Há aproximadamente 50.000 anos, um clã de famílias
foi pressionado pela escassez de bens e pela queda em seu padrão de vida —
resultante da superpopulação absoluta —, e assim resolveu por uma opção
pacífica: não guerrear com outras tribos vizinhas e passar a produzir
controlando a terra.
Graças ao processo de produzir bens — em vez de
simplesmente consumi-los —, eles passaram a poupar e estocar esses bens para o
consumo posterior.
Contudo, dada a natureza do homem, outras tribos
bárbaras passaram a cobiçar os bens acumulados desse clã, iniciando-se aí uma
temporada de ataques violentos: mortes, sequestros e grandes assaltos.
O clã voltou à condição inicial de pobreza e, com
menos capital humano, demorou a se restabelecer para conseguir produzir
excedentes novamente.
Os bárbaros saqueadores se deram conta de que seus
roubos seriam mais longos, seguros e confortáveis se eles permitissem que o clã
continuasse produzindo, agora porém com a condição de que os conquistadores se
tornariam governantes, exigindo um tributo periódico sobre o uso dos bens de
capital e monopolizando a terra para o controle de migrações.
Essa é a típica história do surgimento de um estado:
uma milícia saqueadora conquista uma tribo produtiva na base da força e
instaura ali métodos de controle, de modo a poder viver parasiticamente da
produção de bens da tribo conquistada.[1]
Graças à tendência natural dos monopolistas de
tirarem proveito de sua posição, não é surpresa o estágio a que chegamos. Não
só o tamanho absoluto dos saques cresceu — e vem crescendo —, como também cresceu
o domínio territorial dos estados. Mais
ainda: simultaneamente, toda uma máquina de propaganda e
doutrinação estatal foi montada, de modo que a ameaça de força é usada
apenas em último caso. Artistas, intelectuais e acadêmicos fazem a linha de
frente desse complexo processo de catequização estatal, tudo para esconder o
óbvio: a natureza coercitiva e injusta do estado.
Com efeito, as pessoas em geral condenam
veementemente o roubo, mas não veem nenhuma contradição entre essa postura e a
existência dos impostos. Pior, muitos
nem sabem que estão sendo roubados.[2] Contudo,
dentre as diferenças mais dramáticas do modelo inicial exposto ao modelo hoje
adotado está o método para a ascensão da classe governante.
Hoje, com a liberdade de entrada para os
políticos democráticos, temos uma tendência à eleição dos mais demagogos e
mentirosos picaretas, aqueles
que constantemente apelam para os mais básicos instintos. Ao contrário do
que ocorre na produção de bens e serviços, a livre concorrência para se eleger
um governante torna ainda mais sofisticados os métodos de espoliação. A democracia se resume a um "negócio" voltado
para o roubo, a expropriação e a receptação de bens roubados. Por conseguinte,
ela não tem o efeito de melhorar algo para o bem, mas de aprimorar o mal.
Nas palavras de Hans-Hermann
Hoppe:
Consideremos
os políticos eleitos sob um sistema democrático. Estes políticos não são
os proprietários do país da maneira como um monarca o é; eles são meros
zeladores temporários do país, por um período que pode durar quatro anos, oito
ou mais.
E
a função de um proprietário é bastante diferente da função de um
zelador.
Imagine
duas situações distintas: na primeira, você se torna o proprietário de um
imóvel. Você pode fazer o que quiser com ele. Você pode morar nele
para sempre, você pode vendê-lo no mercado — o que significa que você tem de
cuidar muito bem dele para que seu preço possa ser alto —, ou você pode
determinar quem será seu herdeiro.
Na segunda situação, o proprietário
desse imóvel escolhe você para ser o zelador dele por um período de quatro
anos. Nesse caso, você não pode vendê-lo e não pode determinar quem será
seu herdeiro. Porém, você ganha um incentivo novo: extrair o máximo
possível de renda desse imóvel durante o período de tempo que lhe foi
concedido.
Isso
implica que, na democracia, o zelador temporário é incentivado a exaurir o
valor do capital agregado do país o mais rápido possível, pois, afinal, ele não
tem de arcar com os custos desse consumo de capital. O imóvel não é
dele. Ele não tem o que perder com seu uso irrefletido. Por outro
lado, o monarca, como proprietário do imóvel, tem uma perspectiva de longo
prazo muito maior que a do zelador. O monarca não vai querer exaurir o
valor agregado de seu imóvel o mais rapidamente possível porque isso se
refletiria em um menor preço do imóvel, o que significa que sua propriedade (o
país) seria legada ao seu herdeiro a um valor menor.
