"
Enquanto certos interesses econômicos são os mesmos
para todos os grupos, cada grupo, separadamente, concentra determinados
interesses que são antagônicos aos interesses de todos os demais. Assim,
enquanto certas políticas públicas serão, a longo prazo, benéficas para todos,
outras irão beneficiar alguns setores apenas, em detrimento de todos os outros."
Henry Hazlitt
Foi Marx quem deu nome ao modelo de organização econômica
capitalista. O capitalismo, entretanto, não foi criado por algum cérebro
brilhante, nem gerado em saraus de intelectuais que queriam mudar o mundo ou a
natureza humana. Ao contrário, surgiu como resultado
natural dos processos sociais de divisão do trabalho e
trocas voluntárias, realizados num ambiente de liberdade até então poucas
vezes visto ao longo da história.
Os economistas clássicos chamavam-no de laissez-faire. O governo era um mero coadjuvante, cujo
papel limitava-se a fazer cumprir os contratos, proteger a vida e a
propriedade dos cidadãos.
As maiores virtudes desse modelo, na visão de Adam Smith,
eram a liberdade de empreendimento e o governo limitado — este último um
antídoto contra as arbitrariedades, os desmandos e as falcatruas inerentes ao
poder político.
Em resumo, o sistema pouco dependia das virtudes dos bons
governantes, enquanto os danos causados pelos maus eram mínimos.
Por conta de um desses grandes paradoxos da vida, no
entanto, o livre mercado, embora tivesse trazido volumes de riqueza inéditos
aos países que o abraçaram, foi sendo paulatinamente substituído,
principalmente no decorrer do século XX, por um novo arranjo institucional —
na verdade, uma teratologia apelidada de "capitalismo de estado".
O processo de substituição foi bastante facilitado pelo fato
de que muito poucos estavam dispostos a defender, politicamente, o capitalismo
liberal. Não é de se admirar. O liberalismo, afinal, é
muito arriscado, pouco previsível e totalmente incontrolável,
seja por empresários, políticos ou acadêmicos. Tal modelo, embora
possibilite uma acumulação coletiva extraordinária de riqueza, está longe de
ser um caminho seguro para o sucesso individual.
No capitalismo de estado, por outro lado, o governo
é capturado por grupos de interesse, que o utilizam para promover a
transferência de riqueza e status. Num processo lento, mas
ininterrupto, castas influentes e bem articuladas obtêm privilégios
especiais, contratos, empregos, benefícios fiscais, créditos baratos
e proteções diversas, sempre à custa do dinheiro alheio.
[N.
do E.: Neste sistema econômico, o mercado é artificialmente moldado por uma
relação de conluio entre o governo, as grandes empresas e os grandes
sindicatos. Políticos concedem a seus empresários favoritos uma ampla
variedade de privilégios que seriam simplesmente inalcançáveis em um genuíno
livre mercado.
Há a criação de privilégios legais, que vão desde restrições
de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas, empréstimos
subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras
criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de
concorrentes estrangeiros, até coisas mais paroquiais como a
obrigatoriedade do uso de extintores e do kit de primeiros socorros nos
automóveis e a obrigatoriedade do uso de canudinhos plastificados (devidamente
fornecidos pela empresa lobbista) em bares e restaurantes.
E há a criação de privilégios ilegais, que vão desde fraudes
em licitações e superfaturamento em prol de empreiteiras (cujas obras são pagas
com dinheiro público) a coisas mais paroquiais como
a concessão de bandeiras de postos de combustíveis para empresários
que pagam propina a determinados políticos (bandeiras essas negadas para
empresários honestos e menos poderosos).
Em troca, os empresários beneficiados lotam os cofres de
políticos e reguladores com amplas doações de campanha e propinas. A criação
destes privilégios pode ocorrer ou abertamente, por meio de lobbies e da
atuação de grupos de interesse, ou na surdina, por meio do suborno direto.
Em ambos os casos, empresários poderosos e grupos de
interesse conseguem obter privilégios mediante o uso da coerção estatal.
E isso só é possível porque há um estado grande que a tudo controla e tudo
regula.
Um estado grande sempre acaba convertendo-se em um
instrumento de redistribuição de riqueza: a riqueza é confiscada dos grupos
sociais desorganizados (os pagadores de impostos) e direcionada para os grupos
sociais organizados (lobbies, grupos de interesse e grandes empresários com
conexões políticas.
A crescente concentração de poder nas mãos do estado faz com
que este se converta em um instrumento muito apetitoso para todos aqueles que
saibam como manuseá-lo para seu benefício privado.]
Agora, eis recente notícia
publicada na Folha de São Paulo:
Ontem foi Dia de Reis.
