quinta-feira, 13 out 2016
Nota do editor
A democracia é aquele arranjo político no qual os
aspirantes ao controle do aparato estatal tentam persuadir uma fatia do eleitorado
de que é correto e possível viver à custa do confisco da renda da outra fatia
do eleitorado. Trata-se de um arranjo político
que vê o confisco da propriedade alheia como um "direito
adquirido".
Sob um arranjo democrático, a entrada no aparato
estatal é aberta a todos. Isso faz com
que todas as restrições e inibições morais contra
a espoliação da propriedade alheia sejam removidas. Sob a democracia, algumas poucas pessoas
adquirem o privilégio de confiscar legalmente a propriedade alheia durante um
determinado período de tempo, utilizando a legislação e a tributação como um
meio de satisfazer essa cobiça.
Como bem explicou o filósofo
Hans-Hermann Hope:
Quando
a entrada no aparato governamental é livre, qualquer um pode expressar
abertamente seu desejo pela propriedade alheia. O que antes era
considerado imoral, agora passa a ser considerado um sentimento legítimo.
Sob a democracia, todos são livres para entregar-se a tais tentações e, com
isso, propor toda e qualquer medida de legislação e tributação que lhes
permitam levar vantagem à custa das outras pessoas.
Todos
agora podem cobiçar abertamente a propriedade de outros em nome da democracia;
e todos podem agir de acordo com esse desejo pela propriedade alheia, desde que
ele já tenha conseguido entrar no governo. Assim, em uma democracia,
qualquer um pode legalmente se tornar uma ameaça.
Em consequência disso, há vários libertários que não
apenas defendem que não se vote em ninguém, como ainda afirmam que o próprio ato
de votar seria, em si, algo totalmente imoral.
Ainda em 1972, Murray Rothbard foi perguntado se ele
concordava com este raciocínio. Eis a
sua resposta.
___________________________________
Este é um assunto que me interessa bastante. Trata-se da posição anarquista clássica, sem
dúvida.
O anarquismo clássico — ou mesmo o
anarco-capitalismo — defende que ninguém deveria votar, pois, se o fizer, você
estará participando do jogo criado pelo aparato estatal; você estará dado seu
consentimento ao estado e às suas regras.
Sendo assim, ou você se abstém de votar ou você escreve
seu próprio nome na cédula [quando isso
ainda era possível]. Particularmente,
não vejo nada de errado com essa tática.
Se houvesse um movimento nacional — se, por exemplo, vários milhões de
pessoas prometessem não votar —, isso até poderia ser útil.
Por outro lado, não creio que o ato de votar seja o
grande problema. Contrariamente às
pessoas que pregam o boicote ao voto, não creio que seja imoral votar.
O filósofo Lysander Spooner, o santo padroeiro do
anarquismo individualista, apresentou
um ataque bastante eficaz a essa ideia.
Disse ele:
Com
efeito, para o indivíduo, seu voto não pode ser considerado como uma prova de
seu consentimento ao estado.
Ao
contrário, o fato que deve ser considerado é que, sem que seu consentimento
tenha sido pedido, um indivíduo se encontra cercado por um governo ao qual ele não
tem como oferecer resistência; um governo que o obriga a lhe dar dinheiro, a
obedecer suas ordens e a abrir mão de vários de seus direitos naturais, sob a ameaça
de pesadas punições caso desobedeça.
Esse
mesmo indivíduo também vê que outros indivíduos ao seu redor querem impor essa
tirania sobre ele por meio da urna eleitoral.
Mais ainda: esse indivíduo percebe que, se ele também utilizar a urna,
ele ao menos tem alguma chance de tentar aliviar essa tirania sobre ele,
virando o jogo e submetendo estes outros indivíduos à sua tirania.
Em
suma, este indivíduo, sem que tenha dado seu consentimento a este arranjo, se
descobre em uma situação tal que, se ele utilizar a urna, também poderá se
tornar um senhor em vez de um escravo. Por
outro lado, se ele não utilizá-la, ele inevitavelmente irá se tornar um
escravo. E não há alternativas a estas
duas opções. Logo,
em legítima defesa, ele recorre à primeira opção.
