segunda-feira, 9 nov 2015
A Argentina já vivencia 85 anos de decadência
econômica. Já tendo sido o nono país do
mundo em termos de riqueza per capita, hoje o país não figura nem sequer entre
os 50 primeiros. Sua pobreza alcança
quase
30% da população. A inflação de
preços "oficial"
está em 15%,
mas institutos privados calculam que a inflação real esteja acima dos 30% (em
2012, o governo
decretou
que era crime divulgar as taxas reais de inflação). O governo
raciona a quantidade de
dólares que as pessoas podem comprar.
Há uma
contínua
fuga de capitais.
O caso da Argentina é tão raro, que até mesmo
reconhecidos analistas internacionais não conseguem explicar os motivos deste
decadente histórico. O economista Simon Kuznets (1901-1985),
o russo que revolucionou a econometria e padronizou a mensuração do PIB,
demonstrando todo o seu assombro, certa vez afirmou que havia 4 classes de
países: os desenvolvidos, os subdesenvolvidos, o Japão e a Argentina.
A excepcionalidade argentina é tamanha, que dois economistas
afirmaram que a Argentina é "o país das desmesuras". Em seu livro que
tem como título esta frase, Juan Lach e Martín Lagos comparam o desempenho
econômico da Argentina com os da Nova Zelândia, Brasil, Chile e Uruguai, e
encontram as raízes da sustentada decadência do país em certos comportamentos
"excessivos ou desmesurados".
Entre estas desmesuras, particular destaque para:
- O caudilhismo e o populismo com
propensões hegemônicas
- O escasso financiamento aos
investimentos por causa da inflação
- O déficit fiscal do governo
Para os autores, a Argentina mostrou um desempenho
amplamente pior que o de todos os países tomando por base estes quesitos, o que
explica grande parte do processo de sustentada decadência econômica e social.
Como não poderia deixar de ser, o kirchnerismo
seguiu ao pé da letra todos estes quesitos.
Em um mundo em que a inflação de preços está em praticamente zero, as
autoridades argentinas tiveram a genial ideia de imitar o modelo venezuelano. Hoje, a Argentina faz parte de um seleto
grupo de 4 ou 5 países que vivenciam, de forma contínua, uma elevação de preços
superior a 20% ao ano.
Por trás da brutal destruição do peso gerada por
essa robusta inflação está o déficit fiscal do governo, que já dura 6 anos e
que cresce
sistematicamente em termos do PIB.
Com travas de todos os tipos, o governo argentino fechou
a economia e isolou do mundo o consumidor argentino, desta maneira fazendo
jus ao slogan de Aldo
Ferrer, que propunha "viver com o que é nosso".
Com o supracitado controle de capitais imposto pelo
governo — chamado
de "cepo" —, o Banco Central proíbe a compra de dólares por argentinos que
querem manter sua poupança em moeda estrangeira, mas permite que alguns
importadores ou algumas pessoas que queiram viajar ao exterior comprem dólares
à taxa oficial de câmbio — mas sempre mantendo um controle estrito
sobre a quantia transacionada. Adicionalmente, o BC argentino também
vende dólares à taxa oficial àquelas pessoas que utilizam cartões de crédito no
exterior, embora lhes cobre um imposto que aumenta a taxa de câmbio em 20%.
O governo justificou a imposição do "cepo"
sobre os argentinos alegando que se tratava de uma tentativa de controlar o
fluxo de dólares e de evitar uma desvalorização. No entanto, após quatro
anos, esse controle de capitais criou ainda mais problemas e não trouxe nenhuma
solução.
Para começar, surgiu um mercado paralelo no qual
dólares são transacionados a uma taxa 60% maior do que a taxa de câmbio oficial
— valor esse que está bem em linha com a alta inflação de preços que está
deteriorando o poder de compra do peso. Estas transações ocorrem naquilo
que passou a ser prosaicamente chamado de mercado do "dólar
azul". A taxa de câmbio oficial está atualmente em 9,54 pesos por dólar ao
passo que a taxa paralela (a taxa "blue") está em 15,12 pesos por dólar.
Adicionalmente, as reservas
internacionais do país já caíram mais de 45% desde outubro de 2011. O
saldo das transações
correntes do país (balança comercial e balança de serviços) foi
reduzido graças ao
colapso na taxa de crescimento das exportações.
A consequência
do "cepo" é que o governo, por meio do Banco Central, paga aos exportadores
somente 63% do valor de seus produtos vendidos para o exterior. Se um
exportador argentino vender um produto que custa US$ 100, o Banco Central argentino
irá lhe pagar somente 954 pesos quando ele for trocar os dólares por
pesos. No entanto, se o Banco Central respeitasse o preço de mercado do
dólar, ele deveria pagar ao exportador 1.512 pesos. Logo, não deveria ser
nada surpreendente que os exportadores estejam sendo profundamente afetados
pelo "cepo".
[N. do E: Outra consequência do controle de capitais, da falta
de conversibilidade da moeda e das restrições às importações é a escassez de
produtos básicos. No início do ano,
chegou a faltar
absorventes no país. Saques ao
comércio e a residências também se tornaram
rotina no país.
