A
moeda é monopólio do governo. O governo
está no completo controle da moeda. Sendo a moeda um monopólio do governo, a qualidade da moeda será diretamente proporcional à qualidade do governo que a gerencia.
Se o governo tem uma política fiscal ruim, se ele não gera confiança nos
investidores e nos consumidores, se ele trava os investimentos, se sua política
creditícia é ruim, e se ele é visto como relutante em atacar seu déficit e
estancar o crescimento da dívida, então sua moeda será fraca e,
consequentemente, o poder de compra dela será declinante.
Logicamente,
uma sucessão de governos ruins será fatal para a qualidade de uma moeda.
Nós
brasileiros somos vítimas diretas do que os sucessivos governos fizeram com o
nosso dinheiro.
A destruição do real
Segundo
as estatísticas do próprio governo — o IBGE e seu Índice de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) —, aquilo que custava R$ 100 em 1º julho de 1994
passou a custar R$ 550,12 em 31 de julho de 2016. Um aumento de 450,12% em 22 anos. Uma taxa
média de 8,05% a cada 12 meses.
Falando
de outra maneira, desde 1º de julho de 1994 até 31 de julho de 2016 (exatos 22
anos), o real já perdeu 82% do seu
poder de compra.
(A
matemática é simples: em julho de 1994, R$ 100 compravam Y. Isso
significa que R$ 1 comprava (1/100) Y.
Atualmente,
são necessários R$ 550,12 para comprar esse mesmo Y, o que significa que R$ 1
compra (1/550,12) Y.
Fazendo-se
a conta do valor final (1/550,12) menos o valor inicial (1/100), e dividindo o
resultado pelo valor inicial (1/100), tem-se o percentual de 82%, que foi a
perda do poder de compra da moeda.)
Na
prática, essa perda de 82% no poder de compra significa que uma nota de R$ 100
hoje tem o mesmo poder de compra que R$ 18 em julho de 1994. Isso é uma destruição significativa.
Para
se ter uma ideia, neste mesmo período, a inflação
de preços acumulada nos EUA foi de "apenas" 62,16% (contra 450,12% no
Brasil). Aquilo que custava US$ 100 em
1º julho de 1994 passou a custar US$ 162,16 em 31 de julho de 2016. Uma média de 2,22% a cada 12 meses (contra
8,05% no Brasil).
Nem toda destruição é igual
Mas,
em meio a esses escombros, há detalhes interessantes — os quais, porém, não
deveriam surpreender ninguém que conheça o básico sobre economia.
O
IBGE divulga vários componentes que formam o IPCA. Para começar, há o componente "preços livres"
e há o componente "preços monitorados".
O
componente "preços livres", como o próprio nome diz, engloba todos aqueles
itens cujos preços são livremente formados no mercado. Exemplos:
Alimentos
industrializados e semi-elaborados. Artigos de limpeza, higiene e beleza.
Móveis. Utensílios domésticos. Equipamentos
eletro-eletrônicos. Automóveis. Produtos
de cama/mesa/banho. Bebidas. Roupas. Material escolar. Matrícula e mensalidade escolar. Cursos. Produtos in natura. Alimentação fora de casa. Aluguel. Consertos domésticos. Seguro de carro, conserto de carro, lavagem de
carro, e estacionamento. Recreação e
cultura. Dentistas e todos os tipos de
serviços pessoais.
Já
o componente "preços monitorados" engloba todos aqueles itens cujos preços são
determinados pelo governo via agências reguladoras, estatais e portarias do
Ministério da Fazenda. Exemplos:
Todos
os tipos de serviços públicos. Taxa de
água e esgoto. IPTU. Gás de bujão. Energia elétrica. Ônibus urbano. Ônibus intermunicipal. Metrô. Gasolina
e óleo diesel. Planos de saúde. Tarifas de celular e de telefonia fixa. Pedágios. Remédios e outros produtos farmacêuticos. Licenciamento.
O
gráfico abaixo mostra a evolução destes dois componentes (veja aqui as taxas
mensais de inflação de ambos). Parte-se
da base 100 em junho de 1994, o que significa que ambos os componentes custavam
R$ 100 em 1º de julho.

Gráfico 1: encarecimento dos bens e
serviços cujos preços são livres (linha azul) e dos bens cujos preços são
regulados pelo governo (linha vermelha)
Observe
que o agrupamento de bens e serviços cujos preços são regulados pelo governo encareceu
acentuadamente mais do que o agrupamento de bens cujos preços são estipulados
pelo mercado.
Em
média, um bem ou serviço regulado pelo governo que custava R$ 100 em julho de
1994 passou a custar R$ 785 em julho de 2016.
Encarecimento de 685%. Média de 9,82%
a cada 12 meses.
Já
um bem ou serviço regulado pelo mercado que custava R$ 100 em julho de 1994
passou a custar R$ 501 em julho de 2016.
Encarecimento de 401%. Média de 7,6%
a cada 12 meses.
