fazer esta
jornada perigosa e potencialmente letal pode ser resumido em uma única foto:

A foto
acima é de um cartão criado por "especialistas em contrabandear pessoas" — também conhecidos como
"facilitadores", gente que ajuda pessoas a emigrar para outros países —, o
qual foi apreendido pela Frontex, a agência de controle de fronteiras da União
Europeia. Esse cartão lista todos os benefícios que os refugiados ganharão dos
governos europeus.
Facilitadores
ao longo de todo o Oriente Médio, da Turquia e do Norte da África fabricam
cartões desse tipo e os entregam para potenciais clientes. Com efeito, refugiados pararam de buscar
abrigo no refúgio seguro mais próximo e passaram agora a pesquisar as nações
mais generosas para as quais emigrarem.
Para isso, contam com os prestimosos serviços informacionais dos
facilitadores. Isso criou o fenômeno de
que as pessoas não mais estão fugindo de conflitos ou da pobreza, mas sim indo
à procura dos mais lucrativos pacotes de benefícios.
O cartão
acima perverte os sistemas legais ao inferir que apenas chegar ao país já é uma
causa suficiente para ganhar asilo, e que os benefícios são permanentes e para
sempre. E o fato é que tais pacotes de
benefícios realmente existem, e são um grande incentivo para os migrantes. Isso explica por que as pessoas fugindo da
Líbia estão cruzando o Mediterrâneo em embarcações raquíticas e superlotadas, e
por que essas pessoas estão passando direto, sem parar, por quatro ou cinco
países perfeitamente seguros para chegar até a União Européia. Parte dessa enorme crise humanitária é gerada
pela sedutora promessa de que qualquer pessoa que chegar a um país da União
Européia ganhará uma série de benefícios que, em relação ao beneficiado, são
realmente opulentos.
Os
Estados Unidos fornecem benefícios similares a imigrantes, e até mesmo concede
a possibilidade de total unificação com os familiares deixados para trás. Aliás, nos EUA, a questão é ainda mais
exasperante por causa do tratamento concedido a menores desacompanhados, os
quais ganham privilégios imediatos ao simplesmente aparecerem no país. Isso explica o surto
de adolescentes entre 15 e 18 anos flagrados cruzando a fronteira dos EUA sob
condições arriscadas.
Muita papelada governamental
Outro fator
que impulsiona este comportamento é a maneira como os governos lidam com a imigração
legal e o controle das fronteiras. Entrar
legalmente nos países da União Européia e da América do Norte é um pesadelo
burocrático. Aqueles imigrantes que
seguirem as regras terão de obter documentos que não estão prontamente disponíveis em
seus respectivos países.
Por exemplo,
no caso dos EUA, o tempo de solicitação tende a ser muito demorado, há a
necessidade de se fazer viagens para as agências do USCIC (United
States Citizenship and Immigration Services) localizadas no país de origem
do potencial imigrante, mas quase sempre em localizações inconvenientes, e a opção
é limitada apenas a pessoas que possuam família nos EUA ou a quem tenha sido oferecido
um emprego nos EUA em decorrência de suas altas qualificações
Se você olhar
a página do Greencard, na seção das "perguntas
mais frequentes", verá que a única alternativa para uma pessoa que quer
emigrar para os EUA para trabalhar, mas que possui baixas qualificações, seria
tentar um estreito e difícil pedido de asilo.
O processo
de entrada na União Européia é igualmente difícil.
Posso falar
por experiência própria: ao me mudar para a Suíça para fazer meu MBA, mesmo na condição
de americano nato, obter um visto de apenas um ano para a área de Schengen foi
uma tarefa complexa, difícil, custosa e aborrecida. Nem consigo imaginar o que um cidadão da Síria
ou de Gana teria de fazer para obter uma autorização legal de moradia. A própria taxa cobrada para se fazer o
pedido, de US$ 1.010 — e a qual não fornece garantia nenhuma de aceitação —,
embora não seja tão desarrazoada para os padrões de riqueza ocidental,
representa vários anos da renda de alguns migrantes. E mesmo em relação aos refugiados legais, o
processo burocrático de aceitação é longo e difícil. E, dado que existem cotas, seria necessária quase
que uma década apenas para lidar com aquelas pessoas expulsas pelo conflito na
Síria.
