Eis algo que ainda não foi devidamente compreendido:
quando os gastos do governo aumentam, os maiores beneficiados são alguns empresários
privilegiados (ou ineficientes). E os
maiores prejudicados são os pagadores de impostos, da classe média ao pobre.
Defender aumento dos gastos do governo — ou ser
contra sua redução ou mesmo contra sua contenção — é o equivalente a defender
privilégios aos empresários favoritos do governo.
Isso vale para todo e qualquer tipo de aumento de
gastos.
Se o governo disser que irá gastar mais com
assistencialismo, os bancos irão financiar o déficit orçamentário do governo e
os pagadores de impostos ficarão com os juros.
Se o governo disser que irá gastar mais com saúde,
além dos bancos, as empresas do ramo médico — desde as grandes fornecedoras de
equipamentos caros aos mais simples vendedores de luvas de borracha — também
irão lucrar mais.
Se o governo disser que irá gastar mais com obras e
investimentos públicos, além dos bancos, todas as empreiteiras selecionadas serão
beneficiadas.
Se o governo disser que irá gastar mais com subsídios,
além dos bancos, empresários e pecuaristas serão os privilegiados.
Se o governo disser que irá gastar mais com cultura,
os grandes artistas e produtores serão os grandes ganhadores.
Para ser justo, tal constatação é tão óbvia, que até
mesmo keynesianos defensores dos gastos do governo a reconhecem. Um dos mais brilhantes representantes do
keynesianismo, Hyman Minsky, deixou bem claro em que consistia todo o teatro
keynesiano: endividar o contribuinte para engordar o capitalista. Veja o
que ele disse em um de seus livros mais importantes, Estabilizando
uma Economia Instável:
Se o déficit público aumentar quando os
investimentos privados e os lucros estiverem diminuindo, os lucros empresariais
não irão diminuir tanto quanto diminuiriam na ausência deste déficit. Com
efeito, um Governo Grande serve para consolidar os lucros das empresas.
Direto ao ponto. Sem embustes nem rodeios. Tais palavras poderiam perfeitamente ser
utilizadas no atual debate sobre a necessidade de conter os gastos do governo, a
famosa "PEC
do teto".
As
três nefastas consequências dos gastos
A verdade é que não há nenhum mistério nisso.
E é estranho que poucos abordem as coisas desta maneira.
Mas há muito mais.
Além da criação dos privilégios supracitados, a consequência
mais explícita do aumento dos gastos do governo é o inchaço da máquina estatal
e da burocracia. Quanto mais o governo
gasta, mais funcionários públicos ele contrata e, consequentemente, mais regulamentações
e burocracias são criadas. Logo, o
peso da burocracia estatal cresce
de acordo com os gastos.
Mais burocracia e mais regulamentações onerosas afetam
diretamente a participação dos micro e pequenos empreendedores na economia, que
não usufruem os mesmos privilégios dos grandes.
E as micro e pequenas empresas são responsáveis por gerar mais
de 70% dos empregos na economia brasileira.
Com as micro e pequenas empresas prejudicadas, a geração de riqueza fica
seriamente afetada.
Mas tudo piora.
Quando o governo gasta muito e gasta mais do que
arrecada — como continuamente
faz o governo brasileiro —, ele normalmente recorre a duas medidas para se
manter solvente: ou ele aumenta os impostos ou ele se endivida ainda mais. Como aumentar impostos é impopular — e, em
vários casos, depende de aprovação do Congresso —, ele sempre recorre ao endividamento.
E quando o governo se endivida, isso significa que
ele está tomando mais crédito junto ao setor privado. E dado que o governo está tomando mais
crédito, sobrará menos crédito disponível para financiar empreendimentos
produtivos.
E isso é fatal para as micro, pequenas e médias
empresas.
Imagine que você seja uma empresa à procura de
crédito. Você consegue pagar juros de até,
digamos, 12% ao ano. Mas aí vem o
governo federal, com déficits enormes, e oferta uma enxurrada de títulos
pagando 14,25% ao ano.
Como você vai concorrer com ele? Se o banco pode emprestar a 14,25% para o
governo, sem risco nenhum, por que ele emprestaria a 12% para você, e ainda
correndo muito risco de calote?
Com o governo em cena competindo pelo crédito e se
oferecendo para pagar 14,25% ao ano, a única forma de você conseguir algum
crédito é se dispondo a pagar juros de, suponhamos, 20% ao ano. Por menos que isso o banco não vai lhe
emprestar. É muito arriscado. Ainda mais em uma economia já recessiva.
E 20% ao ano, em uma economia recessiva, você dificilmente
terá condições de pagar. Logo, ficará
sem nada. Você não conseguirá
financiamento, não empreenderá e, consequentemente, não criará riqueza.
