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Praxeologia - A constatação nada trivial de Mises

Talvez a característica mais peculiar da economia de Ludwig von Mises seja sua insistência em fazer uma abordagem apriorística — ou seja, dedutiva.  Para Mises, as "leis" econômicas devem ser logicamente deduzidas de axiomas anteriores, de modo que — assumindo que as suposições iniciais sejam verdadeiras — as conclusões alcançadas sejam tão válidas quanto qualquer resultado na geometria euclidiana.

Isso é totalmente contrário ao método dos positivistas, um campo que inclui a maioria dos economistas atuais.  Na opinião deles, a economia só pode ser científica se ela adotar os procedimentos utilizados pelas ciências naturais.  Em termos gerais, os positivistas creem que os economistas devem formular hipóteses cujas deduções sejam testáveis, e então sair coletando dados que meçam a acurácia de suas previsões.  Assim, aquelas tendências que obtêm maior êxito nesse sentido passam a ser consideradas "leis" melhores do que aquelas hipóteses que não corresponderam muito bem aos dados.

Contra as impressionantes ferramentas matemáticas utilizadas pela economia convencional, bem como seu vasto orçamento gasto com coleta de dados, os misesianos humildemente insistem que a economia deve partir da premissa de que os humanos agem.  Esse axioma da ação é o núcleo da "praxeologia" (praxis = ação; logia = ciência), o termo utilizado por Mises para a ciência da ação humana.  Os misesianos argumentam que todas as verdadeiras leis econômicas podem ser derivadas desse simples axioma (algumas vezes com suposições adicionais sobre o mundo, como o fato de que a mão-de-obra impõe custos).

Devo confessar que costumava sentir-me desconcertado com esse aparente dogmatismo da parte dos misesianos.  É óbvio que os seres humanos agem — mas e daí?  Será que os misesianos realmente pensam que têm o monopólio dessa constatação?  Será que eles realmente acreditam que os economistas convencionais negariam que os seres humanos agem?

Entretanto, quanto mais estudava economia austríaca e suas áreas relacionadas, mais percebia o quão genial havia sido a manobra de Mises.  Quando realmente estudamos o axioma da ação, percebemos que ele sintetiza um fato incrivelmente complicado, e tremendamente importante, do mundo.  Se quisermos ter êxito no atual ambiente, é simplesmente indispensável que cada um de nós atribua intenções e razões aos outros seres.  Falando mais simplificadamente, se você quer chegar a algum lugar na vida, você tem de assumir que os outros humanos agem.

Ao dizer que um homem age, o misesiano não está simplesmente sugerindo que o corpo do homem se comporta de uma determinada maneira.  Se um homem cai de uma ponte, sua trajetória descendente não é uma ação no sentido austríaco.  Se um homem está em perigo, seu batimento cardíaco acelerado também não é (para a maioria das pessoas) uma ação.  A ação humana é o esforço proposital para se atingir fins desejados.  É o esforço intencional de um ser racional para atingir um grau maior de satisfação, de seu ponto de vista subjetivo.

Admito que, a princípio, essas reflexões parecem muito triviais para serem mencionadas. Mas é somente porque aceitamos essas constatações como algo certo e natural, que não percebemos o quão crucial elas são.  A abordagem do cientista natural iria funcionar perfeitamente bem para um homem em uma ilha deserta.  Quando estivesse fazendo uma fogueira, ele não precisaria pensar: "As fagulhas querem ficar dentro das pedras, portanto tenho de bater uma pedra na outra para convencer essas faíscas a pularem para os gravetos".

Porém, quando introduzimos uma outra pessoa no cenário, a situação muda dramaticamente.  Agora passa a ser essencial que nosso homem original atribua preferências e razões a esse novo "ser", caso ele tenha alguma esperança de entender o comportamento dele.  Sem nos aprofundarmos muito em argumentos filosóficos, podemos defender a tese de um modo bem pragmático: se o homem original tentar lidar com esse novo "ser" (ou seja, a segunda pessoa da ilha) utilizando o mesmo aparato mental que ele utilizava quando lidava com pedras e árvores, ele não será tão bem sucedido (de seu próprio ponto de vista) quanto seria se adotasse o axioma da ação.

