quarta-feira, 14 set 2016
A política industrial iniciada no segundo mandato de
Lula e intensificada no primeiro mandato de Dilma apresentava um mecanismo hoje
já bem conhecido: o Tesouro se endividou emitindo títulos que pagam a SELIC e
repassou esse dinheiro para o BNDES, o qual então
emprestou esse dinheiro a
grandes empresas cobrando juros abaixo de 5%, e em prazos que
chegam a 30 anos.
Ou seja, utilizando dinheiro de impostos, o governo
fez empréstimos subsidiados — e a condições artificialmente favoráveis — às
grandes empresas escolhidas por ele. O
critério de escolha das empresas era meramente político.
Essa política de privilégios a grandes empresas
ficou conhecida como a
política das "campeãs nacionais", e tinha como objetivo criar empresas
fortes e mundialmente competitivas em vários setores da economia:
de empreiteiras a telefônicas, passando por frigoríficos, empresa de alimentos,
de laticínios e de celulose.
Portanto, a política de "campeãs nacionais" nada
mais foi do que uma política industrial na qual o governo transferia renda da população
para determinados setores ou empresas favorecidas.
As consequências econômicas dessa política
industrial foram explicadas em detalhes neste artigo, de modo
que elas não serão o escopo do presente texto.
A abordagem aqui será outra.
Corrupção
Sempre que se cria um ambiente de relações estreitas
entre, de um lado, os membros do governo e, de outro, industriais política e
economicamente favorecidos pelo governo, ocorre um fenômeno inevitável: todo o
processo de fabricação, ajustamento, aplicação, revisão e correção das
políticas setoriais passa a ser pautado pelos pots de vin, isto é, pelo
famoso lema "quem quer rir tem de fazer rir".
Para que políticos favoreçam determinados empresários,
estes têm de apresentar agrados aos políticos.
Trata-se de uma lógica que faz com que os negócios envolvendo o governo estejam
em patamar de equivalência às práticas das tradicionais máfias.
Rigorosamente, os burocratas se valem deste privilégio
legal conferido aos industriais e institucionalizam — formalmente ou
informalmente — uma fatia da renda extraída da população para o benefício próprio. Dito de outra forma, os agentes do governo exigem
sua fatia do bolo: já que o governo está utilizando dinheiro de impostos para
beneficiar grandes empresários, então os burocratas que supervisionam esse
processo também querem se dar bem nesse arranjo.
Esta relação direta entre política industrial e corrupção
é objeto de amplos estudos acadêmicos.
Em National
Champions and Corruption (Campeãs
Nacionais e Corrupção), os autores Alberto Ades e Rafael Di Tella examinam
quando os possíveis e eventuais benefícios do "industrialismo" (política
industrial por meio do intervencionismo e do dirigismo econômico) podem sofrer
impactos negativos ligados à corrupção que frequentemente envolve as campanhas
industriais em busca de privilégios regulatórios junto às instâncias
governamentais.
Admitindo que a corrupção é reconhecidamente algo
que impacta negativamente os investimentos e o crescimento econômico, então,
mesmo os defensores de tal prática devem reconhecer que o efeito total da
política industrial seria, logo de partida, ambíguo — sobretudo do ponto de
vista dos níveis de investimentos em geral e em pesquisa e desenvolvimento.
Mesmo os apologistas da política industrial de
campeãs nacionais — que dizem que há um efeito positivo associado à extração de
recursos da população via impostos e subsequente transferência desses recursos
para grandes empresas — hão de reconhecer que, se houver um efeito negativo e
mais indireto associado ao impacto e crescimento da corrupção (além dos outros
efeitos indiretos e diretos) —, então tal política não pode ser nem sequer
considerada benéfica em termos gerais.
E é exatamente isso que Ades e DiTella fazem:
estudar os efeitos líquidos das políticas industriais.
Se os efeitos líquidos forem negativos, a política
industrial na verdade é um empecilho ao investimento, à pesquisa e ao
desenvolvimento econômico.
Dito de outra forma, quando se considera a inerente corrupção
envolvida no processo, raramente a política industrial consegue alcançar os
objetivos efetivamente almejados. Por isso,
a corrupção deve forçosamente ser levada em conta quando se avalia os custos e
benefícios da política industrial.
Resultados
empíricos
Os resultados de Ades e DiTella evidenciam o quanto se
deve ser cauteloso ao se defender uma política industrial ativa, sobretudo em
países cujos índices de corrupção estão entre os mais elevados.
Com efeito, a própria lógica industrialista é um
estímulo para a formação de cartéis políticos e econômicos envolvendo agentes
do governo e empresas nacionais.
As medidas mais populares em termos de política
industrial (tarifas protecionistas, facilidades fiscais, facilidades aos grupos
de campeões nacionais em processos licitatórios, e políticas de subsídios)
estão diretamente associadas e positivamente correlacionadas com maiores
índices de corrupção, que representam custos.

Na tabela acima, percebemos o conjunto de variáveis
dependentes do modelo. Elas correspondem
aos diferentes índices de corrupção conforme os controles aplicados aos mesmos.
