quinta-feira, 17 nov 2016
É fácil definir ou entender as políticas estatizantes.
Aumento de impostos é quando políticos pegam uma
maior fatia do seu dinheiro — afetando suas decisões de poupança, investimento
e consumo — e o direcionam ou para o inchaço da máquina pública ou para bancar
seus grupos de interesse favoritos. (Grandes empresários, funcionários públicos
e pessoas no assistencialismo).
Protecionismo é quando políticos
utilizam tarifas de importação e outras barreiras não-tributárias para restringir
sua liberdade de comprar bens e serviços produzidos em outras nações.
Lei do salário mínimo é quando políticos
criminalizam contratos de emprego voluntariamente acordados entre adultos,
proibindo que pessoas de baixa qualificação consigam um trabalho que lhes pague
de acordo com sua produtividade, condenando-as ao desemprego.
Pacotes de estímulo são quando políticos tomam
dinheiro de uma parte da economia e gastam em outra parte da economia e, com
isso, fingem todos estão mais ricos. Equivale a tirar água da parte funda da
piscina, jogá-la na parte rasa e, com isso, acreditar que o nível geral de água
na piscina aumentar.
A lista é potencialmente infinita. Mas há um tipo
específico — e extremamente abrangente — de política estatista que não possui
uma definição simples. Na literatura econômica anglo-saxã, tal política é
conhecida como "crony capitalism" ou simplesmente "cronyism". No Brasil, ela
passou a ser traduzida como "capitalismo de estado", "capitalismo de compadrio"
ou mesmo "capitalismo de quadrilhas".
A palavra "crony" vem do grego "khronios" e significa
"de longa duração". Nos países
anglo-saxões, ela se tornou uma gíria para designar amigos, afilhados,
capangas, comparsas, apaniguados, membros de uma quadrilha ou irmãos no crime.
Quando o termo "crony" é acompanhado do termo "capitalism",
tem-se então a referência ao "capitalismo crony" ou "capitalismo de compadrio",
"capitalismo de estado", "capitalismo corporativista" ou mesmo "capitalismo de
quadrilhas", uma alusão a um arranjo econômico dominado pelo favoritismo, pela
arbitrariedade e pela corrupção.
Neste arranjo, há apenas uma aparência de mercado;
na prática, todas as transações são conduzidas pelo estado. Tem-se um capitalismo
dirigido e deturpado por políticos em prol de seus empresários favoritos.
Subsídios representam um capitalismo de estado? Sim.
Pacotes de socorro a empresas? Sim.
Protecionismo? Sim.
Mas há muito mais do que isso.
Generalizando, pode-se dizer que o capitalismo de
estado (ou de quadrilhas) ocorre quando políticos criam privilégios que os
governos então concedem a empresários e empresas específicas.
O
capitalismo deturpado e manchado
Uma das características mais deletérias do cronismo
é o fato de ele dar ao capitalismo uma má reputação. Por causa do cronismo,
várias pessoas leigas não mais conseguem fazer uma distinção entre "mercado", "negócios"
e "negociatas". Assim, quando grandes empresários
recebem privilégios e favores especiais do governo, as pessoas acabam
concluindo que o capitalismo é um sistema manipulado. Eles associam o termo
'capitalismo' a monopólios, a privilégios, e a ricaços poderosos manipulando a
economia para proveito próprio.
Mas nada poderia ser mais falso. Comecemos do básico.
Foi Marx quem deu nome ao
modelo de organização econômica capitalista. O capitalismo, entretanto,
não foi criado por algum cérebro brilhante, nem gerado em saraus de
intelectuais que queriam mudar o mundo ou a natureza humana. Ao
contrário, surgiu como
resultado natural dos processos sociais de divisão do trabalho e
trocas voluntárias, realizados num ambiente de liberdade até então poucas
vezes visto ao longo da história.
Os economistas clássicos
chamavam-no de laissez-faire. O governo era um mero
coadjuvante, cujo papel limitava-se a fazer cumprir os contratos,
proteger a vida e a propriedade dos cidadãos.
As maiores virtudes desse
modelo, na visão de Adam Smith, eram a liberdade de empreendimento e o governo
limitado — este último um antídoto contra as arbitrariedades, os desmandos e
as falcatruas inerentes ao poder político.
Em resumo, o sistema pouco
dependia das virtudes dos bons governantes, enquanto os danos causados pelos
maus eram mínimos.
Por conta de um desses
grandes paradoxos da vida, no entanto, o livre mercado, embora tivesse trazido
volumes de riqueza inéditos aos países que o abraçaram, foi sendo
paulatinamente substituído, principalmente no decorrer do século XX, por um
novo arranjo institucional: sim, o capitalismo de estado.
O processo de substituição
foi bastante facilitado pelo fato de que muito poucos estavam dispostos a
defender, politicamente, o capitalismo liberal. Não é de se admirar. O
liberalismo, afinal, é
muito arriscado, pouco previsível e totalmente incontrolável,
seja por empresários, políticos ou acadêmicos. Tal modelo, embora
possibilite uma acumulação coletiva extraordinária de riqueza, está longe de
ser um caminho seguro para o sucesso individual.
No capitalismo de estado,
por outro lado, o governo é capturado por grupos de interesse, que o
utilizam para promover a transferência de riqueza e status. Por meio
de um processo lento, mas ininterrupto, castas influentes e bem
articuladas obtêm privilégios especiais, contratos, empregos, reservas de
mercado, créditos baratos e proteções diversas, sempre à custa do dinheiro
alheio.