Algumas
curiosidades:
1)
A primeira fase do Plano Real, que tinha uma moeda realmente forte, com o câmbio atrelado ao
dólar, foi bastante eficaz em domar os preços livres. De 1996 até o final de 1998, os preços livres
(linha azul) demonstraram uma estabilidade que nunca mais seria repetida após
1999, ano da adoção do câmbio flutuante.
Por que o câmbio flutuante não é propício a gerar preços estáveis em
países ainda em desenvolvimento foi explicado em detalhes neste artigo.
2)
Repare a 'deflação' na linha vermelha ocorrida no início de 2013. Foi quando Dilma reduziu
na caneta o preço da energia elétrica. E também congelou o preço
da gasolina em um momento em que o dólar estava encarecendo
aceleradamente. Isso foi um fator decisivo que nos trouxe
à situação em que estamos hoje.
3)
À exceção dessa lambança feita por Dilma em 2013, não parece haver nenhum
critério específico na maneira como o governo regula os preços
monitorados. Eles estão sempre subindo
mais aceleradamente que os preços livres.
4)
Como ensina a teoria econômica, aqueles bens e serviços que são ofertados em um
mercado concorrencial sempre têm seus preços restringidos pela ação dos
consumidores (que podem comprar ou se recusar a comprar).
Já
aqueles bens e serviços ofertados em mercados regulados e fechados pelo governo
— os quais na prática são fornecidos por empresas que usufruem um monopólio
concedido e protegido pelo governo, como empresas de ônibus, de saneamento, de
eletricidade, telefônicas, planos de saúde, postos de gasolina, TV a cabo,
internet etc.— podem encarecer continuamente sem qualquer represália. O governo acorda os preços com as empresas
protegidas (dentre elas várias estatais) e o consumidor simplesmente não tem o
que fazer nem para onde ir.
5)
Dentre os preços livres, temos de levar em conta que:
5.a)
boa parte da alta advém dos alimentos, que estão sujeitos não apenas a fatores
climáticos, como também, e principalmente, à taxa de câmbio: quanto mais
desvalorizado o câmbio, maior o incentivo à exportação de alimentos, menor a
oferta de alimentos no mercado interno, maiores os seus preços.
5.b)
praticamente todos o produtos industrializados e manufaturados nacionais são protegidos
por altas tarifas de importação. Não
fosse esse protecionismo, seus preços seriam bem menores.
6)
Ainda assim, se pegarmos aqueles bens e serviços que são ofertados em regime
concorrencial, excluindo os alimentos, eles são os que apresentaram o menor encarecimento dentre todos.
O
gráfico abaixo mostra a evolução dos preços dos "artigos de residência", que
englobam eletrodomésticos e equipamentos, TV, som e informática, mobiliário, utensílios e enfeites, cama, mesa e banho, e consertos e manutenção; e do "vestuário",
que engloba roupas masculina, feminina e infantil, calçados e acessórios, jóias
e bijuterias, tecidos e armarinho.

Gráfico 2: encarecimento dos bens e
serviços para casa (linha azul) e do vestuário (linha vermelha)
Compare
com o gráfico 1 e veja como estes itens subiram bem menos.
Móveis,
eletrodomésticos, aparelhos eletrônicos, utensílios, enfeites, cama, mesa e
banho, consertos e manutenção doméstica (este certamente foi o item que mais
puxou para cima) que custavam R$ 100 em julho de 1994 custam hoje R$ 268. Encarecimento médio de 4,58% a cada 12 meses.
Roupas,
tecidos, jóias e bijuterias que em julho de 1994 custavam R$ 100 custam hoje R$
356. Encarecimento de 5,9% a cada 12 meses.
Por
fim, como curiosidade, é notável como a linha azul varia majoritariamente de
acordo com o câmbio. Quando o real era
atrelado ao dólar, a linha azul praticamente não se moveu. Quando o câmbio passou a flutuar (isto é, a
encarecer), os preços foram juntos. De
2005 a 2011, quando o dólar se desvalorizou em relação ao real, os preços ficaram
estáveis. De 2012 em diante, com a desvalorização
do real perante o dólar, os preços voltaram a subir.
Já
o vestuário se manteve totalmente estável enquanto a moeda era forte (até
1999). Depois disso, passou a encarecer continuamente. Mas encareceu bem menos que todo o resto dos
itens da economia.
Uma observação sobre juros
Imagine
que você vá emprestar dinheiro para alguém.
De posse do gráfico 1, você sabe que os preços daqui a um ano ou daqui a
vários anos (dependendo do prazo do empréstimo) estarão substantivamente
maiores. Esse sempre foi o histórico do
Brasil. Nossa moeda nunca permitiu que
os preços se comportassem civilizadamente.
Como você agirá?
É
claro que você embutirá nos juros cobrados essa incerteza em relação à carestia. Por exemplo, como visto, os preços controlados
pelo governo provavelmente subirão a uma taxa média de 9,82% a cada 12 meses. Logo, uns 10% ao ano é o mínimo que você deveria
cobrar apenas para manter seu poder de
compra.