Vemos que a variável PROCUR (concessão de
privilégios de todos os tipos aos grupos nacionais) está positivamente
associada a índices de corrupção: ou seja, quanto maiores forem os privilégios
normativos concedidos aos grupos nacionais, maiores os índices de corrupção.
A variável FISCAL (concessões de privilégios fiscais
aos grupos nacionais) está também positivamente associada à corrupção: maiores
os privilégios fiscais, maior a corrupção (11,96%).
Esses resultados são robustos e corroboram também
variáveis que dizem respeito aos mecanismos de subsídio (SUBSID89) e de ajuda
específica aos setores manufatureiros (SUPPM87), como podemos ver mais abaixo.

E, no entanto, todas essas políticas supracitadas
são exatamente as recomendações mais presentes nos discursos dos especialistas
do industrialismo brasileiro: aquela turma que geralmente entoa todos os já
conhecidos argumentos em favor de uma política industrial ativa, notadamente como
forma de estimular o crescimento econômico.
O crescimento passaria, segundo eles, pela retomada
dos investimentos industriais e pelas vantagens que uma política industrial
ativa geraria sobre toda a cadeia de setores ao incrementar os ganhos em
atividades ditas "mais complexas" (essa palavra é a nova moda em termos de
argumentos sem qualquer relevância).
Há certamente algo de perverso nessa lógica
industrialista, como comprova o caso brasileiro.
A Lava Jato e o industrialismo brasileiro
Os escândalos revelados pela Lava-Jato nada mais fazem do que explicitar
na prática o que esses importantes resultados da teoria e da literatura
econômica apresentaram de maneira tão clara.
A Lava-Jato nada mais é do que a investigação dessa
ligação e associação entre as grandes empreiteiras e grupos nacionais e
os parasitas que integram a esfera regulatória federal: o que envolve desde
burocratas de secretarias até membros do governo executivo, passando pelos
integrantes do parlamento, legisladores, integrantes da magistratura, partidos
políticos e órgãos de fiscalização e polícia.
A Lava-Jato consiste justamente na parte feia do
industrialismo que é colocado em prática.
Trata-se do jogo de bastidores, das propinas, dos desvios de verba, do
financiamento ilícito, da lavagem de dinheiro, da superfatura, das empresas
fantasmas, dos esquemas de favorecimento de políticos, da privatização dos
recursos públicos e dos favores, buscando, ao mesmo tempo, perpetuar grupos de
campeãs nacionais e pelegos políticos e funcionários públicos corruptos.
O industrialismo jamais poderia operar dentro de uma
lógica de racionalidade econômica (ver trabalhos de Ludwig Von Mises sobre a Burocracia e o Intervencionismo).
Suas diretivas de alocação de recursos,
suas decisões de ordem orçamentária, o conjunto de suas medidas políticas, sua
maneira de arbitrar entre os mais diversos e extensivos dispositivos econômicos
visando a estimular indústrias, ou mesmo a própria política de seleção dos
participantes se pautam em critérios de ordem puramente arbitrária, não
respondendo a qualquer lógica efetivamente econômica.
Tampouco o industrialismo obedece a uma ordem
comparável à vigente nos mercados concorrenciais.
A política industrial consiste exatamente nisso que
é quase sempre ignorado por seus proponentes, e que processos como a Lava-Jato
insistem em expor de forma crua à sociedade.
E dado que boa parte dos especialistas e
intelectuais incomodados com os efeitos nefastos da corrupção é composta pela
casta de economistas intervencionistas, socialistas engajados e políticos
populistas, a flagrante hipocrisia da situação não poderia ser maior.
Solução
e conclusão
Existem mecanismos e variáveis que, em qualquer
escala, se relacionam negativamente com a corrupção, os quais reduziriam sua
probabilidade ou que atenuariam seus efeitos: uma das mais importantes, nos
ensinaram os especialistas, é a concorrência.
Resultados de Ader e DiTella (1997) corroboram empiricamente
as teorias que associam menor
corrupção a maiores índices de concorrência:
é nos países onde as empresas conseguem rendas políticas mais elevadas que se
encontram os maiores índices de corrupção.
A corrupção está negativamente correlacionada com índices de competição.
Países que oferecem abrigos protecionistas
e que selecionam campeãs nacionais reduzem a concorrência e facilitam uma ordem
social pautada no industrialismo e na corrupção.
É fato que, atualmente, no Brasil, existe um clamor
popular para uma modificação do sistema estatista, o qual instaurou uma ordem
social pautada na corrupção. Uma defesa coerente dessa lógica passa pela privatização e pela desestatização,
seguida pela aceitação de que o governo se retire de todas as atividades que
não lhe dizem respeito. Passa também pelo
abandono do industrialismo, pela incorporação dos valores da propriedade
privada, da concorrência generalizada e da ordem social pautada na
responsabilidade individual.
Referências
Ades, A.; DiTella,
R. National
Champions and Corruption: Unpleasant Interventionist Arithmetic. The
Economic Journal, v. 107, p. 1023:1042, 1997.
Ades, A.; DiTella,
R. Rents,
Competition and Corruption. The American Economic Review, v.
89 (2), p. 982:993, 1999.
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