segunda-feira, 16 0aio 2016
"Ei, doutor Meirelles, o senhor é realmente durão?"
Devo
confessar que até fiquei temporariamente animado — mas só um pouco! — com o
governo interino de Michel Temer após ele ter tomado, logo de início, duas
medidas politicamente incorretíssimas: a extinção do Ministério da Cultura (o
que irritou
a endeusada classe artística, provando que a medida era correta) e a
montagem de um ministério
sem mulheres (uma afronta às feministas e aos seguidores da ideologia de
gênero).
Após
essas duas medidas, pensei: esse sujeito é corajoso. Logo no primeiro dia, ele já afronta dois dos
mais poderosos grupos de interesse do país.
Mas
aí, como que para provar que o meu espanto era justificado, o libanês rapidamente
capitulou e não apenas criou uma tal Secretaria
Nacional da Cultura, para apaziguar a classe artística, como ainda anunciou
que não abre mão de que ela seja chefiada
por uma mulher, para apaziguar as feministas.
Ou
seja, como diriam na cultura popular, Temer "arregou".
Já
está claro, portanto, que dele não poderemos esperar atitudes corajosas. Normal, afinal ele é um político de carreira.
Nossa única, e escassa, esperança pairará então sobre o novo Ministro da
Fazenda, Henrique Meirelles. Pelo menos
voz e aparência de durão ele tem. Resta
ver se isso é só pose ou se ele de fato é tudo aquilo que seus admiradores juram
que ele é.
Em
suas recentes entrevistas, Meirelles tem deixado claro que a prioridade do
governo interino será controlar
os gastos do governo, estancar
o crescimento da dívida pública, e até mesmo reduzir
a dívida pública.
Pois
bem. Dizer que o governo interino deve reduzir ministérios e demitir
imediatamente todos os apaniguados que a máquina petista incrustou no
estado para aparelhá-lo é chover no molhado.
Isso é o mínimo que se espera. Se
Temer e Meirelles não tiverem coragem de fazer nem esse básico — o que talvez
teria o apoio até mesmo da classe artística —, então não há motivo nenhum
para eles estarem o poder.
Por
isso, as medidas tomadas devem ser mais agressivas e ousadas. Se o objetivo de Meirelles é controlar os
gastos, estancar o crescimento da dívida pública e até mesmo reduzi-la, há uma
única medida que ele pode tomar imediatamente, e que lograria esses três
objetivos.
Ministro,
feche o BNDES e acabe com o Bolsa-Empresário.
Como funciona o BNDES
Desde
que Guido Mantega deixou a presidência do BNDES e se tornou Ministro da
Fazenda, em março de 2006, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social tornou-se uma peça-chave no modelo de desenvolvimento proposto pelo
governo petista.
Só
que o BNDES, quando despido de toda a propaganda ideológica, não passa de uma
perniciosa máquina de redistribuição de renda às avessas. Uma vez que
você entende como realmente funciona este suposto banco de desenvolvimento,
torna-se claro seu mecanismo espoliativo.
Originalmente,
os recursos do BNDES eram oriundos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador —
fundo destinado a custear o seguro-desemprego e o abono salarial). Só
que, dado que os recursos do FAT advêm das arrecadações do PIS e do PASEP, na
prática os recursos do BNDES eram originados dos encargos sociais que incidem
sobre a folha de pagamento das empresas. Esse dinheiro era então
direcionado para as grandes empresas a juros subsidiados.
Este
arranjo, por si só, já denotava um grande privilégio. Por que, afinal, as
pequenas empresas devem financiar os juros subsidiados das grandes empresas?
O
problema é que essa matriz, já ruim, foi alterada para pior a partir de
2009. As leis nº 11.948/09,
nº 12.397/11,
nº 12.453/11,
nº 12.872/13,
nº 12.979/14 e
nº 13.000/14
autorizaram a União a conceder empréstimos ao BNDES, com um "módico" limite de
R$ 378 bilhões.