Acrescente
a isso o fato de que você quer ter algum lucro, o fato de que você quer ser
compensado pelo tempo em que ficará sem seu dinheiro, o fato de que o tomador
de empréstimo já está bastante endividado (o que gera alguma incerteza quanto à
sua solvência), e o fato de que ele mensalmente precisa de grandes volumes de
dinheiro emprestado (pois não consegue equilibrar seu orçamento e precisa
continuamente rolar suas dívidas), e você começará a entender por que a taxa básica
de juros é alta no Brasil.
Temos
uma economia ainda em desenvolvimento, com uma renda per capita ainda baixa, mas
um governo que se propõe a ofertar uma variedade escandinava de serviços. É óbvio que tal governo será um sugador voraz
de dinheiro emprestado para bancar seus gastos.
Dado
que a população brasileira ainda é pobre e pouco
produtiva — o que significa que apenas impostos não dão conta de bancar os
gastos do governo —, serviços escandinavos só podem ser ofertados mediante empréstimos
maciços concedidos ao governo.
E
tudo piora: se o governo — que em tese é a entidade mais confiável que existe
para a qual emprestar dinheiro (pois pode tributar os outros e imprimir
dinheiro para pagar suas dívidas) — tem de pagar juros altos por causa disso
tudo, imagine então qual será o tamanho dos juros para o resto dos mortais?
Com o governo em cena competindo pelo crédito e se
oferecendo para pagar 14,25% ao ano, a única forma de um coitado qualquer
conseguir algum crédito é se dispondo a pagar juros de, suponhamos, 20% ao ano. E isso se ele for empreender. Se for apenas para consumir, a taxa será
quase o dobro. Por menos que isso o
banco não vai emprestar.
Tendo tudo isso em mente, eis uma conclusão importante:
juros altos são, acima de tudo, consequência
de uma moeda que continuamente perde poder de compra. Sim, um governo gastador, endividado e com orçamento
desequilibrado também impulsiona os juros de uma economia, mas, ainda assim, o
principal sustento dos juros altos é a fraqueza da moeda.
Estranhamente, ainda há quem confunda causa e
consequência. Há quem acredite que juros
altos são uma ferramenta artificialmente criada para gerar moeda forte e,
consequentemente, preços baixos. Não. Juros altos são consequência de uma moeda que perde poder de compra, e não a causa
de uma moeda forte. Juros altos não podem
gerar moeda forte. Juros altos não
causam moeda forte. Juros altos são consequência de uma moeda fraca.
Igualmente,
há quem acredite que recessão reduz a carestia. Mas recessão não pode causar
queda de preços. Quem acredita que recessão debela carestia está, na prática,
dizendo que uma economia debilitada irá automaticamente gerar uma moeda forte e
estável. Isso é totalmente sem sentido. (Veja mais sobre isso aqui e aqui).
Conclusão
O governo, que detém o monopólio da moeda, é um impiedoso destruidor da mesma. Mas nem toda a destruição é igual.
Setores
que operam sob concorrência oferecem os bens e serviços cujos preços foram os
que menos subiram nos 22 anos de real.
Mesmo
com o explosivo crescimento da quantidade de dinheiro na economia nestes 22
anos — que cresceu a uma
taxa média de 18,30% ao ano —, a concorrência neste setor conseguiu conter
os preços, fazendo com que seu encarecimento ficasse confinado, como mostra o gráfico
2, a algo entre 4,6% e 5,9% ao ano. Isso
é um feito e tanto.
Em
contraste, bens e serviços ofertados por setores regulados pelo governo e
blindados da concorrência por meio de agências reguladoras conseguiram extrair
preços cada vez mais altos da população.
E com uma qualidade, no mínimo, insatisfatória.
Ao
passo que bens cada vez mais demandados pelo povo — como TVs, smartphones,
geladeiras, eletrodomésticos, computadores, notebooks e todos os tipos de
vestuário — foram os que menos encareceram, bens e serviços ofertados sob
intensa regulação do governo — como planos de saúde, remédios, passagens de ônibus,
energia elétrica, telefonia, TV a cabo, gasolina e diesel, pedágios, gás de
bujão, taxa de água e esgoto etc. — foram os que mais dispararam.
Mesmo
alguns itens que são considerados "preços livres", como mensalidade escolar (que
estão entre as que mais subiram nos preços livres), operam sob um regime de proteção
estatal. Afinal, a partir do momento em
que o governo decreta ser obrigatório matricular seu filho em uma escola — sob
pena de encarceramento caso você não o faça —, está criado um mercado cativo,
cujos serviços devem ser compulsoriamente consumidos. Sob esse arranjo cartelizado pelo estado, impossível
os preços não dispararem.
Realmente,
não é nada complicado. Se você quer bons
serviços, bons produtos, idéias inovadoras e preços contidos, você tem de ter
mercados livres e concorrenciais. Você tem
de ter liberdade de entrada em todos os setores. Você tem de abolir as barreiras regulatórias erigidas
pelo governo, as quais servem apenas para proteger as empresas reguladas, garantindo-lhes um mercado
cativo e monopolista.
Quanto
mais o governo controla, maiores serão os preços, e mais insatisfatórios serão os
serviços.
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