E o efeito ocorre em cascata. Se as pessoas físicas podem emprestar para o
governo — via Tesouro Direto — por 14,25% ao ano, então os bancos
pequenos e as financeiras
terão de ofertar CDBs, LCs, LCIs e LCAs a taxas muito mais altas para conseguir concorrer
com o governo por essa captação.
Tendo de pagar mais pela captação, os bancos
pequenos e as financeiras terão de cobrar juros mais altos de pequenos
empreendedores como você, que recorrem a eles.
No final, o crédito para investimentos produtivos se
torna proibitivamente caro — por causa dos déficits do governo, gerados por
seus altos gastos.
Se não fosse o governo, os bancos e as financeiras provavelmente
teriam emprestado para você. Mas com o
governo em cena, suas chances se tornam praticamente nulas.
Apenas em 2015, o
déficit orçamentário nominal do governo chegou
a R$ 613 bilhões. Ou
seja, foram R$ 613 bilhões que poderiam ter ido para investimentos produtivos e
criado riqueza, mas que foram sugados pela burocracia estatal.
Portanto, dinheiro que poderia estar sendo
emprestado para empresas investirem será direcionado para financiar os déficits
do governo, fazendo com que vários investimentos ou não se concretizem ou se
tornem financeiramente inviáveis por causa dos juros maiores causados pelo
déficit do governo. Neste segundo caso,
o BNDES entra em cena com juros subsidiados por nossos impostos para socorrer
os grandes, agravando ainda mais o problema dos pequenos (veja a explicação aqui).
Por último, e não menos importante, há o efeito
inerentemente inflacionário dos déficits.
Os déficits orçamentários do governo são financiados pela emissão de
títulos do Tesouro, os quais são majoritariamente comprados por uma lista
exclusiva de bancos privilegiados, os chamados dealers primários. E estes bancos privilegiados compram títulos do
Tesouro por meio da
pura e simples criação de dinheiro.
Déficits são, portanto, uma medida inerentemente
inflacionária, a qual gera uma pressão direta sobre os preços. E inflação
de preços, como já
comprovado, desorganiza toda a economia e ainda prejudica o poder de compra
dos pequenos.
Conclusão
Não há escapatória: quando o estado gasta muito e se
endivida, de um lado ele está garantindo os lucros de seus empresários favoritos
e dos grupos organizados que ele adula; de outro, ele está encarecendo os
investimentos produtivos e prejudicando os micro, pequenos e médio empresários.
E afetando o poder de compra de toda a população.
Vale ressaltar que tentar combater os déficits orçamentários
por meio do aumento de impostos apenas agrava tudo o que foi dito: os
privilegiados seguem impávidos, a burocracia e as regulamentações mantidas
pelos gastos do governo seguem intocadas e sufocando os pequenos, e estes agora
têm de bancar tudo com mais impostos.
Por tudo isso, a ideia de limitar o
crescimento anual das despesas do governo à inflação de preços (IPCA) do ano
anterior, embora longe do ideal, já representaria um grande avanço em
relação à verdadeira esbórnia que impera hoje, em que os gastos do governo
aumentam sem qualquer critério.
De 2006 a 2015, o gasto não-financeiro do governo
(com pessoal, custeio, programas sociais e investimentos) cresceu 93% acima da
inflação e chegou a R$ 1,16 trilhão — com a regra defendida pela atual equipe
econômica, o
atual volume dos gastos do governo estaria em "apenas" R$ 600 bilhões.
Mais ainda: em 15 anos, os gastos do governo só não
cresceram acima da inflação uma
única vez.
A atual medida é boa, porém, ainda é
insuficiente. Pode-se fazer muito mais. Em vez de apenas limitar o
crescimento dos gastos, por que não cortar diretamente os gastos?
Isso sim faria uma verdadeira redistribuição de
renda. E da maneira certa.
Por fim, vale ressaltar a ironia: os maldosos libertários
defensores da contenção dos gastos e do déficit zero são aqueles que, no final,
se recusam a enriquecer vários torpes capitalistas e privilegiados por meio da
espoliação dos pagadores de impostos; já os intervencionistas "defensores
do povo" são os principais aliados dos grandes empresários e privilegiados
que obtêm grandes lucros simplesmente porque se beneficiam das consequências do
aumento dos gastos do governo e do déficit público.
Gastos públicos são lucros privados. É uma
lástima que algumas pessoas ainda não tenham entendido de que lado realmente
estão e quais interesses privados estão defendendo.
__________________________________________________
Juan
Ramón Rallo é diretor do Instituto
Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na
Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja
Economía.
Leandro
Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises
Brasil.