Os austríacos argumentam que o método das ciências naturais "não funcionaria" nas ciências sociais por dois motivos.  Primeiro, não há constantes básicas no comportamento humano, ao contrário das constantes naturais (como a carga de um elétron) que podem ser observadas, por exemplo, na física.  Segundo, é absolutamente impossível conduzir um experimento verdadeiramente controlado nas ciências sociais.  Por exemplo, dois economistas não poderiam testar teorias rivais de tributação sobre a "mesma" população, pois a simples ocorrência do primeiro experimento (por exemplo, um aumento nos impostos) já iria alterar o ponto de partida inicial do experimento seguinte.  A dificuldade mais óbvia para essa abordagem é que o objeto de estudo do experimento — as pessoas na economia — estão cientes dos experimentos e reagem de acordo.  Não há como manter "fixas" as idéias dessas pessoas durante dois testes seguidos.

Contra esses argumentos, já vi positivistas retrucarem dizendo (corretamente, creio) que tais observações também "provariam" que a meteorologia ou a astronomia não são ciência.  Afinal, dois astrônomos obviamente não poderiam recorrer a um experimento controlado para resolver suas divergências em relação a uma estrela binária.  Ainda assim os austríacos presumivelmente não teriam objeções ao método das ciências naturais na astronomia.  Com base nesse raciocínio, o positivista poderia argumentar que sua abordagem funcionaria tão bem na economia quanto funciona na astronomia ou na meteorologia.

Mas é aí que eu viro o jogo: concedo totalmente que o método das ciências naturais funcionaria no estudo dos seres humanos tão bem quanto funciona na astronomia ou na meteorologia.  Em particular, se você quer prever a posição do corpo de Barack Obama no próximo solstício de inverno, com uma acurácia de alguns bilhões de quilômetros, então você certamente poderá fazê-lo sem levar em conta os prováveis "desejos" que ele possa ter.  Escolhendo um exemplo mais justo, se você quer prever o nível dos preços das ações tão "bem" quanto os meteorologistas preveem o tempo, então, sem dúvida alguma, você poderá utilizar várias séries temporais para calibrar seus modelos econométricos.

O vislumbre de Mises foi constatar que nós seres humanos temos uma ferramenta muito melhor com a qual compreender os eventos do campo social: temos a praxeologia.  Se, ao invés da posição ou da luminosidade do corpo de Obama, você queira prever sua política externa para os próximos meses, você não chegará a lugar algum a menos que atribua preferências a Obama[*].  Para essa tarefa, a física, a química e a biologia são relativamente inúteis, pois (sem tomar qualquer posição referente ao materialismo) uma mudança, por mais mínima que seja, no arranjo das células no sistema nervoso de Obama poderá gerar ações amplamente divergentes de sua parte.

Em resumo, não se está dizendo que o método das ciências naturais não funciona quando se trata da ação humana; mas seu uso estaria negligenciando um instrumental incrivelmente melhor que todos nós possuímos.  Ninguém realmente sabe por que os objetos caem; por isso o melhor que podemos fazer é inventar "leis" físicas que descrevam as observações empíricas o mais fielmente possível.  Sabemos que a gravidade existe e podemos até descrevê-la.  Mas não sabemos o motivo de sua existência.