Portanto,
o monarca, por ter uma perspectiva de longo prazo muito maior, tem o interesse
de preservar — ou, se possível, aumentar — o valor do país, ao passo que um
político em uma democracia tem uma orientação voltada para o curto prazo e quer
maximizar sua renda o mais rapidamente possível. Ao fazer isso, ele
inevitavelmente irá gerar perdas no valor do capital de todo o país.
Apesar de o esquema de extorsão que presenciamos
hoje ser mais sofisticado que os de 50.000 anos atrás, a essência do estatismo
permanece a mesma ao dividir a sociedade em dois grupos: de um lado, a classe
de pessoas que obtém sua renda e seus ativos produzindo algo que é comprado
voluntariamente e valorado apropriadamente pelos consumidores; de outro, a
classe formada por aqueles que não produzem nada de valor, mas que vivem e
enriquecem à custa da renda e dos ativos das pessoas produtivas, os quais são
violentamente confiscados via tributação — o que significa dizer que todos os
funcionários públicos e todos os beneficiários de "programas sociais", de
subsídios e de privilégios monopolistas (como os grandes empresários) pertencem
a esta última classe.
Serviços
de segurança privados
Desta forma, a pergunta frequente a respeito do
receio da formação, em uma sociedade sem estado, de milícias criminosas e sua
monopolização ou cartelização adquire uma nova ótica: por que tal preocupação,
dado que já vivemos não só sob os mandos de uma delas, mas pior ainda, sob a
sua versão mais sofisticada: o estado social-democrata?
Vamos, contudo, um pouco além e mostrar que o
arranjo concorrencial de segurança e defesa tem bastante eficácia para evitar
esse fenômeno. Antes, porém, se faz necessário analisar os pontos estatistas e
como seria um arranjo totalmente voluntário de serviços de segurança.
Segundo Thomas Hobbes, graças à natureza do homem, a
tendência da sociedade é a de estar em guerras constantes. Daí conclui-se a necessidade de um arbitrador
soberano a fim de mediar todos os conflitos, controlando e
monopolizando os serviços de segurança e justiça. Para isso, essa parte
independente, o estado, deveria ter também o monopólio do território e do
crime, em particular o direito de tributar. Mas a premissa hobbesiana é
falsa e contraditória — e, mesmo se não fosse, a conclusão a que ele chega
não faz sentido.
Note também que o governante — seja ele um monarca,
um ditador, um político ou um senhor feudal — terá de ser um homem e,
portanto, também terá inevitavelmente a "natureza perversa" prevista por
Hobbes.
Na verdade, não há como saber a melhor resposta a
essa questão se as pessoas não forem livres para escolher onde procurar
serviços de segurança — caso não queiram, elas mesmas, defender suas
propriedades.
Se há um soberano coercitivo — isto é, que não tem
aceitação unânime —, tem-se também outra contradição: ele terá de decidir
unilateralmente o preço de sua proteção, via impostos. Consequentemente, ele próprio já inicia todo
o processo de agressão, coagindo seus súditos.
A ciência econômica já mostrou que não é necessário pressupor
empatia entre os indivíduos para que haja interação pacífica na sociedade. Ao contrário: os indivíduos são movidos pelo
interesse próprio, e é por causa de seu interesse próprio que as pessoas
cooperam, uma vez que elas são capazes de reconhecer que a divisão do trabalho
é mais eficiente para a geração de prosperidade do que o isolamento auto-suficiente
ou a guerra.
(A empatia — entendida como compartilhar um objetivo
em comum — é bastante limitada para a solução dos problemas de mercado e
praticamente se limita ao âmbito familiar.)
Assim, consideremos um objetivo complexo, como a
produção de uma camiseta. Seu processo
produtivo envolve inúmeras etapas, como: plantio e colheita de algodão, fiação,
tricotagem, tingimento, acabamento e confecção — tudo isso sem contar os
processos de aquisição de todo maquinário para fazer esses procedimentos.
Naturalmente, não é razoável esperar que todas as pessoas envolvidas na
fabricação de uma camiseta conheçam e tenham simpatia pelo consumidor
final. Mais ainda, nem mesmo as pessoas
direta e indiretamente envolvidas precisam se conhecer: basta reunir recursos e
trabalho, e entrar em uma cadeia de cooperação. A divisão do trabalho é um fenômeno natural dentro da
civilização; sem ela nos veríamos imediatamente em pleno estado de pobreza.