Ao fazer
com que o processo legal de entrada seja praticamente inacessível para a
maioria das pessoas comuns, a consequência inevitável é que os migrantes menos
qualificados irão, no desespero, se aventurar por rotas não-convencionais, como
a perigosa travessia entre Colômbia e Panamá ou sob cercas afiadas e cortantes nas
fronteiras da Hungria, ou até mesmo irão procurar os serviços de cartéis criminosos,
os quais irão prontamente escravizar, assaltar ou mesmo matar os migrantes,
embora também possam de fato ajudá-los a atravessar as fronteiras.
Essas opções
são escolhidas em detrimento das alternativas seguras simplesmente porque as
alternativas seguras se tornaram inviáveis em decorrências das políticas governamentais.
A tempestade perfeita
Qualquer uma
das supracitadas políticas cria problemas; porém, conjuntamente, elas formam a
tempestade perfeita.
Ao ofertarem
um rico pacote de benefícios para os potenciais refugiados e migrantes, os
governos criam incentivos para que esses indivíduos façam essa jornada
perigosa. No entanto, ao fazerem com que
estes mesmos benefícios sejam impossíveis sem que tais pessoas tenham de passar
por um martírio, o resultado final é que mais pessoas, no desespero, acabam até
mesmo passando literalmente por moedores de carne (como no caso do caminhão na Áustria).
Essa combinação
é ironicamente cruel: grandes benefícios oferecidos, mas a quase
impossibilidade de obtê-los.
A solução
A solução
para esse problema é dupla.
Primeiro,
subsídios assistencialistas garantidos para refugiados devem ser reduzidos ao
máximo ou mesmo abolidos. Ao remover
esses incentivos, as pessoas atraídas a emigrar por causa de benefícios estatais
— pagos por meio de impostos dos cidadãos trabalhadores do país em questão — irão
desaparecer, reduzindo enormemente a aparente recompensa de se fazer essa
jornada. O custo das jornadas perigosas
continua existindo, mas a recompensa acabou.
Aqueles que estão genuinamente desesperados não mais terão os incentivos
para viajar para além da localidade segura mais próxima.
Segundo,
o bizantino, longo, complexo e custoso sistema de migração legal deve ser
abolido. Nem estou adentrando no debate
sobre o quão abertas devem ser as fronteiras, mas o fato é que, defenda você ou
não as fronteiras abertas, é difícil negar que o atual sistema de migração é
proibitivamente caro e difícil para todos, exceto para os mais educados e mais
influentes. Aqueles que querem emigrar
para genuinamente trabalhar e criar riqueza — e, desta forma, contribuir para
toda a sociedade — estão, na prática, excluídos dos meios legais,
restando-lhes apenas as extremamente perigosas alternativas disponíveis.
Embora vozes
influentes como a do Papa estejam corretas ao dizer que tudo isso é
estarrecedor, as
políticas defendidas por ele e por vários políticos irão apenas piorar as
coisas. Oferecer assistência a
imigrantes ao socorrê-los em barcos naufragados ou permitir que os migrantes permaneçam
em seus novos países sem se alterar toda a questão burocrática irá apenas criar
mais incentivos para que cada vez mais pessoas façam essas mesmas perigosas
jornadas. A questão da recompensa do
risco tem de ser considerada — quanto maiores as recompensas
assistencialistas, mais arriscados serão os comportamentos.
Infelizmente,
as atuais soluções apresentadas pelos políticos irão resultar em embarcações precárias
cada vez mais abarrotadas e um número cada vez maior de travessias em selvas
perigosas.
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Leia também: Uma teoria libertária sobre a livre imigração