Mas quando se trata da ação de outros seres humanos, certamente sabemos alguma coisa sobre sua causa, porque cada um de nós tem preferências subjetivas, e cada um de nós utiliza certos meios para se chegar a determinados fins.  Em um contexto diferente, C.S. Lewis fez uma observação similar:

Há uma coisa, e apenas uma, em todo o universo, que sabemos mais do poderíamos saber por meio de observações externas.  Essa coisa única é o Homem.  Não apenas observamos os homens; nós somos os homens.  Nesse caso temos, por assim dizer, informação privilegiada; estamos por dentro do assunto. . . . Observe o seguinte ponto.  Qualquer um que estude o Homem por meio de observações externas, assim como estudamos a eletricidade ou os vegetais, que não conheça nossa linguagem e consequentemente não fosse capaz de coletar qualquer conhecimento interno que possuímos, mas que fosse apenas capaz de observar o que fazemos, jamais obteria a menor evidência de que temos uma lei moral.  E como poderia?  Suas observações apenas mostrariam o que fazemos, enquanto que a lei moral é sobre o que devemos fazer.  Da mesma forma, se houvesse algo acima ou além dos fatos observados no caso das pedras ou da meteorologia, nós, por estudarmo-los de fora, jamais poderíamos ter esperanças de descobri-lo. (Mere Christianity, Touchstone, 1996, p. 33).

Concluindo: Ludwig von Mises estava certo ao fundar todo seu sistema praxeológico sobre a suposição — ou melhor, a constatação — de que os humanos agem.  Rechaçar esse método em prol de uma abordagem mais "científica" significa jogar fora a mais fértil fonte de conhecimento sobre as relações sociais — e isso não seria uma atitude científica.

_______________________________________________

[*] Esse exemplo é utilizado apenas para ilustrar a pobreza da abordagem positivista.  A praxeologia na verdade não está preocupada com previsões desse tipo; antes, ela está preocupada com as afirmações aprioristicamente verdadeiras que podem ser deduzidas de qualquer ação.

Leia também:

Economia praxeológica e Economia matemática e

O que é uma ciência apriorística, e por que a economia é uma


autor

Robert P. Murphy

é Ph.D em economia pela New York University, economista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute, membro docente da Mises University e autor do livro The Politically Incorrect Guide to Capitalism, além dos guias de estudo para as obras Ação Humana e Man, Economy, and State with Power and Market.  É também dono do blog Free Advice.



