Este Instituto é pródigo em artigos detalhados sobre
a Grande Depressão (confira a lista completa ao final deste artigo). Temos
inclusive um livro
extremamente detalhado a respeito.
No entanto, vários leitores sempre nos pediram para
apresentarmos um artigo sucinto que condensasse os principais aspectos do crash
de 1929 e a subsequente Grande Depressão que teria sido supostamente gerada por
esse crash.
Aqui vai, portanto, um artigo bastante sucinto,
porém completo, sobre o tema.
A depressão já esquecida
No ano de 1921, houve uma profunda depressão na
economia americana. O desemprego saltou de 5 para quase 12%. A economia se
contraiu em incríveis 17% e os preços desabaram mais de 10%.
O que fez o governo americano à época, liderado pelo
presidente Warren G. Harding?
De um lado, ele permitiu que os salários caíssem
livremente, de modo a acompanharem os preços em queda. Isso fez com que os
custos de produção das empresas rapidamente se estabilizassem. Harding, ao
contrário dos presidentes de hoje, em momento algum disse que a queda dos
salários seria ruim para a economia.
De outro, ele cortou profundamente os
gastos do governo (em incríveis 50%), diminuiu o imposto de renda para todas as
classes sociais e, de quebra, ainda reduziu a dívida do governo americano em
33%.
Por sua vez, o Federal Reserve — o Banco Central
americano — nenhuma
iniciativa tomou para contrabalançar a crise. Quando ele reduziu os juros de 6% para
5%, a depressão já havia acabado.
A liberdade de ajuste de preços e salários, em
conjunto com a redução do fardo do estado sobre a economia privada, fez com que
aquela profunda depressão de 1921 estivesse já totalmente superada em 1923.
Hoje, são raros os livros de história que sequer a
mencionam. É como se ela não houvesse existido. O fato de o governo americano
nada ter feito para contrabalançá-la — e por isso mesmo ela ter sido
rapidamente solucionada pelo livre mercado — certamente é algo que abala a
crença dos intervencionistas. Por isso mesmo sua diligência em escondê-la.
Pode-se dizer que a depressão de 1921 foi a última na qual um governo não se
intrometeu. Por isso mesmo, foi também a mais rápida.
Para quebrar esse silêncio, o economista James
Grant, um dos mais respeitados economistas dos EUA e do mundo, escreveu
um livro inteiro dedicado a esse assunto.
A robusta recuperação da economia americana em 1923 deu início aquele período
de prosperidade que se tornou conhecido como "os loucos anos 20".
Mas aí a história foi diferente.
Os "loucos anos 20"
Durante o resto da década 1920, o Banco Central
americano reverteu sua postura até então conservadora e adotou uma política
monetária muito mais expansionista: em 1920, os juros estavam em 6% ao ano. Ao
final de 1927, eles já haviam caído para 3,5%. Uma redução de
42%.
Essa política monetária expansionista foi a
principal responsável por sustentar a febre especulativa dos "loucos anos 20".
A contínua criação de dinheiro pelo Federal Reserve permitia que os bancos
concedessem, de forma contínua e aparentemente sem limites, empréstimos fartos
e baratos para especuladores, os quais utilizavam esse dinheiro barato para
comprar ações e, em seguida, revendê-las a preços muito maiores. A expansão
monetária feita pelo Fed garantia que os preços das ações subissem
continuamente. (Tudo isso está documentado em detalhes neste livro).
Vale ressaltar que é impossível preços de ativos
subirem continuamente sem que esteja havendo uma grande expansão monetária, que
dê sustentação a esse processo de alta nos preços. Sem expansão monetária é
impossível preços subirem eternamente. E quem controla o processo de expansão
monetária de um país é o seu Banco Central.
E assim foram os loucos anos 1920.
Até que, em fevereiro de 1928, o Fed, assustado com
toda aquela febre especulativa, reverteu sua postura e, contrariamente às
expectativas, começou a subir os juros. E o fez por três vezes seguidas. Em um
período de 5 meses, ele elevou os juros de 3,50% para 5%. Pode parecer pouco,
mas esse aumento de 43% em 5 meses bastou para interromper toda a farra
especulativa.
Com o crédito mais caro, os especuladores começaram
a ter dificuldades em auferir lucros em suas ações. Pegar dinheiro emprestado
para comprar ações (um processo conhecido como "alavancagem") tornou-se 43%
mais caro em 5 meses. Com menos empréstimos sendo tomados, a quantidade de
dinheiro na economia parou de aumentar. (De novo, todas essas estatísticas
estão documentadas neste
livro). Com essa interrupção no crescimento da quantidade de dinheiro na
economia, a própria atividade especulativa perdeu a potência. Os preços das
ações pararam de subir.