Ou
seja, se antes o BNDES se financiava exclusivamente via impostos, a partir de
2009 ele passou a se financiar também via repasses diretos do Tesouro, na forma
de empréstimos.
Só
que há um detalhe óbvio: o Tesouro não tem dinheiro sobrando para emprestar ao
BNDES. Consequentemente, para conseguir
esse dinheiro, o Tesouro tem de se endividar.
Ato contínuo, ele emite títulos da dívida com o intuito de arrecadar
esse dinheiro.
Repetindo:
como, a partir de 2009, o BNDES não tinha todo o dinheiro que o governo queria
destinar a seus empresários favoritos — como o hoje falido Senhor X, as
empreiteiras, e demais "campeãs
nacionais", como BRF, Oi, JBS/Friboi —, o Tesouro começou a emitir títulos
da dívida com o intuito de arrecadar esse dinheiro e repassá-lo para o BNDES.
Consequentemente,
o BNDES foi anabolizado. Sua capacidade
de fazer empréstimos subsidiados aumentou quase que exponencialmente.
O
gráfico a seguir mostra a evolução dos empréstimos do BNDES, atualmente com um
saldo de R$ 656 bilhões. Observe a guinada ocorrida em meados de 2009, exatamente
quando essa nova modalidade foi implantada.

Gráfico
1: Evolução dos empréstimos concedidos pelo BNDES. A linha vermelha (que foi
descontinuada em 2013) representa a soma da linha azul (empresas) com a linha
verde (pessoas físicas).
Já o gráfico abaixo mostra o crescimento da
quantidade de títulos emitida pelo Tesouro.
Na prática, o gráfico abaixo mostra a evolução da dívida bruta do
Tesouro. Observe que os saltos ocorridos
em 2009 e 2010 coincidem com o aumento dos financiamentos do BNDES.
Observe também o atraso de um ano entre o salto
ocorrido nos financiamentos do BNDES em 2014 e na emissão de títulos em
2015. Esse atraso de um ano foi
exatamente por conta das "pedaladas
fiscais".

Gráfico
2: evolução da dívida bruta do Tesouro
As quatro consequências nefastas da
existência do BNDES
1) Inflação
Em
primeiro lugar, vale deixar bem claro que a atual política de repasses do
Tesouro para o BNDES é inerentemente
inflacionária. Como explicado, o
Tesouro emite títulos (se endivida) para financiar o BNDES. E quem compra esses títulos emitidos pelo
Tesouro? O sistema bancário. Como ele compra? Criando dinheiro do nada,
pois opera com reservas fracionárias.
Ou
seja, o endividamento do Tesouro para financiar o BNDES é algo que ocorre via inflação
monetária.
Portanto,
além de aumentar o endividamento do governo, este mecanismo utilizado pelo
Tesouro para financiar o BNDES também aumenta a quantidade de dinheiro na
economia. E, como mostra o gráfico acima, desde 2009, o BNDES, sozinho, foi
o responsável por jogar praticamente R$ 450 bilhões na economia.
(Todos
os bancos estatais em conjunto despejaram na economia, nesse mesmo intervalo de
tempo, R$ 1,2 trilhão (veja o gráfico 6 deste
artigo), o que significa que apenas o BNDES responde por quase 40% desse
valor. Nesse mesmo período, os bancos
privados jogaram "apenas" R$ 586 bilhões).
Portanto,
a primeira consequência direta do BNDES é a inflação monetária, que gera uma
pressão direta sobre os preços.
2) Deterioração da situação fiscal do
governo
Além
de ter causado uma grande inflação monetária — algo que, por si só, pressiona
a carestia —, esse mecanismo de financiamento do BNDES, via endividamento do
Tesouro, também ajudou a deteriorar o quadro fiscal do governo.