  • CR  09/06/2010 11:39
    Von Mises observa que um corpo em frente ao outro reage de modo diferente. "Quando introduzimos uma outra pessoa no cenário, a situação muda dramaticamente."
    Isso é, nada mais nada menos, do que a Teoria da Relatividade!
    No entanto, o padrão, as proposituras econômicas são apresentadas tão claras quanto a geometria euclidiana?
    O articulista lembra da existência da gravidade, mas não sabe informar a razão desta força. O reverendo Newton disse que era coisa de Deus, que não vinha ao caso. Pois vem. A presença do corpo faz o espaço retroceder, formando uma depressão na periferia, na qual objetos menores se juntam ao maior. E os movimentos atendem à expansão do Universo, a partir do Big-Bang, exceto se insistirmos com a estória da maçã no Paraíso...
    E digo mais: a única coisa que não podemos conhecer plenamente, porque nossos olhos se voltam ao exterior, não ao umbigo, é nossa própria constituição. Para se conhecer integralmente, para saber os caminhos da alma é que Sócrates resolveu abreviar com a cicuta.
    Não há fato além ou acima de pedras ou da meteorologia, como sugere o religioso. A matéria não é estudada por fora. Hoje temos o privilégio de conhecer como ela se forma. E, afinal, não somos matéria também?
  • Carlos Prado  01/01/2014 16:58
    CR, parece que você não entende nada da relatividade. A relatividade fala de fatos sobre o espaço, o tempo e a massa. Agora não fala de vontades e reações inteligentes.
    Colocar uma pessoa num experimento é diferente de colocar um objeto qualquer. Coloque um bloco de chumbo numa panela para derreter, ele simplesmente se liquefaz. Agora coloque uma pessoa. Ao primeiro sinal de que o aparato está esquentando ela sai de lá. E mesmo a prendendo, ela não ficará estática, gritará, esperneará e fará de tudo para fugir.
    Agora imagine uma pedra no chão. A tendência dela é cair, porém do chão ela não passa. Porém não por reações bioquímicas que tinham que acontecer, mas por algo chamado vontade, posso ergue-la e arremessá-la contra um lago. Há esta nova entidade chamada vontade que norteia ações que não dependem de simples reações mecânicas de colisão ou atração de campo. O certo é eu ficar parado. Um morto, sem vontades, está lá imóvel. Porém esta vontade manda estímulos de contração a fibras que ficariam muito bem paradas. E ai acontece o movimento. Não é algo objetivo, há algo que os marxistas odeiam ouvir: individualidade. Há leis que não são campos elétricos ou gravitacionais, nem forças de contato, mas que obedecemos por que escolhemos obedecer. Leis morais, que escolhemos por acha certo. Tradições, que escolhemos por estarmos acostumados, talvez um conforto saudosista de boas lembranças ou realização sempre que fazemos. Leis civis, que escolhemos entre segui-las ou pagar pela sua violação. Leis inexplicáveis de escolher o que falar, como agir, tocar e nos mexer para conseguir algo de outra pessoa.
    A não ser que os objetos tenham entre si escolhidos à vontade fazer o que fazem - de seguir reações químicas onde numa o zinco tem que dar preferencia ao cobre e o magnésio deve sempre escolher um grau de oxidação a outro; de todos preferencialmente caírem em direção à terra; de procurarem se espalhar com o aumento de temperatura -então há sim muita coisa a mais nos humanos que não há nos objetos. Não desdenhemos dos religiosos se nem isto conseguirmos enxergar.
  • André  11/10/2017 18:37
    Não, nada de relatividade. Inserir um homem a mais do outro lado da ilha, onde se isola o primeiro, não muda nada economicamente para nenhum dos dois. Isso passa a acontecer apenas quando há contato e competição pelos recursos escassos, o que também é uma hipótese necessária mas não suficiente (usando termos de lógica). Em diversas situações os homens podem agir da mesma maneira, mesmo que outros estejam presentes e interfiram, ou ausentes: basta que suas vontades subjetivas (como se fosse uma lista de desejos imaginária) não tenha se modificado.
    Aos homens isolados podemos afirmar que escolherão sair de situações piores para outras mais vantajosas.
    Se o primeiro está com fome e descobre que o outro pesca, talvez deixe de pegar cocos e se arrisque. Talvez prefira aproveitar a ausência do segundo e roubar alguns cocos já derrubados. Em todo caso, existe uma infinidade de exemplos em que o comportamento de mil homens não influenciará a ação de outros mil. Ou seja, não se resume a uma questão de presença ou ausência.
    Sobre relatividade e os astros, basta que existam que, em teoria, já se relacionam de alguma forma. Mas estes não tem ação própria: respeitam a leis pré-definidas que regem o mundo físico. O homem é mais que matéria.
  • Silvio Luiz  07/12/2022 03:22
    Sensacional!
  • Pedro  03/11/2010 16:54
    Olá,

    O Mises é um site muito valioso em conteúdo, parabéns para seus criadores e colaboradores.

    Achei interessante a abordagem feita por Mises.
    Em relação ao uso da matemática,

    gostaria de saber onde posso achar exemplos ilustrativos dessa comparação entre o método apresentado pelos austríacos e o método matematizado
    Não sei se me expressei bem, gostaria de ver um mesmo problema econômico sendo "resolvido" de ambas as maneiras.