Uma correção na bolsa de valores era inevitável.
O
empurrão
E essa correção veio, mas de uma maneira inusitada.
No dia 29 de outubro de 1929, já com praticamente
toda a atividade especulativa paralisada, a bolsa de valores americana desabou
12% em um único dia. Esse fenômeno, que ficou conhecido como a "terça-feira
negra", é do conhecimento de todos. Mas o que não é muito bem conhecido é o que
realmente precipitou essa correção tão súbita e tão substantiva.
Sim, a política monetária do Fed — que subitamente
reverteu quase uma década de expansão monetária e dinheiro barato — criou as
bases para que essa correção ocorresse, mas houve um outro detalhe: a história
já revelou que, naquele dia 29 de outubro, correu a notícia de que o então
presidente Herbert Hoover iria implantar a Tarifa
Smoot-Hawley, que elevaria as tarifas de importação de mais de 20 mil
produtos a níveis jamais vistos na história. Alem de encarecer substantivamente
as importações, isso geraria uma guerra comercial e representaria um golpe
fatal ao livre comércio.
Imediatamente os preços das ações das empresas
desabaram.
Sobre essa tarifa, Thomas Lamont, alto executivo do
J.P. Morgan, disse que "Eu quase me
prostrei de joelhos perante Hoover para implorar que ele vetasse a asinina
tarifa Smoot-Hawley". Já o presidente da GM européia, Graeme
K. Howard, enviou um telegrama a Washington alertando que a aprovação da
Smoot-Hawley levaria "à mais severa depressão jamais vivenciada pelo mundo".
Os mercados nunca precificam o presente; eles sempre
miram o futuro. Os preços presentes são apenas os preços futuros descontados.
Uma legislação criada para reduzir o comércio global inevitavelmente afetaria
os mercados e os preços das ações das empresas. Com um comércio global muito
mais restringido, os lucros das empresas exportadoras e importadoras seriam
severamente afetados. A Bolsa de Valores apenas antecipou essa queda.
Uma
queda na Bolsa gera uma depressão de 15 anos?
Até aqui a narrativa é bastante convencional. Quedas
abruptas e inesperadas na Bolsa de Valores estão longe de ser um fato atípico.
Isso já havia acontecido em 1920. E voltaria a acontecer novamente em 1987 — uma queda, aliás,
muito maior, de 22%.
Por que nenhuma dessas duas quedas gerou uma grande
depressão? Por que apenas a queda de 1929 teve esse potencial?
Essa é a pergunta que tem de ser respondida.
Para isso, entra em cena Herbert Hoover.
Pesquisas históricas conduzidas sem paixões
ideológicas e sem panfletagens políticas revelam o básico: Herbert
Hoover sempre fora um político incessantemente intervencionista.
Hoover, um homem bem intencionado e de instintos
apurados, havia sido um bem-sucedido engenheiro de minas antes de entrar para o
setor público. Por ser muito intelectualmente capacitado, ele acreditava que
praticamente tudo podia ser manipulado e controlado como se fosse um projeto de
engenharia. Essa sua filosofia foi trazida à tona durante o crash da bolsa em
1929.
Para começar, Hoover era abertamente contrário ao
livre mercado. E por um motivo: ele sabia, corretamente, que uma livre
concorrência desregulamentada forçaria as empresas a reduzir seus preços. Tendo sido ele próprio um homem da iniciativa
privada, ele via uma queda de preços como algo inerentemente ruim. Pior: ele
acreditava que preços menores levavam a salários menores.
Em novembro de 1929, pouco depois da queda da bolsa,
Hoover convocou uma reunião com os presidentes das principais indústrias
americanas. Henry Ford, da Ford Motor Company; Alfred Sloan, da GM; e Pierre
Dupont, da Dupont Chemicals, lideraram o grupo que se encontrou com Hoover.
O presidente, então, impôs algumas diretivas sem
precedentes: 1) Apesar da economia fraca e abalada pela queda da Bolsa e pelo
fim da atividade especulativa (vale relembrar que especular na bolsa havia se
tornado uma febre entre os americanos de todas as classes durante quase toda a
ultima década), salários não deveriam em hipótese alguma ser reduzidos; 2) As
demissões deveriam ser evitadas ao máximo. Se a empresa realmente tivesse de
reduzir mão-de-obra, que o fizesse por meio da redução da carga horária — ou
seja, dois trabalhadores deveriam, cada um, trabalhar apenas meio expediente,
ou apenas dia sim, dia não.