A dívida bruta está
em 66,2% do PIB. Para que se tenha uma ideia, no final de 2013, a
dívida bruta do Brasil estava em 56,7%
do PIB.
Ou,
falando em termos nominais, a dívida bruta, que estava em R$ 2 trilhões ao
final de 2009 está hoje em R$ 4 trilhões.
Aumento de 100%.
Esse
valor da dívida bruta — mais ainda, essa tendência de aumento —, não apenas
foi a responsável direta pela perda
do grau de investimento (investment grade) concedido pelas três agencias
de classificação de risco ao país, como também ajudou a acelerar a depreciação do
real, o que turbinou ainda mais a inflação de preços.
3) Aumento dos juros e restrição do
mercado de crédito apenas para os grandes
Porém,
talvez a mais nefasta consequência da existência do BNDES é exatamente aquela
que é menos comentada: o BNDES é o responsável direto pelos juros serem tão
altos no Brasil.
De
um lado, ao conceder empréstimos subsidiados para as grandes empresas — o Programa de Sustentação do
Investimento, que ficou conhecido como "Bolsa Empresário", cobrava taxas
de juros de apenas 2,5% ao ano, quando a inflação estava acima de 6% ao ano
—, o BNDES anula completamente os efeitos da SELIC.
A
taxa básica de juros estipulada pelo Banco Central tem efeito nulo sobre os empréstimos do BNDES. No entanto, ela afeta diretamente os custos
do Tesouro para financiar o BNDES. Na
prática, o Tesouro (ou seja, o povo brasileiro) paga a taxa SELIC para
financiar o BNDES, e o BNDES cobra 2,5% para financiar as grandes
empresas. Ou seja, em termos líquidos, o povo brasileiro paga para financiar as grandes empresas favoritas do governo.
De
outro lado, e esse talvez seja o efeito mais nefasto, os baixíssimos juros
cobrados pelo BNDES têm o efeito de fazer uma segmentação do mercado de
crédito: exatamente por cobrar juros tão baixos, o BNDES irá emprestar somente
para as empresas que têm o melhor perfil de risco e a maior capacidade de
honrar suas dívidas. Consequentemente, os
melhores tomadores serão todos capturados pelo BNDES, deixando as outras
empresas — principalmente as pequenas e as médias, que têm risco maior — para
o restante do sistema bancário.
E
como o sistema bancário ficará agora apenas "com as sobras", os juros cobrados
para estes — que têm risco maior e histórico de crédito mais duvidoso —
inevitavelmente serão maiores.
Ou
seja, ao fornecer crédito farto e barato para as grandes, o BNDES captura as
empresas com o melhor perfil de risco, deixando para os bancos privados todas
as outras empresas de maior risco. Em
economia, tal efeito é rotulado de "seleção adversa".
E com uma injustiça adicional: dado que o Tesouro
paga 14,25% para qualquer um que lhe emprestar dinheiro, os bancos só irão
emprestar para essas outras empresas a juros muito maiores do que 14,25%. Óbvio.
Qual pequena empresa pode concorrer com o governo federal? Se o banco pode emprestar a 14,25% para o
governo, sem risco nenhum, por que ele emprestaria a 2,5% para uma pequena empresa qualquer, e ainda
correndo muito risco de calote?
Portanto, as pequenas e médias empresas, além de
arcarem com a dívida do Tesouro para financiar o BNDES, ainda são expulsas do
mercado de crédito pelo próprio BNDES, só conseguindo empréstimos se pagarem
juros estratosféricos.
4) Ineficácia
da política monetária
Se há uma máquina cujo funcionamento exige uma
criação volumosa de dinheiro, e se tal dinheiro é emprestado a juros exíguos e
imunes à SELIC, então é óbvio que tal máquina cria uma grave distorção na política
monetária.