    Agradecido
  • mcmoraes  03/11/2010 17:14
    Pedro, não é bem isso q vc pediu, mas acho q o seguinte artigo tem conteúdo d seu interesse: mises.org.br/Article.aspx?id=222.
  • Patrick  03/11/2010 17:44
    Nesse artigo aqui o Leandro faz uma explicação da crise japonesa sob as perspectivas keynesiana, monetarista e austríaca\r
    \r
    mises.org.br/Article.aspx?id=735
  • mcmoraes  27/08/2011 22:27
    Praxeologia ensinada por uma gatíssima: praxgril's channel.
  • Emerson Luis, um Psicologo  09/06/2014 14:07

    A maioria dos economistas encara o ser humano como mera massa que apenas reage a estímulos, não como seres autoconscientes que escolhem agir. Parecem não olhar para si mesmos e refletir.

    * * *
  • Rhyan  05/07/2014 20:51
    Acho que cabe uma resposta dos especialistas em Praxeologia aqui do IMB:
    libertarianismoedarwinismo.wordpress.com/2014/06/21/contra-a-praxeologia-a-favor-da-ciencia/
  • Hugo  02/10/2014 13:59
    O cara do wordpress já inicia a sua argumentação assim: "Para sabermos como adquirir conhecimento sobre o mundo, precisamos compreender a ciência"... (??). Desse jeito, não precisa nem ser refutado.
  • anônimo  03/10/2014 15:42
    Isso se chama cientificismo. O pessoal neo ateu adora repetir meia duzia de besteiras do cientificismo como se fossem uma grande coisa, mas na verdade é um troço tão simplório e irracional quanto a crença do religioso mais fanático.
    Richard Dawkins é o mcdonalds da filosofia.
  • anônimo  03/10/2014 16:41
    Gosto de ciencia e acredito que quem realmente admire a ciencia sabe que é como uma ferramenta, longe de dar todas as respostas, se esquecem por exemplo que o darwinismo tanto quanto o big bang sao teorias e apenas isso, prontas para serem refutadas como tudo na ciencia acaba refutando realidades anteriores.
    Exemplo bem legal eh no campo da fisica, newton e sua mecanica eram consideradas corretas, ai a relatividade mostra que nao eh bem assim e a quantica coloca ainda em duvida a relatividade, infelizmente admiradores de ciencia que nao estejam abertos a debate e consideram as descobertas atuais a verdade absoluta na verdade atrasam o q acreditam defender.
    Engraçado, mais ou menos como um politico com boas intençoes, ajuda a piorar aquilo que gosta sem nem ter ideia do q esta fazendo
  • JP  03/05/2016 13:57
    Concordo, na minha visão, são apenas pessoas dogmatizadas pelo conhecimento científico. A estrutura mental e psicológica desse tipo de gente apenas ver o que quer ver por necessidade de manter seu mundo estruturado em uma dimensão confortável. Há gente assim em todas as áreas da vida humana.
  • André  11/10/2017 18:55
    Concordo absolutamente. Cientificismo é baseado em conforto, além da falsa hipótese de monopólio do método científico. Se usou metodologia x (que uso/admiro/etc), logo está certo. Nesse texto do Wordpress o cara fala que não existe filosofia correta que antecede a ciência, e coloca a ciência como parâmetro dela mesma. Isso é ideia de preguiçoso, não de cientista: o cara imagina um tribunal onde o júri, o juiz, o réu e a vítima são a mesma pessoa. Está até bem escrito, mas é autoexplicativo o motivo daquilo estar no Wordpress e não em um livro, paper, etc.

