O periódico argentino
El Cronista divulgou uma
pesquisa
segundo a qual "7 de cada 10 argentinos responsabilizam o governo anterior
pelos problemas atuais" vivenciados pelo país.
Segundo a pesquisa, 70% dos entrevistados atribuíram
ao governo de Cristina Kirchner os suplícios econômicos atuais, ao passo que
20% atribuíram responsabilidade ao governo de Mauricio Macri,
e os outros 10% consideraram que a responsabilidade é de ambos.
Entre os problemas atuais mais prementes vivenciados
pelos argentinos, os principais são: aceleração da inflação de preços,
aumento da cotação
do dólar após a liberação do câmbio [a Argentina possuía duas taxas de câmbio,
uma oficial e uma paralela; leia tudo a respeito aqui], queda dos salários
reais e uma possível recessão no primeiro semestre, com um aumento no nível da
pobreza.
Quanto a isso, alguns comentários são importantes.
O mesmo periódico El Cronista deu destaque
a um estudo da CIFRA [uma espécie de
DIEESE argentino] que dizia o seguinte:
...
a economia transita em meio a um processo inflacionário que ainda não acabou, e
não apenas porque os efeitos da desvalorização cambial ainda não foram
completamente transmitidos aos preços do bens, como também porque o governo
aboliu os subsídios e aumentou fortemente as tarifas dos serviços públicos.
[...]
o estudo da Cifra advertiu sobre "um significativo aumento da pobreza" que,
ressaltou, "afetava 19,7% da população no segundo trimestre de 2015 e passou a
afetar de 22,1 a 23,3% da população em janeiro de 2016" [...] Isso equivale a
entre 1,1 a 1,8 milhão de pessoas que entrarem em situação de pobreza em decorrência
do aumento dos preços dos produtos da cesta básica.
O problema é que o informe em questão se equivoca
quanto à sequência dos fatos e, com isso, chega a conclusões errôneas.
A verdade é que não foi a desvalorização cambial e o
aumento das tarifas dos serviços públicos o que fizeram aumentar a inflação de preços,
mas sim exatamente o contrário: foi a inflação — ou seja, o aumento de preços gerado
pelo aumento excessivo da oferta monetária, que triplicou
em pouco mais de 3 anos (aumento esse feito pelo governo Kirchner para cobrir
os déficits orçamentários do governo) — que desarranjou toda a economia,
levando à necessidade de um realinhamento do câmbio e das tarifas dos serviços públicos.
Por algum tempo, o governo pode recorrer a medidas
populistas e evitar que esse efeito chegue a todas as áreas da economia impondo
controles ad hoc. E foi isso o que o governo Kirchner fez ao
criar uma taxa oficial e artificial para o câmbio (o "cepo" cambial), ao
congelar as tarifas dos serviços públicos, e ao determinar — por meio do
programa Precios
Cuidados — que os supermercados não aumentassem os preços.
No entanto, o que tais programas intervencionistas
realmente conseguem lograr é reduzir drasticamente as exportações, desestimular
investimentos e acabar com os incentivos para que as empresas produzam cada vez
mais e melhores bens e serviços.
Consequentemente, chega-se a uma situação em que a inflação
de preços não baixa e a economia não cresce: uma estagflação.
O governo Marci poderia ter optado por deixar tudo
como estava, mas isso significaria apenas aprofundar ainda mais tanto a inflação
futura quanto a estagnação econômica. Acima
de tudo, o prolongamento de tais intervenções teria gerado ainda mais pobreza
— pobreza essa que, aliás, uma pesquisa da Universidad Católica Argentina afirmou
ser de elevados 28,7% da população ainda em 2014.
Para evitar esse cenário, optou-se por fazer algo, e
o que tinha de ser feito era desmantelar os controles e regulações que estavam
freando a capacidade produtiva do país.
Agora, é importante ressaltar que é inevitável que
tal decisão gere um efeito negativo imediato sobre a capacidade de compra de
todos os argentinos; no entanto, é um ato de honestidade intelectual reconhecer
que esse efeito não é consequência das novas medidas, mas sim o resultado inevitável
de tudo aquilo que vinha sendo feito pelo governo até então.