A
situação deste indivíduo é análoga à de um homem que foi forçado a uma batalha,
na qual ele ou mata ou morre. O fato de
que, para salvar sua própria vida na batalha, este homem tem de matar seus
oponentes não nos permite concluir que ele entrou naquela batalha por livre e espontânea
vontade. Igualmente, em disputas
eleitorais — nas quais a urna é um mero substituto da munição —, o homem que,
em legítima defesa, utiliza a urna como sua única chance de auto-preservação não
pode ser visto como estando em uma disputa na qual ele entrou voluntariamente.
Ao
contrário, ele foi forçado a esta batalha por terceiros, e sem ter nenhum outro
meio de legítima defesa senão a urna. Consequentemente,
por pura necessidade, ele só pode utilizar este único meio que lhe deixaram.
Portanto, se você realmente acredita que, ao votar, você
está sancionando a existência do estado, então você está, sem perceber, fazendo
o jogo do defensor da democracia, o qual diz que o estado é um arranjo
voluntário e que você tem a opção de não participar.
Tal raciocínio, obviamente, não procede, pois, como
bem explicou Spooner, o indivíduo está sendo jogado em uma posição coercitiva. Ele está cercado por um sistema
coercivo. Ele está cercado pelo
estado. No entanto, o estado ainda
permite uma escolha limitada. Sim,
bastante limitada, mas ela ao menos existe.
Logo, dado que você está nessa situação coerciva, mas ao menos ainda tem
uma chance, não há motivos para você não tentar fazer uso da única arma que
ainda lhe resta — caso você acredite que isso fará uma diferença para a sua
liberdade e propriedade.
Portanto, não se pode dizer que aquele indivíduo que,
sob essas condições, optou por votar está incorrendo em um ato imoral. Igualmente, não se pode dizer que sua escolha
foi plenamente voluntária. Ele não está
em uma situação voluntária. Ele está em
uma situação na qual ele se vê cercado por todo um aparato estatal, o qual ele não
pode abolir por meio do voto. Mas ao
menos ele pode escolher quem ele quer que comande esse aparato.
Por exemplo, infelizmente não podemos abolir a
presidência pelo voto — seria ótimo se pudéssemos, mas não é possível. Sendo assim, por que não podemos fazer uso do
voto se houver pelo menos alguma diferença entre os candidatos? E é praticamente inevitável que haja ao menos
alguma diferença entre eles. A própria praxeologia
nos ensina que, entre duas ou mais pessoas, sempre haverá alguma diferença entre
elas, por mais mínima que seja. Logo,
por que não fazer uso da urna?
Desde que você entenda o que está fazendo e saiba
bem quem está escolhendo, não vejo nada de imoral em participar do processo
eleitoral.
Por fim, gostaria de enfatizar que não acredito que
o real problema seja votar ou não votar.
Realmente não me importo se as pessoas irão votar ou não. Para mim, o que realmente importa é: quem você
apóia? Quem você gostaria que vencesse a eleição?
Você pode ser um fervoroso adepto do não-voto, não ir
votar e dizer em alto e bom som que "Eu não sanciono o estado". No entanto, no dia da eleição, quem você gostaria
que o resto dos eleitores — o idiotas que estão lá votando — elegesse? Esse é o ponto importante, pois creio que há uma
diferença.
Por exemplo, a presidência, infelizmente, é um cargo
de extrema importância. Seu ocupante irá,
por meio de seus decretos, regulamentações e políticas, exercer uma grande influência
sobre nossas liberdades sociais e econômicas pelo próximos quatro anos. Logo, não vejo por que não deveríamos apoiar
ou atacar um candidato mais do que o outro.
Neste sentido, eu realmente não concordo com a posição
dos contrários ao voto, pois eles não apenas estão dizendo que não deveríamos votar,
como também estão dizendo que não deveríamos endossar ou preferir ninguém. Será que tais pessoas, no âmago de sua alma,
realmente não têm preferência nenhuma por algum resultado eleitoral? Será que elas reagirão absolutamente da mesma
maneira, qualquer que seja o resultado?
Não vejo como alguém pode não ter alguma preferência,
por mais mínima que seja. Trata-se de
algo que irá afetar a todos nós.
_____________________________________
Leia também:
Para desmantelar o estado, temos de ser "oportunistas" e não "gradualistas"