    O mundo está repleto de pessoas que dominam a linguagem, como canal, mas não são versadas em nada de lógica. Por isso tantos textos com pretensas refutações (e teorias) que caem no esquecimento e descrédito total. O mundo será um lugar melhor quando Keynes fizer parte desse grupo!
  • Anti-Estado  27/11/2018 02:48
    Meu comentário tá bem atrasado pra discursarão, mas vale salientar! concordo que essa mentalidade cientificista é o equivalente ao fanatismo dogmático religioso. O real objetivo da ciência é construir conhecimentos que sejam o quão possíveis objetivos e isentos das distorções pessoais do observador, isto significa que quando um dado método é falho o método deve ser adaptado ao objeto de estudo de forma, não que a interpretação seja conveniente com o interesse pessoal do observador, mas, que a adaptação deste método e de seu argumento epistemológico seja racional e coerente o suficiente para demonstrar com o máximo de isenção e objetividade a lógica das proposições que apresentar. Não existe método científico único e universal, e sim constante construção e argumentação em busca de um escopo racional que possa trazer fidelidade metodológica e argumentativa a explicação do fenômeno.
  • André  04/04/2015 01:28
    É muito interessante o estudo da praxeologia. Parece-me fortemente eivada de kant e seus juízos analíticos e sintéticos.
    Mas, diante dessa proximidade, como seria possível manter o enlace partindo da fala do próprio kant: "A proposição segundo a qual toda mudança tem uma causa, é uma proposição a priori, mas não é pura, porque a mudança é um conceito que só pode extrair-se da experiência." (KANT, 2001, p. 37)?
    Onde fica o caráter universal, necessário... axiológico da praxeologia?
  • Liberalord Nozickiano   05/11/2018 03:18
    Sei que esse artigo foi publicado há anos, e agora está nas válvulas do esquecimento, coberta por camadas de artigos mais recentes, assim suponho. Porém, como acho plena inconveniência argumentativa eu abordar a minha dúvida em um artigo que nada tenha a ver com as constatações misesianas sobre praxeologia, abordarei esses comentários aqui, mesmo, na espera que alguém me responda:

    "O homem age". Essa análise deve ser feita de forma detalhada. A definição de Mises é uma ação como ato intencional. Nem toda ação humana é intencional. O homem nem sempre age. Um juízo sintético a priori jamais deixa de ser verdadeiro no universo de discurso no qual ele se aplica. Em Kant, 2 + 2 = 4, e isso nunca deixa de ser verdadeiro porque o homem está ou não pensando nesse juízo e/ou fazendo operações matemáticas. Não é como se isso ora fosse verdadeiro, ora fosse falso. A ação seria, portanto, um acidente próprio do homem, logo, não faz parte de sua essência. Não seria, logo, algo que se encontra nele per si (podemos facilmente conceber um homem que nunca agiu, por exemplo alguém que viveu a vida inteira com alguma doença neurodegenerativa, ou em estado de comatose, ou algo do tipo. Logo, isso não poderia ser um juízo sintético a priori, e muito menos analítico (que Mises tendia a pensar no início). A ação é percebida pela experiência. Não há uma categoria no entendimento a ver com "ação". Para que houvesse isso, precisaria haver uma dedução transcendental dessa categoria. Se não pelos sentidos, como perceberíamos que o homem age? Kant esclarece como a razão não percebe nada. Ela é a mais distante da experiência. A razão organiza os dados fornecidos pela percepção sistematicamente e trabalha com inferências. Eu diria que isso se aproximaria mais de um juízo sintético a posteriori. Não é analítico, porque por mais que todo ente tenha uma operação, o homem teria dois tipos de operação nesse contexto. Intencional e não intencional. Um juízo analítico deve valer sempre. O juízo impuro que poderíamos derivar disso seria "O homem pode agir", ou "O homem age ou não age", ou "O homem ora age ora não age". Não obstante, a respeito de "O homem agir propositalmente para sair de uma situação subjetivamente considerada inferior àquela que ele pretende atingir", isso também seria um juízo sintético a posteriori, tendo em vista que o homem nem sempre agirá intencionalmente. Isso o descaracterizaria como um juízo a priori, porque não possui universalidade ou necessidade.

    Novamente, espero muito que alguém do IMB visualize, e faça suas contribuições e possíveis críticas a esses comentários, estou aberto a mudar de posicionamento. Obrigado, e um abraço.
  • Hayek Rocks  12/11/2018 00:22
    Só que o princípio de Mises utilizado para fundamentar a praxeologia é incorreto, ele faz um silogismo cuja base dizendo ele é um juízo sintético a priori

    "O homem age"

    Mas isso não pode ser sintético a priori por alguns motivos:

    1- Esse princípio se fundamenta na experiência e não na razão, é a experiência que valida esse suposto axioma.