Já citamos acima duas maneiras de se adquirir bens e
serviços em sociedade: pela empatia e pelo mercado. A terceira e última é a
ilícita, consistindo de meios violentos: o saque, a espoliação e a escravidão.
Vimos que não é necessário admitir a existência de coisas como empatia ou
amor entre as pessoas para explicar a cooperação em sociedade. Vamos além
e mostrar que é perfeitamente possível uma cooperação também nos serviços de
defesa contra a alternativa agressiva.
Como uma sociedade livre se organizaria
espontaneamente para se defender de agressões? A natureza do serviço de
proteção é, essencialmente, a de um seguro, pois qualquer gasto em defesa de
uma propriedade representa uma espécie de apólice de seguro. Embora seja
possível fazer seguro contra ataques não-provocados — isto é, acidentais —,
vamos nos concentrar aqui naqueles seguros feitos contra ações feitas
efetivamente por um agressor intencional, que objetivamente opta por agredir uma
propriedade honestamente adquirida.
Para começar, qualquer criminoso conhecido teria
sérias dificuldades em contratar serviços de seguradoras, já que para isso
seria requerido que ele previamente tenha se comportado de maneira
não-agressiva, o que leva a um natural boicote social aos agressores.
Já a indenização por parte da seguradora quando um
cliente se torna vítima de um crime deve ser de tal forma a incentivá-la a: (1)
evitar ao máximo crimes contra seus clientes, fornecendo sofisticados meios de
proteção e prevenção de crimes; e, caso não consiga efetuar essa prevenção, (2)
capturar o criminoso para puni-lo a fim de ressarcir a vítima e pagar os custos
do serviço.
A livre concorrência entre as seguradoras tende a
descentralizar o setor, diminuindo os riscos de abusos e corrupção, e levando a
uma queda de preços por valor de propriedade segurada. Entre outros fatores
positivos, pode-se
destacar:
Quanto
maior o número de pessoas seguradas — e, em uma economia moderna, a maioria
das pessoas deseja mais do que autodefesa para sua proteção —, maior seria a
pressão econômica sobre os não-segurados remanescentes para adotar padrões
idênticos ou semelhantes de conduta social não-agressiva.
Ademais,
como resultado da concorrência entre seguradoras por clientes voluntários,
adviria uma tendência de queda de preços por valor de propriedade segurada. Ao
mesmo tempo, surgiria uma tendência à padronização e unificação do direito real
e contratual. Contratos de proteção com descrições padronizadas de propriedades
e serviços surgiriam; e, da cooperação estável entre diversas seguradoras em
procedimentos de arbitragem, resultaria uma tendência à padronização e
unificação das regras de processo, de provas e de resolução de conflitos
(incluindo compensação, restituição, punição e retaliação), levando a uma
segurança jurídica cada vez maior e mais firme.
Todos,
por adquirirem seguro de proteção, estariam unidos a um empreendimento concorrencial
em escala mundial na luta pela minimização da agressão (e, assim, pela maximização
da proteção defensiva). Todos os
conflitos e pedidos de indenização, não importam onde e por quem ou contra
quem, recairiam na jurisdição de apenas uma seguradora — ou de um conjunto
específico de seguradoras — e de seus procedimentos de arbitragem
estabelecidos em acordo.
Como exemplos de sociedades antigas que presenciaram
serviços de segurança 100% voluntários, destaque para dois casos.
No primeiro, a Islândia
Medieval — de aproximadamente 860 a 1280 d.C. —, onde a vítima de uma
agressão era responsável pela execução legal, sozinha ou com o auxílio de
outras pessoas — e, neste último caso, ela poderia procurar por pessoas mais
poderosas, chefes de clãs, por exemplo, e repartir o ressarcimento com elas. O
ressarcimento por um dano causado era considerado um bem transferível como
qualquer outro.
Se, por exemplo, você houvesse me causado algum
dano, e eu me considerasse fraco demais para forçá-lo a me ressarcir, eu
poderia vender ou simplesmente dar o poder de cobrar o ressarcimento a alguém
mais forte. A partir daí, seria do interesse dessa pessoa cobrar o
ressarcimento, seja por seu valor econômico, seja pela possibilidade de
estabelecer uma reputação como "cobrador". (Para mais detalhes sobre a Islândia
Medieval, veja essa descrição de David Friedman.)
