Por que
professores não ganham tanto quanto jogadores de futebol e apresentadores de televisão? Por que lixeiros não ganham tanto quanto professores
e artistas?
Exemplos como esse são sempre invocados para mostrar
como os mercados são injustos: qualquer sistema que pague a X mais do que paga
a Y — sendo que Y parece desempenhar um trabalho muito mais socialmente
importante — não pode ser um sistema moral, com boas prioridades.
Mas esta conclusão está errada. Há motivos lógicos que explicam por que
financistas, artistas e jogadores de futebol ganham muito mais que lixeiros e
professores.
1.
Não existe isso de "o real valor" de uma profissão
Há uma ideia intuitiva, mas totalmente errada, de
que bens e serviços possuem um valor inerente, um valor intrínseco, o qual pode
ser objetivamente determinado por nós.
Intuições como essa acompanham a humanidade há séculos,
sendo provavelmente mais bem representada pela teoria do valor-trabalho. Karl Marx (entre outros) acreditava que o
valor de um bem ou serviço poderia ser determinado pela quantidade de "trabalho
socialmente necessário" para se produzir esse bem ou serviço. Marx também acreditava que era possível determinar
objetivamente o "valor
de uso" de um produto ou serviço — qual o real valor que aquele bem ou serviço
possui em uso; a maneira concreta na qual um bem ou serviço atende às
necessidades humanas.
Determine esses valores (valor-trabalho e valor de
uso), e será possível descobrir quanto deveriam ganhar os lixeiros e
professores e quanto deveriam ganhar os banqueiros, artistas e jogadores de
futebol.
Mas a verdadeira ciência econômica nos ensina que
isso é impossível de ser
feito. Não há uma maneira objetiva de estipular quanto um bem ou serviço
deveria valer no mercado. O valor de um
bem ou serviço é determinado por um complexo arranjo de fatores (oferta,
demanda e a existência de substitutos de igual ou semelhante qualidade). Esses fatores fazem com que seja impossível determinar
objetivamente o valor objetivo de um bem ou serviço.
Para determinar quanto algo vale, você tem, antes de
tudo, descobrir quanto aquele algo vale
para alguém. O valor de um bem ou serviço
é amplamente determinado pelo seguinte valor subjetivo: quanto as pessoas estão
dispostas a pagar por ele.
Pode parecer lamentável que as pessoas estejam
dispostas a pagar mais por X do que por Y, sendo que, para você, Y parece muito
mais valioso do que X. Porém, dizer que
Y deveria ganhar mais do que X significa dizer a todas as pessoas que os
valores e prioridades delas estão errados, e que apenas os seus valores é que estão
certos.
2.
Pense em termos de substitutos
Se um lixeiro, um professor, um artista e um jogador
de futebol saíssem de seus respectivos empregos, qual setor teria mais
facilidade para contratar um substituto de qualidade semelhante se
o salário oferecido para todas as profissões fosse o mesmo?
Coletar lixo é, sem dúvida nenhuma, um trabalho
extremamente importante, mas as qualificações necessárias para se tornar um
lixeiro são geralmente mais baixas do que as necessárias para se tornar um
artista ou um jogador de futebol. Parcialmente
por causa disso, a oferta de candidatos para substituir o lixeiro será maior do
que para as outras profissões.
O mesmo raciocínio é válido para professores. A importância da profissão é indiscutível,
mas a oferta de mão-de-obra é igualmente grande (para escolas).
Por essa razão (dentre outras), a emissora de televisão
certamente terá de ofertar um salário maior do que a empresa de lixo e a escola
para atrair bons candidatos. O mesmo
vale para o time de futebol.
3.
Pense em termos de criação subjetiva de valor
Além da oferta, da demanda e da existência de
substitutos, há outro fator crucial: o valor gerado.
O que realmente determina a sua remuneração no
mercado não é a beleza da sua profissão, mas sim o valor que você consegue gerar tanto para
quem consome seu bem ou serviço quanto para quem paga seu salário.
Um bom professor pode realmente gerar valor para
seus alunos e para os pais de seus alunos, mas ele gera valor para uma
quantidade pequena de pessoas ao ano. Quantos alunos diferentes ele tem? Provavelmente, não mais do que 200 (um número bem exagerado). Portanto, ele cria valor para 200 pessoas por
ano. Pode-se dizer que é uma
produtividade extremamente baixa.
Já artistas e jogadores de futebol têm alcance
nacional (alguns, mundial). Milhões de
pessoas consomem voluntariamente seus serviços, e eles geram retornos — goste
você ou não deles — para seus empregadores e patrocinadores semanalmente, que
estão satisfeitos em lhes pagar salários milionários. Se não gerassem valor, seria simplesmente impossível
terem esses salários.
O professor, por melhor que seja a qualidade do seu serviço,
alcança um número limitado de pessoas. Já
os artistas e jogadores de futebol alcançam milhões de pessoas. Com um
público consumidor maior e com menos concorrência em sua área, é natural que
estes últimos ganhem mais que professores.
De novo: o que você pensa sobre essas profissões é
imaterial. O fato concreto é que tais
pessoas geram grandes retornos para seus empregadores. E geram grandes retornos porque há milhões de
pessoas voluntariamente dispostas a consumir seus bens ou serviços.
4.
Leve tudo em consideração
Salários, no mercado, não são e não podem ser
determinados exclusivamente em termos daquilo que você, que é um mero
observador externo, pensa a respeito de uma profissão, e de como você acredita
que ela deveria ser remunerada.
Empresas têm de levar em conta o valor que cada
empregado gera, a demanda por aquele serviço, a oferta de mão-de-obra de igual
qualidade e o custo de se obter e manter bons empregados. Tudo isso se transforma em diferenças salariais.
O salário de uma pessoa irá refletir não apenas o valor que ela gera para seu empregador como também o tanto que suas
habilidades particulares e sua experiência podem ser facilmente substituídas pelas
de outro candidato àquela vaga de emprego. Ao passo coletar lixo é uma atividade de alto valor social, poucas
pessoas irão perceber se um lixeiro for trocado por outro. O mesmo não se aplica para artistas e jogadores
de futebol.
Se o sistema de coleta de lixo repentinamente
desaparecesse, todos nós estaríamos dispostos a pagar mais para que alguém se
livrasse do lixo para nós. Porém, há muitas
pessoas e muitas empresas capacitadas e dispostas a fazer isso. A concorrência entre elas levaria a uma redução
dos preços.
Já a concorrência para substituir, com a mesma qualidade, artistas e
jogadores de futebol não é muito abundante.
Conclusão
O mercado é simplesmente uma arena na qual
compradores e vendedores de bens e serviços compram e vendem bens e serviços.
Preços são simplesmente o resultado dessa interação,
na qual as pessoas tomam decisões sobre o que estão dispostas vender ou
comprar, e por quanto.
Todos nós temos sentimentos e boas intenções sobre o
real valor social de determinados empregos. Mas, no mundo real, é impossível querer que lixeiros e professores
ganhem mais que artistas e jogadores de futebol. A explicação é puramente econômica.
O que você pensa a respeito de determinadas profissões
é totalmente irrelevante perante o que o resto do mundo (mais de 7 bilhões de
pessoas), que voluntariamente consome os bens e serviços destas profissões, também
pensa sobre ela.