De concreto, a ideia de que eliminar controles e
reconhecer o valor real das coisas — como do dólar, da energia e de alguns
produtos no supermercado — são medidas que fazem com que a pobreza aumente, então,
por uma questão de lógica, a pobreza já estava elevada, mas se mantinha
ocultada por estes controles.
O fato é que as péssimas políticas econômicas adotadas
pelo kirchnerismo aumentaram o número de pobres em
5 milhões em 6 anos. Frente a este
panorama desastroso, era imperativo mudar de rumo.
As
etapas do populismo
É evidente, no entanto, que a atual situação não é
nada confortável. Mas é sim motivo de comemoração
o fato de que 70% dos argentinos atribuem corretamente a culpa dos atuais malefícios
ao governo Kirchner. Isso indica que toda
a propaganda e mistificação kirchnerista perde força à medida que passam os dias,
e a realidade começa a ser aceita por um número cada vez maior de pessoas.
E que "realidade" é essa? A realidade de como funciona e como termina
todos os "populismos macroeconômicos"
Ainda no ano de 1989, os economistas Rudiger
Dornbusch e Sebastián Edwards apresentaram sua tese a
respeito do "populismo macroeconômico na América Latina". Para eles, o populismo econômico é um
programa de governo que, por meio de "políticas fiscais e creditícias expansivas
(...), visa o crescimento econômico a todo custo em conjunto com a redistribuição
de renda" ao mesmo tempo em que "menospreza os riscos da inflação e dos déficits
orçamentários do governo, das restrições externas e da reação dos agentes econômicos
perante as políticas agressivas e anti-mercado".
Segundo os autores, o populismo econômico possui um
caráter autodestrutivo, uma vez que seus problemas, ao serem subestimados,
acabam por gerar grandes retrações do PIB per
capita, dos salários
reais e do poder de compra dos trabalhadores, prejudicando principalmente
aqueles a quem o governo mais queria beneficiar.
Talvez o mais interessante da análise de Dornbusch e
Edwards seja sua classificação do populismo econômico em 4 etapas.
Na primeira etapa, com a economia relativamente
arrumada, as políticas fiscais e monetárias expansivas geram um crescimento da produção,
do emprego e dos salários reais.
Na segunda etapa, vários gargalos começam a aparecer. A inflação aumenta de maneira
significativa. O déficit fiscal do
governo piora em decorrência dos subsídios do governo aos seus setores favoritos
e do congelamento das tarifas dos serviços públicos (o que gera necessidade de
repasses para essas empresas). A desvalorização
cambial ou o controle do câmbio se tornam inevitáveis.
As etapas 3 e 4 mostram como terminam todos os
experimentos populistas: escassez de produtos, inflação de preços em disparada,
fuga de capitais, acentuada desvalorização cambial e, no extremo, escassez de dólares. Consequentemente, com a queda nos
investimentos e com menos capital investido per capita, os salários reais
inevitavelmente caem e o crescimento econômico se estanca e entra em contração.
O que normalmente se segue é a implantação de um
plano "ortodoxo" de estabilização, que buscará corrigir os desequilíbrios na
economia para que os investimentos retornem e a produção volte a crescer.
O gráfico abaixo mostra a evolução do PIB per capita
argentino em dólares ao câmbio oficial controlado pelo governo (linha preta) e
ao câmbio verdadeiro, o do mercado paralelo (linha azul). Em 2015, o país retornou aos níveis de 2007.

Conclusão
Como a empiria deixa claro, e em completo acordo com
a teoria, o melhor que políticas populistas conseguem fazer é gerar um
crescimento econômico de curto prazo. No
entanto, dado que esse crescimento foi estimulado pelo "ópio" das políticas
monetárias e fiscais, todo o experimento está condenado a terminar em uma nova
e grande crise.
Sendo assim, a atual situação argentina de inflação de
preços em recrudescimento, reajuste das tarifas dos serviços públicos, e queda
no poder de compra dos salários nada mais é do que o clímax do populismo.
Felizmente, 7 em cada 10 argentinos estão entendendo
corretamente o que se passa.
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também:
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populismo econômico
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