Como dito acima, de meados de 2009 até hoje, o BNDES
sozinho foi o responsável por jogar R$ 450 bilhões de reais na economia,
cobrando juros baixos e indiferentes a alterações na SELIC. Consequentemente, e por uma questão de lógica,
apenas para contrabalançar os efeitos inflacionários do BNDES, a SELIC tem de
estar constantemente em um nível muito acima daquele em que poderia estar caso não
houvesse o BNDES criando essa distorção no mercado.
Sem o BNDES, os juros poderiam ser menores e, com isso, as pequenas e
médias empresas poderiam ter acesso a mais crédito. Sem esse fenômeno da "seleção adversa", a expansão
da economia privada poderia ser maior.
Conclusão
Portanto,
os empréstimos subsidiados do BNDES, além de expulsarem as pequenas e médias
empresas do mercado de crédito, geram aumento da dívida do governo, aumentam a inflação
de preços e forçam a SELIC a patamares mais elevados. A SELIC mais elevada, por sua vez, encarece o
serviço da dívida e complica ainda mais a situação da dívida pública, o que
eleva a desconfiança dos investidores — como explicado neste artigo, dívida
cara e em contínua elevação significa temor de novos impostos; e o temor de
novos impostos afeta a intenção de se fazer investimentos de longo prazo; e sem
investimentos, não há crescimento econômico e nem empregos.
Como
bônus, dado que a SELIC alta encarece o serviço da dívida, há um impedimento
para que o Banco Central tenha autonomia para elevar ainda mais os juros em
caso de inflação de preços alta (como ocorre atualmente), o que pode prolongar
o período de carestia, desorganizando
toda a economia.
Assim
como toda e qualquer intervenção estatal, o BNDES gera consequências nefastas e
não-premeditadas sobre todo o resto da economia. Ele não apenas é uma máquina de criar
privilégios para os empresários umbilicalmente ligados ao governo, como é também
uma máquina de desarranjar a economia.
(Tudo
o que foi dito acima sobre o BNDES também se aplica aos bancos estatais, com a diferença
de que estes, ao menos, ainda estão sujeitos a regras de mercado, cobram taxas
de juros marginalmente maiores em seus empréstimos e, em tese, ainda visam ao
lucro. Sim, os bancos estatais devem ser privatizados — ou, no mínimo,
colocados para operar sob as mesmas regras dos bancos privados. Como já há um artigo exclusivo sobre os
bancos estatais, eles não foram o escopo deste artigo.)
Henrique
Meirelles, portanto, pode resolver seus três problemas — controlar os gastos,
estancar o crescimento da dívida pública e até mesmo reduzi-la — com uma só
medida.
Ao
fechar o BNDES, ele irá, no longo prazo, impor uma maior disciplina aos gastos
do governo e estancar o crescimento da dívida.
E, para reduzir a dívida, ele não
tem de recriar
a CPMF e nem nenhum "imposto transitório": basta ele exigir que as grandes
empresas que foram privilegiadas com empréstimos subsidiados do BNDES —
imorais por todos os motivos acima, mas principalmente porque pagos pelos cidadãos
brasileiros — devolvam o dinheiro.
Só
com o PSI foram gastos R$
362 bilhões em empréstimos. Dinheiro
do povo jogado fora. Por que somos nós
que agora temos de arcar com essa fatura?
As empresas privilegiadas — que majoritariamente fizeram
obras no exterior com esse dinheiro — que se virem para devolver o
esbulho. E observe que isso seria apenas
a devolução do principal. Nem se está
considerando os juros.
Tal
quantia faria maravilhas em reduzir a dívida pública, que é a intenção declarada
de Meirelles.
Como
exatamente ele irá equacionar isso é problema dele, e não meu. O Ministro é ele e não eu. Capacidade para resolver problemas ele tem de
sobra, como comprova sua exitosa carreira.
É
claro que, ao fazer isso, ele estaria prejudicando diretamente seu
ex-empregador, o
grupo J&F, que controla a JBS/Friboi.
Hora de provar que sua postura e sua fala de durão são realmente pra
valer.