Para culminar, os argentinos praticamente não mais poupam
seus pesos. Assim que eles recebem pesos, eles gastam para se livrar
deles. Segundo estimativas de 2010, mais
de 50% das famílias argentinas não utilizam o sistema bancário, certamente
traumatizadas pelo corralito de
2001/2002. Elas poupam em dólares e guardam este dinheiro dentro de casa
ou, quando era possível, em bancos no exterior.
Justamente para evitar essa segunda alternativa, o
governo argentino fechou o cerco, dificultando ao máximo a compra de
dólares. Quem é pêgo transacionando dólares nas ruas pode ir preso.
Isso empurrou as operações literalmente para o subterrâneo.
De acordo com
o The Wall Street Journal, compradores e vendedores de dólares se
encontram em "cuevas" escuras, geralmente locais escondidos nos
fundos dos estabelecimentos, para fazer suas transações.
O
mercado de câmbio na Argentina foi para o subterrâneo. Com o governo
restringindo cada vez mais o acesso a moedas estrangeiras, os argentinos em
busca de dólares, uma mercadoria cada vez mais rara, estão sendo empurrados
para cuevas —
operações clandestinas, realizadas nos fundos escuros de estabelecimentos, nas
quais o cliente paga caro para trocar pesos por dólares.
Comprar
dólares para poupar é uma atividade proibida pelo governo argentino, e as
autoridades permitem a venda de apenas pequenas quantias de moeda estrangeira
para viagens ao exterior. Para obter tais divisas, os viajantes têm de
enviar pela internet um pedido à Receita Federal dias antes de sair do país, e
eles normalmente recebem autorização para comprar uma quantia muito menor do
que pediram.
As
empresas têm de ter aprovação do governo para importar equipamentos e materiais
à taxa de câmbio oficial, mais barata. A Receita Federal trabalha com
cachorros nos postos alfandegários para farejar pessoas que estejam viajando
com dólares escondidos e não-declarados.]
Na Argentina, quem tem dólares quer pagar por bens e
serviços em pesos. Mas só se conseguirem converter dólares em pesos ao
câmbio de mercado negro. Caso contrário, será melhor pagar em dólares,
mas só se o comerciante estiver disposto a aceitar converter seus preços em
dólares à taxa de livre mercado. Normalmente, chega-se a um valor de meio
termo. Ou seja, a Argentina está praticamente em um estado de escambo.
Tudo o que foi dito acima contribui para que os
empreendedores argentinos tenham um escasso acesso a empréstimos privados em relação
a outros países. A tabela abaixo mostra o
total de crédito disponibilizado, tanto por fontes domésticas quanto
estrangeiras, a alguns países:

Por último, o caudilhismo e a hegemonía foram as características
distintivas tanto do governo de Néstor Kirchner quanto do de sua mulher e
sucessora, Cristina Fernández.
Diante de tudo isso, e considerando-se que o
fantasma da continuidade era um fato consumado, os argentinos já se preparavam
para enfrentar mais 4 anos do mesmo. Isto
é, mais 4 anos de decadência — já que, como dizia Albert Einstein, não se pode
esperar resultados diferentes se você sempre tenta fazer o mesmo.
No entanto, algo ocorreu nas
eleições de 25 de outubro. Apesar de
que o primeiro lugar ficou, como esperado, com um aliado dos Kirchner — o
governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli —, é fato que a pequena
vantagem de 2,5 pontos percentuais sobre o candidato da oposição, Mauricio
Macri, bem como a derrota de Aníbal
Fernández (outro escudeiro dos Kirchner) na província de Buenos Aires,
deixaram um sabor amargo no kirchnerismo e um sabor doce para todos os que se opõem
a este governo.
Os mercados festejaram o resultado, antecipando uma
mais possível vitória do candidato do Cambiemos. Já na segunda-feira, a bolsa MERVAL subiu
4,4%, sendo que algumas ações chegaram a subir 15%. O dólar "blue" caiu 25 centavos em um único dia.
O risco-país também vem apresentando uma forte
queda.

Há hoje, na Argentina, uma grande mudança de
expectativas em relação ao futuro. Embora
nenhum candidato tenha exposto muitas propostas concretas na campanha, ainda
permanece a ideia de que um governo da oposição poderia ao menos reduzir a inflação,
liberar o mercado de câmbio, abrir a economia ao mundo e acabar com o ataque sistêmico
às liberdades individuais dos argentinos.
Depois de 12 anos de desmesurado populismo e cleptocracia, a Argentina
poderia estar na iminência de ser um país normal. No entanto, o caminho não será fácil e os
argentinos não podem partir do princípio de que a mudança de expectativas, por
si só, fará todo o trabalho.
É necessário reverter várias medidas populistas
adotadas, e tal reversão nunca é indolor.
Adicionalmente, será necessário manejar com muita convicção e capacidade
a pesada herança da economia K. Os
argentinos não terão vida fácil a partir de 10 de dezembro; no entanto, desde
já, a possibilidade de um fim da dinastia K já é motivo para entusiasmo.