Há o capitalismo de estado legal e há o ilegal
- e ambos são imorais
No capitalismo de estado,
o mercado é artificialmente moldado por uma relação de conluio entre o governo,
as grandes empresas e os grandes sindicatos. Políticos concedem a seus
empresários favoritos uma ampla variedade de privilégios que seriam
simplesmente inalcançáveis em um genuíno livre mercado.
Por meio do capitalismo de
estado, o governo acintosamente cria e protege monopólios, oligopólios, cartéis
e reservas de mercado por meio de regulamentações que impõem barreiras à
entrada da concorrência no mercado (via agências reguladoras), por
meio de subsídios a
empresas favoritas, por meio do protecionismo via obstrução de importações,
por meio de altos tributos que impedem que novas empresas surjam e
cresçam.
O governo, em prol das
grandes empresas já estabelecidas e contra os interesses dos consumidores,
utiliza seus poderes para cartelizar os setores bancário, aéreo, telefônico, internet, elétrico, postos de gasolina etc.,
restringindo a concorrência por meio de agências reguladoras para proteger as
empresas já estabelecidas e prejudicar a liberdade de escolha dos consumidores.
Esses são os privilégios
legais, os quais também incluem até mesmo coisas mais paroquiais, como a
obrigatoriedade do uso de extintores e do kit de primeiros socorros nos
automóveis (o que traz altos lucros para as empresas que os fabricam e fornecem)
e a obrigatoriedade do uso de canudinhos plastificados (devidamente fornecidos
pela empresa lobbista) em bares e restaurantes.
Mas há também os
privilégios ilegais. E estes vão desde fraudes em licitações e superfaturamento
em prol de empreiteiras (cujas obras são pagas com dinheiro público) a coisas
mais simples como
a concessão de bandeiras de postos de combustíveis para empresários
que pagam propina a determinados políticos (bandeiras essas negadas para
empresários honestos e menos poderosos).
Em troca, os empresários
beneficiados lotam os cofres de políticos e reguladores com amplas doações de
campanha e propinas.
A criação destes privilégios pode ocorrer ou abertamente,
por meio de lobbies e da atuação de grupos de interesse, ou na surdina, por
meio do suborno direto.
Tanto nos exemplos legais
quanto nos ilegais, empresários poderosos e grupos de interesse conseguem obter
privilégios, extraídos de toda a população, mediante o uso do aparato
estatal.
E isso só é possível
porque há um estado grande que a tudo controla e tudo regula.
Um estado grande sempre
acaba convertendo-se em um instrumento de redistribuição de riqueza: a riqueza
é confiscada dos grupos sociais desorganizados (os pagadores de impostos) e
direcionada para os grupos sociais organizados (lobbies, grupos de interesse e
grandes empresários com conexões políticas).
A crescente concentração
de poder nas mãos do estado faz com que este se converta em um instrumento
muito apetitoso para todos aqueles que saibam como manuseá-lo para seu
benefício privado.
Conclusão
Quanto maior e mais
poderoso um governo, quanto mais leis e regulamentações ele cria, mais os empresários
poderosos e com boas conexões políticas irão se aglomerar em torno dele para
obter privilégios; e mais brechas ele abrirá para que empresários poderosos se
beneficiem à custa dos concorrentes e da população como um todo.
O cronismo — ou o "capitalismo
de estado" ou, melhor ainda, o "capitalismo de quadrilhas — é um câncer que
compromete e definha o genuíno capitalismo, o qual nada tem a ver com
privilégios, proteções e reservas de mercado, mas sim com competição, abertura
e liberdade de empreendimento.
O cronismo nada mais é do
que uma variação do mercantilismo. Trata-se de um capitalismo regulado em prol
dos regulados e dos reguladores, e contra os interesses do povo.
Eis o caminho para lutar contra os grupos de
interesse, contra os lobbies empresariais e contra toda a corrupção que eles
geram: reduzir ao máximo o tamanho do estado para que se reduza ao máximo as
chances de privilégios. Não há outro jeito. Com estado grande, intervencionista
e ultra-regulador, lobbies, grupos de interesse e subornos empresariais sempre
serão a regra.
Como bem frisou Jonah
Goldberg, no excelente "Fascismo
de esquerda", muitos esquerdistas estão corretos quando lamentam a
cumplicidade entre governos e grandes corporações. O que eles não compreendem é
que tal sistema convém justamente aos governos intervencionistas da nova
esquerda, dita democrática. Uma esquerda que não pretende expropriar os
empreendimentos privados, mas, ao contrário, usá-los para implantar sua
agenda política — exatamente como testemunhamos no Brasil.
Essa é a grande diferença
entre os verdadeiros liberais/libertários e os esquerdistas/desenvolvimentistas
e até mesmo alguns conservadores que defendem estado e suas políticas "desenvolvimentistas":
Nós somos pró-mercado. Eles
são pró-negócios.
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Leia também:
Política industrial, campeãs nacionais e a Lava-Jato: não há política de favorecimento sem corrupção
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João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ,
profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para
vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta
do Povo.
Daniel
Mitchell é
membro-sênior do Cato Institutee
especialista em política fiscal e o fardo representado pelos gastos do governo.
É também membro do quadro editorial do Cayman Financial Review.
Leandro
Roque é o editor e
tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.