    2- Um juízo sintético a priori deve valer sempre em todos os universos possíveis, mas nem sempre o homem age, um homem que nasce com uma doença neurodegenerativa nunca agiu - utilizando o conceito de ação de mises que é ato intencional - nem mesmo um homem que está em coma age, até porque não é intencional, ou seja se para ser homem não precisa necessariamente agir, logo o homem age não é um juízo sintético a priori.

    3- Também não é um juízo analítico porque como dito é possível que o homem não aja.

    4- No mínimo para ser um juízo analítico *impuro* poderia ser dito que o homem pode ou não agir, mas aí ele não estaria fazendo nada além de um destrinchamento conceitual - quase como uma tautologia - e isso não serve para fundamentar a praxeologia.

    5- Para ser um juízo sintético a priori deveria haver alguma ligação necessária e fundamentação nas categorias do entendimento, mas nenhuma das categorias fundamenta a necessidade de ação do homem.
  • Estudante da praxeologia  30/01/2019 19:37
    "Só que o princípio de Mises utilizado para fundamentar a praxeologia é incorreto"

    Vejamos...

    "isso (o homem age) não pode ser sintético a priori por alguns motivos"

    Vejamos..

    "Esse princípio se fundamenta na experiência e não na razão, é a experiência que valida esse suposto axioma"

    Errado. Você só é capaz de observar que o homem age, mas não é capaz observar que o objetivo final da ação é "sempre a satisfação de algum desejo do agente homem". Essa premissa somente é obtida pela razão. Quando ele diz o homem age, ele não se refere a qualquer ação, e sim a ação proposital.


    "mas nem sempre o homem age, um homem que nasce com uma doença neurodegenerativa nunca agiu"



    Eu poderia responder, mas o próprio Mises tratou desse caso:


    "Seres humanos que, por nascimento ou por defeitos adquiridos, são irremediavelmente incapazes de qualquer ação (no estrito senso do termo e não apenas no senso legal), praticamente não são humanos. Embora as leis e a biologia os considerem homens, faltam-lhes a característica essencial do homem. A criança recém-nascida também não é um ser agente. Ainda não percorreu o caminho desde a concepção até o pleno desenvolvimento de suas capacidades. Mas, ao final desta evolução, torna-se um ser agente." (A ação humana)

    Em suma, o homem vegetal, assim como o homem morto ou recém-nascido são desconsiderados na praxeologia.





  • Hayek Rocks  14/11/2018 12:20
    Dúvida:

    Qual é a diferença, na praxeologia miseana, entre concepção (vorstellung) e compreensão (verstand/verstehen), e quais são as categorias praxeológicas que são derivadas destas?
  • Hayek Rocks  21/11/2018 23:02
    Dúvida:

    Qual é a diferença, na praxeologia miseana, entre concepção (vorstellung) e compreensão (verstand/verstehen), e quais são as categorias praxeológicas que são derivadas destas?
  • Star  05/01/2019 01:58
    Alguém já pensou em aplicar essas ideias na psicologia? Quero dizer, estudar a mente humana no geral, não apenas na economia. Inclusive o behaviorismo me lembrou muito a abordagem de usar as ciências naturais para tentar estudar humanos que o artigo falou.
  • True Economist  30/01/2019 18:39
    Chega o marxista e fala que capitalismo não funciona porque tem pobreza no mundo. Chega um austríaco e fala que bens públicos não devem existir.
    O que um economista de verdade irá falar: mercados funcionam de forma geral, vide o primeiro e segundo Teoremas de Welfare econ (Ken Arrow, Gerard Debreu e Paul Samuelson).
    Sim, sabemos que existem situações aonde o teorema não se aplica (externalidades, asymmetric information etc).
    Mas o correto é em cada uma dessas situações analisarmos porque existem market failures e, a partir daí, desenhar mecanismos para mitigar tais falhas.
  • Real Economist  30/01/2019 18:51
    "Falhas de mercado", abacaxis e informações assimétricas. E a solução que já existe

    Aliás, isso é uma delícia. Todo mundo fala em "falhas de mercado", mas ninguém fala em "falhas de governo".

