Como várias reportagens ao longo das últimas semanas
indicaram (veja alguns exemplos
aqui,
aqui,
aqui,
aqui
e
aqui),
a Itália está na iminência de vivenciar uma crise bancária sem precedentes.
Empréstimos feitos pelos bancos e que foram
caloteados pelos tomadores de empréstimos já totalizam 360 bilhões de euros, o
que equivale a incríveis 17% de todos os empréstimos bancários do país, e é
igual a aproximadamente 20% de todo o PIB anual italiano.
Tal valor também é múltiplas vezes maior do que a
quantidade de calotes sofrida pelos bancos italianos no auge da crise
financeira de 2008.
Desde o início de 2016, os preços das ações dos
bancos italianos já caíram mais de 50%. No
caso do banco mais antigo e mais encrencado da Itália, o Banca Monte dei Paschi
di Siena, o preço de suas ações já desabaram mais de 75%.
Em nada ajuda o fato de que a economia italiana ainda
não se recuperou da crise financeira de 2008, sendo hoje 8%
menor do que era em 2008, e praticamente do mesmo tamanho que era ao final do século
XX.
O governo italiano está considerando utilizar
dinheiro de impostos para socorrer os bancos, em total desafio às regras da União
Europeia, que, desde janeiro de 2016, proíbe resgates ("bail-outs"), permitindo
somente os "bail-ins", que é quando o dinheiro dos correntistas do próprio banco
é utilizado para recapitalizar o banco insolvente.
[N. do E.: em termos práticos, o dinheiro que está
na sua conta-corrente, na sua conta-poupança ou em CDBs é confiscado de você e
incorporado ao patrimônio líquido do banco, aumentando seu capital. O dinheiro que até então era contabilizado
como um passivo para o banco torna-se um patrimônio líquido do banco. Foi isso o que aconteceu no Chipre em 2013].
O governo italiano está relutante em seguir as
regras da União Europeia (que proíbe bail-outs e impõe bail-ins) porque quase
metade dos títulos dos bancos (como os CDBs) — aproximadamente 31 bilhões de
euros — está em posse de famílias e de indivíduos, e não de investidores
profissionais. Em caso de insolvência
bancária, os detentores desses títulos bancários são os últimos dos credores
dos bancos a serem pagos.
Em seu apelo à União Europeia para suspender sua legislação
de bail-in, o governo italiano está
alegando que os indivíduos e famílias que compraram esses títulos bancários representam
os pequenos e ingênuos poupadores. Mas
isso não é bem verdade. Em 2015, o
governo italiano resgatou quatro
bancos pequenos. Obedecendo as
regras da UE, ele jogou o ônus do resgate nos credores desses bancos (os
detentores de seus títulos), e não nos pagadores de impostos. Como resultado, 12.500
"pequenos poupadores" perderam um total de 430 milhões de euros. Isso dá uma média de 34.500 euros perdidos por indivíduo.
Analisemos esses "pequenos poupadores" que o governo
italiano está tão ávido para proteger. Em
2013, a riqueza líquida de cada família italiana era, em média, de 145.469
euros, incluindo-se ativos reais e financeiros.
É difícil crer que uma família que foi tão sagaz e disciplinada para
acumular essa quantia de riqueza líquida seria tão ingênua ao ponto de
imprudentemente investir quase um quarto de sua riqueza em títulos bancários arriscados,
principalmente quando se considera que o total de títulos bancários constituía aproximadamente
3% da riqueza bruta das famílias em 2013.
Uma inferência sensata seria a de que esses títulos bancários
constituem uma pequena parte dos portfólios bem mais diversificados daquelas
famílias cuja riqueza líquida supera em muito a riqueza média das famílias
italianas — ou seja, pertencem a famílias ricas e, possivelmente, com boas conexões
políticas.
Isso explicaria por que o governo italiano está tão propenso
a utilizar dinheiro de impostos para socorrer esses bancos.
De resto, o governo italiano recorre à justificativa
de sempre: imputar perdas aos investidores abalaria a confiança nos bancos, aumentaria
os saques dos correntistas, e, consequentemente, afetaria a capacidade futura
dos bancos italianos em seguir concedendo crédito barato. Ocorre que esta é exatamente a própria política
que gerou o problema. Ao contrário do
que ocorreu na Espanha ou na Irlanda, em que o descalabro bancário esteve
vinculado a uma bolha imobiliária que estourou e gerou calotes maciços, a situação
italiana não decorre de nenhum boom econômico artificial: a renda per capita do
país cresceu apenas 0,3% ao ano durante os últimos 25 anos. Todo o crédito bancário que foi direcionado a
famílias e empresas se materializou em investimentos de baixíssimo retorno,
incapazes de gerar os fundos suficientes para amortizar as dívidas. Daí os calotes, mesmo com os juros baixíssimos.
O problema econômico da Itália, portanto, nunca foi
de escassez de crédito, mas sim de falta de oportunidades sensatas de
investimento. Isso fez com que o país
crescesse exiguamente em decorrência de endividamento insolvente. Em vez de se preocuparem com a restrição creditícia
que seria acarretada pelo bail-in,
seus governantes deveriam se preocupar em impulsionar um ambicioso pacote de liberalizações
que multiplique as oportunidades reais de investimentos.
No entanto, as negociações entre o governo italiano
e a União Europeia podem rapidamente se mostrar inúteis caso se comprovem
verdadeiros os vários
rumores sobre os caixas automáticos italianos estarem sem dinheiro.