O segundo exemplo é o da pequena
república de Cospaia — que, por aproximadamente quatrocentos anos,
prosperou na Itália central sem governo algum. Lá, conflitos eram resolvidos pelos chefes das
famílias ou pelo padre local. Os árbitros eram escolhidos pela sua integridade
e não por suas conexões políticas. Não há indicação alguma de que Cospaia era
um lugar violento.
Com efeito, não deve haver absolutamente nenhuma
dúvida sobre a eficácia de um sistema de proteção baseado na disposição que as
pessoas têm de se defenderem. Foi assim que a lei e a ordem foram mantidas pela
maior parte da história da humanidade. É graças a séculos de doutrinação e
ofuscação estatista que as pessoas deixaram de perceber essa obviedade.
Apesar dos avanças do estatismo, ainda hoje temos
inúmeras evidências empíricas da superioridade de um arranjo privado de
segurança. Com efeito, apenas o fato de esse arranjo ser largamente utilizado
em todo o mundo — inclusive por políticos — já é uma demonstração
praxeológica disso. Dois casos recentes de uso de serviços de defesa privados
se destacam nos EUA.
O primeiro ocorre em Atlantic
Station, Georgia: uma cidade privada dentro de outra cidade. Trata-se de
uma cidade construída com capital privado no lugar da Usina Siderúrgica de
Atlanta, fechada na década de 1970. Segundo
relatos:
As
ruas são abertas ao público, mas também são propriedades privadas. Não é por
acaso que os próprios policiais se preocupam com o bem-estar da comunidade e
daqueles que a frequentam. São empregados de um sistema de livre iniciativa —
ou, mais precisamente, da Chesley Brown, que provê esse serviço de maneira
terceirizada para a Atlantic Station. […] Os resultados do policiamento são
talvez a parte mais interessante, dadas as polêmicas atuais no tocante a abuso
policial. Quando a polícia é parte do mercado, o lema 'servir e proteger' passa
a ser levado de maneira literal.
A comunidade de Atlantic Station tem regras privadas
severas como não fumar em ambientes abertos e não portar armas, e as faz
cumprir com uma segurança 100% privada de forma pacífica e funcional.
O outro caso ocorreu no Texas, na
comunidade de Sharpstown, situada no sudeste da cidade de Houston. Em 2012,
a comunidade, representada pela Associação Cívica de Sharpstown (no original
Sharpstown Civic Association) resolveu demitir todo seu departamento público de
policiamento e contratar a empresa privada de patrulhamento S.E.A.L. Security
Solutions. Para quem já está acostumado com o básico de ciência econômica o
resultado não deve surpreender: em apenas 20 meses a taxa de crimes registrados
na comunidade caiu 61%, segundo James Alexandre, o diretor de operações da
S.E.A.L.
Dada uma breve descrição de agências privadas, bem
como exemplos de algumas aplicações diversas em contextos históricos distintos,
a pergunta natural que vem à mente é: seria esse sistema estável caso seja
maciçamente acolhido hoje em dia? Ou, dito de outra forma, o que impediria as
principais agências de segurança de se unirem para dominar coercitivamente
territórios e assim formar um novo estado?
A resposta é que não há absolutamente garantia
alguma de que isso não aconteça. Na verdade, hoje em dia também não temos tal
garantia e, com efeito, a ameaça globalista está cada vez maior. Historicamente,
vemos inúmeras agressões arbitrárias feitas por estados mais belicamente poderosos
sobre mais fracos: além das famosas guerras mundiais e os inúmeros casos que
ocorreram ao longo do século XX no Oriente Médio, podemos citar os casos mais
recentes da invasão feita pela Rússia em território ucraniano e da subjugação
que o governo Chinês vem fazendo com o povo tibetano. Isso sem contar as
inúmeras ameaças atômicas que tivemos e que hoje estamos presenciando por parte
da tensão Israel x Irã.
Outro ponto inerente à instabilidade gerada pelo
monopólio estatal da segurança e da justiça é o constante risco de abuso de
poder por parte das autoridades, o que pode gerar desde uma prisão injusta até
um golpe militar violento.
Podemos, contudo, tecer alguns pontos a respeito do
arranjo privado, os quais nos levam a crer que tal cenário será bem mais
harmônico e satisfatório que o estatista. Em primeiro lugar, uma vez assegurado o
direito absoluto sobre a propriedade, nada impedirá os cidadãos de se armarem
em seus territórios. Estatísticas
mostram que civilizações mais armadas têm menores taxas de criminalidade:
eis um dos principais motivos práticos de se defender o armamento civil. Como
bem lembrou Benjamin Franklin, "quando todas as armas forem propriedade do
governo e dos bandidos, estes decidirão de quem serão as outras propriedades".