    Melhor ainda: sugerem que as eventuais "falhas de mercado" (que não existem) devem ser corrigidas por burocratas e políticos iluminados e oniscientes (os quais, por definição, são totalmente infensos às reais demandas do mercado), mas não sugerem que as "falhas de governo" (as quais eles não reconhecem) devem ser corrigidas por empreendedores sagazes.
  • Gustavo  06/07/2021 22:11
    Eu gostaria de entender como você afirma que "não há falhas no mercado" ou que "não são admitidas falhas de governo."
  • Real Economist  07/07/2021 00:07
    Dizer que "há uma falha de mercado" significa, por definição, dizer que indivíduos (consumidores, produtores e investidores) interagindo voluntariamente causaram falhas que só podem ser corrigidas por burocratas — exatamente o tipo de indivíduo que não tem absolutamente nada do que é seu em jogo.

    Na prática, você está dizendo que burocratas do governo teriam uma superior capacidade de percepção e de reação do que milhões de investidores e empreendedores.Você está dizendo que burocratas têm uma superior capacidade de percepção da realidade de toda a economia do que milhões de indivíduos interagindo entre si. Você está dizendo que burocratas do governo sabem melhor do que milhões de indivíduos onde exatamente deve haver investimentos.

    É difícil imaginar uma maneira mais ignara e mais perigosa de tomar decisões do que colocar essas decisões nas mãos de pessoas que não pagarão preço nenhum por estarem erradas.
  • Introvertido  07/07/2021 02:57
    "É difícil imaginar uma maneira mais ignara e mais perigosa de tomar decisões do que colocar essas decisões nas mãos de pessoas que não pagarão preço nenhum por estarem erradas."

    Não apenas deixamos, como também pagamos involuntáriamente para eles tomarem decisões por nós mesmos, ou seja: Nós literalmente pagamos para os políticos e burocratas brincarem de governar, enquanto na verdade só praticam o que todo parasita faz, pagamos para funcionários públicos fingirem trabalhar, pagamos para políciais fingirem nos dar "segurança", ao mesmo tempo que nos extorque e nos impede de armarmos á nós mesmos, pagamos para fiscais cuidarem de toda uma burocracia que no fim apenas nos prejudica, pagamos para agências reguladoras darem reservas de mercados, atenderem lobbys, e decidirem qual atividade econômica é correta ou não, bancamos um exercíto nacional inútil, pagamos um monte de pensões e aposentadorias, pagamos para empreiteiras brincarem de construir, e quando constroem algo, é só anos depois, com um preço muito acima do normal, pagamos para estatais fingirem serem produtivas, pagamos para juízes e advogados resolverem conflitos causando ainda mais conflitos, pagamos para os banqueiros do Estado manipularem fraudulentamente nossa moeda, e pagamos para "economistas" calcularem quantos impostos serão necessários para bancar o Estado, sem pedir sequer nossa permissão.

    Ou seja: Bancamos toda essa máquina estatal lerda, ineficiente, enorme e onerosa, é um verdadeiro parasita que só cresce mais e mais com o tempo. Enquanto o brasileiro médio depositar todas as sua confiança no Estado, nunca sairemos do lugar.
  • Orlando B. S.   17/08/2022 01:21
    Começando estudar o assunto agora. Mises chega a conclusões semelhantes a de E. Husserl em observar a intencionalidade como a marca do psíquico e da consciência em oposição aos demais fenômenos naturais e físicos.

    O combate que Mises faz do método puramente positivista tem semelhanças com o que E. Husserl faz.


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