Em vez de levar presentes, alguns reis do capital foram a Brasília pedir
dinheiro para suas empresas arrebentadas. Teve-se notícia do que o rei do PT,
Lula, disse na primeira sessão de tutela de Dilma Rousseff neste ano: quer
medidas "concretas" de estímulo econômico.
Nada de novo sob a
poeira e o sol do Planalto.
[...]
Siderúrgicas e
montadoras querem dinheiro. A venda de veículos caiu 26,5% em 2015. A
associação dos vendedores estima que caia outros 6% neste 2016, o quarto ano
seguido de ruína. Ao anunciar as más novas, vazou também que o governo prepara
um pacotinho de ajuda.
[...]
O coelhinho da Páscoa
ou do Carnaval das montadoras, por exemplo, não teria subsídios. [...] Insinua-se
que haveria uma espécie de taxa ou seguro para financiar
a compra de carro novo, colocando os muito velhos no rolo.
[...] As siderúrgicas,
por exemplo, estão na lama porque a construção civil entrou em colapso, assim
como a venda de bens duráveis, como carros, entre os motivos imediatos.
A construção civil
afunda porque os governos não têm dinheiro para obras, porque as maiores
empreiteiras foram enfim pegas na roubança, por causa da ruína na Petrobras.
Afunda porque não há crédito ou coragem de tomar dinheiro emprestado para
comprar casa, também porque os juros estão altos. O mercado imobiliário afunda.
O preço do metro quadrado dos imóveis em São Paulo caiu 8% em 2015, em termos
reais, segundo o índice Fipe-ZAP.
Enfim, o colapso da
construção é um aspecto do colapso do investimento das empresas em capital
(máquinas, equipamentos, instalações produtivas), que cai desde 2013.
[...]
A venda de veículos
afunda porque houve uma bolha inflada pelo governo, porque se antecipou muito
consumo, porque os juros estão altos, porque as empresas não investem, porque a
renda do trabalho parou de subir, porque as pessoas estão com medo do futuro
depois da passagem do furacão Dilma.
Eis a mais recente demonstração explícita de capitalismo de
estado: uma romaria de grandes empresários a Brasília para pedir mais
incentivos ao governo desenvolvimentista da dona Dilma, sempre tão pródigo com
o dinheiro do distinto público.
Na ótica liberal/libertária, qualquer empresa que não esteja
em condições de enfrentar a concorrência (interna ou externa) sem a ajuda do
governo é uma empresa doente, que precisa reciclar-se, aperfeiçoar-se,
tornar-se eficiente, ou sair do mercado. A ajuda governamental a
produtores ineficientes, seja por meio de subsídios ou de medidas
protecionistas, só contribui para obstruir o processo de "destruição criadora" do
(verdadeiro) capitalismo e dificultar a vida dos concorrentes eficientes.
O fato de que os bons empreendedores irão prosperar sob o
capitalismo não significa que todos os empresários sejam necessariamente
capitalistas. Talvez a alguns surpreenda saber que uma boa parte deles detesta a
competição e, por extensão, o livre mercado, razão pela qual nos
acostumamos a vê-los rotineiramente ao redor dos políticos e dos burocratas,
para que estes os protejam da sua própria ineficiência.
Esse empresariado sabe que é precisamente o governo o único
que pode evitar a livre concorrência, atuando discricionariamente para
favorecer alguns em detrimento de muitos, seja sob a égide da proteção ao
produto nacional, da preservação dos empregos ou de evitar uma eventual "crise
sistêmica".
Como bem frisou Jonah Goldberg, no excelente "Fascismo
de esquerda" (quem ainda não leu, deve ler, pois o livro é muito bom),
muitos esquerdistas estão corretos quando lamentam a cumplicidade entre
governos e grandes corporações. O que eles não compreendem é que tal sistema
convém justamente aos governos intervencionistas da nova esquerda, dita
democrática. Uma esquerda que não pretende expropriar os empreendimentos
privados, mas, ao contrário, usá-los para implantar sua
agenda política — exatamente como testemunhamos hoje no Brasil.
Em resumo, eis a grande diferença entre os verdadeiros
liberais/libertários e os esquerdistas/desenvolvimentistas, ou mesmo alguns
conservadores (vide Donald Trump e sua sanha protecionista). Nós somos
pró-mercado. Eles são pró-negócios.
__________________________________
Leituras complementares:
O capitalismo de estado tem
de ser diariamente combatido
O socialismo clássico já
foi rechaçado; o inimigo agora é outro
Grandes empresas odeiam o
livre mercado
Seria o liberalismo uma
ideologia a serviço de empresários?
A diferença entre
iniciativa privada e livre iniciativa - ou: você é pró-mercado ou pró-empresa?