A própria descentralização da segurança e do armamento já é, por si só, uma
medida bastante eficaz de segurança.
Além disso, diferentemente do caso estatal, havendo livre
entrada no setor de segurança, podemos trocar de agências sem precisar nos
mudar de território, tornando mais difícil o abuso de poder por parte das
seguradoras. Mais ainda, quanto mais agências existirem, menor será esse risco. E somente o livre mercado dará garantias que
isso ocorra da forma mais eficiente.
Finalmente, uma agência que soluciona suas disputas
concorrenciais na base da força terá sérios problemas financeiros, não importa
quantas batalhas vença. Batalhas são caras, além de perigosas para os clientes
cujos territórios de morada se tornassem zonas de guerra. Os clientes vão
procurar um protetor menos audacioso e, sem eles, o dinheiro para financiar as
guerras cessará.
Um argumento comum feito por economistas ortodoxos
em defesa do monopólio estatal da segurança e da justiça diz que o mercado não
poderia proporcionar uma divisão de trabalho na produção da lei, pois a
aplicação da lei, normalmente, requer o uso de força física; e se apenas alguns
membros da sociedade estão se especializando no uso de força física, então
todos os outros na sociedade ficarão à mercê. Porém, se esta é uma objeção à liberdade de
escolha, por que não seria também uma objeção ainda mais forte ao estado, já
que o estado — ao contrário de uma agência de segurança sob um regime de livre
concorrência — está desprovido de quaisquer rivais e, logo, está numa posição
ainda melhor para abusar do seu poder?
Como ressaltou Gustave de Molinari,
as leis econômicas são universais, não dando brechas para exceções:
Eis
uma verdade bem estabelecida em política econômica: em todos os casos em que se
quer prover as necessidades tangíveis ou intangíveis do consumidor da melhor
maneira possível, o trabalho e o comércio devem permanecer livres, pois a
liberdade de trabalho e comércio tem como resultado permanente e necessário a
redução máxima do preço e o aumento da qualidade. Outra verdade: o interesse do
consumidor acerca de qualquer coisa deve sempre prevalecer sobre os interesses
do produtor. No entanto, ao perseguirmos estes princípios, chegamos a esta
rigorosa conclusão: a produção da segurança deve, no interesse dos consumidores
deste bem intangível, permanecer sujeita à lei da livre concorrência.
Disto
segue que nenhum governo deveria ter o direito de evitar um outro governo de
entrar em concorrência com ele, ou de requerer que os consumidores da segurança
recorram exclusivamente a ele por este bem.
Esse clássico argumento de Molinari pode ser
resumido na forma do seguinte silogismo:
- Todos
os bens e serviços são mais eficientemente fornecidos sob regime de livre concorrência
do que sob um arranjo inerente comunista, com monopólio estatal.
- Lei
e ordem são bens e serviços.
- Logo,
lei e ordem são mais eficientemente fornecidos sob livre concorrência do
que sob monopólio estatal.
Conclusão
Em geral, economistas mais liberais vislumbram
como alternativa à livre concorrência na segurança uma utopia minarquista (ou um
estado liberal limitado) em que as ações estatais estão "rigidamente definidas,
delimitadas e circunscritas," enquanto o próprio governo seria uma espécie de "robô
impessoal", operando livre de qualquer "toque de arbitrariedade e capricho".
Isso pode parecer razoável à primeira vista, mas,
afinal, o estado é uma instituição de natureza definitiva, e as ações esperadas
disso são determinadas pela sua natureza e não pelos nossos desejos e
fantasias. Então, a verdadeira questão é se é realista esperar este tipo de
operação automática e imparcial de um monopólio centralizado. E, com efeito, não é.
O poder corrompe, pois atrai o corruptível. E o
sistema de incentivos gerados por um monopólio estatal é verdadeiramente
perverso. A história está aí para mostrar que, como tendência geral, a
liberdade humana é cada vez mais sufocada pela ameaça estatista.
[1] Para
mais detalhes sobre o surgimento do estado veja o livro de Franz Oppenheimer, The
State (New York: Vanguard Press, 1926).
[2] Segundo essa reportagem da UOL, no Brasil, 1 em cada 4
brasileiros não sabe que paga impostos, nome dado para um roubo em larga
escala, como é mostrado nesse texto.