Em troca da manutenção dos empregos e da não-redução
dos salários, Hoover prometeu aos industriais que ele convenceria trabalhadores
e sindicatos a não fazerem greves e a não exigirem benefícios e pagamentos
adicionais.
E ele cumpriu a promessa. Os trabalhadores não
fizeram greves. E as indústrias não reduziram os salários. Com efeito, Henry
Ford chegou a aumentar os salários como um gesto de solidariedade.
O engenheiro Hoover, ao que tudo indicava, havia
conseguido engenheirar a solução perfeita. Só que ela não funcionou.
Com o Fed tendo subido os juros e parado de expandir
a oferta monetária, pessoas que haviam pedido empréstimos para especular com
ações não mais conseguiam revender suas ações a preços maiores e,
consequentemente, não mais conseguiam quitar suas dívidas. Elas começaram a dar
calotes nos bancos. Os bancos então começaram a restringir empréstimos e a
pedir a quitação de empréstimos pendentes. As pessoas se assustaram com a
situação e correram para sacar seu dinheiro dos bancos.
Como os bancos praticam reservas fracionárias, isso
gerou uma série de falências bancárias. Essas falências bancárias geraram
uma forte contração na oferta monetária — consequentemente, uma recessão.
Tal recessão não precisaria durar mais de um ano
caso o governo americano permitisse ampla liberdade de preços e salários —
exatamente como havia feito em 1921 —, de modo que estes se adequassem à nova
realidade da oferta monetária. Mas Hoover não permitiu que isso acontecesse.
Consequentemente, com essa ampla deflação monetária,
foi impossível conter a queda dos preços. Em 1930 e 1931, os preços dos
produtos industriais caíram. As pessoas simplesmente não tinham dinheiro para
comprar bens ou para investir nas empresas.
E, para piorar tudo, a tarifa Smoot-Hawley de fato
foi aprovada em 1930. Com as maiores tarifas de importação da história, não
apenas as empresas e os cidadãos americanos não mais conseguiam importar bens
baratos — uma extrema necessidade em um ambiente em que a quantidade de
dinheiro na economia estava diminuindo —, como também os parceiros comerciais
dos EUA retaliaram impondo pesadas tarifas sobre os produtos americanos.
As economias nacionais se fecharam e comércio global desabou, com profundos efeitos negativos sobre a lucratividade das empresas
Com as exportações americanas reduzidas à metade, os
preços dos produtos industriais americanos desabaram.
Mas os salários — por causa da imposição do governo
— continuaram sem ser reduzidos. Ou seja, receitas em queda e custos
congelados. A consequência? Várias indústrias foram à falência.
À medida que a Depressão foi se aprofundando, a indústria
pediu a Hoover permissão para finalmente reduzir os salários. Mas Hoover se
recusou. "Se reduzirem os salários, os sindicatos farão um inferno", dizia ele.
Mas ao final de 1931, com a economia em frangalhos,
a indústria rompeu o acordo com Hoover e finalmente reduziu os salários. Porém,
como apenas reduzir os salários não adiantava, ela também começou a demitir em
massa.
Mas já era tarde demais para interromper a queda
livre. Falências geravam mais falências. O desemprego pulou de 3,2% em 1929
para 23,6% em 1932.
Hoover tentou contrabalançar a situação aumentando
vastamente os gastos governamentais, apresentando um programa de nove metas
estatais que incluíam grandes obras públicas, como a Represa Hoover. Ele
aumentou os gastos do governo em quase 50% em termos nominais (e 87% em termos reais,
considerando-se a deflação da época). Não satisfeito, elevou a alíquota máxima
do imposto de renda de 25% para 63%.
Hoover implantou tudo aquilo que ele, como um
engenheiro, imaginou que traria a economia de volta à prosperidade. Ele só não fez
exatamente aquilo que seria o certo: deixar o livre mercado curar a situação,
exatamente como em 1921.
Uma recessão que não deveria durar mais do que dois
anos se transformou em uma depressão que durou 15 anos.
E ainda há quem diga que Herbert Hoover foi um
adepto inflexível do laissez-faire.
Conclusão
Ao contrário do senso comum ensinado nas escolas e
universidades, uma queda no valor das ações na bolsa (que foi o que aconteceu
em 1929) por si só não gera depressão. Em 1987, por exemplo, a bolsa
americana caiu 22% e não houve depressão.
O crash da bolsa de Nova York em outubro de 1929
teve suas origens na expansão do crédito feita pelo Federal Reserve em concerto
com o sistema bancário de reservas fracionárias ao longo de toda a década de
1920. Tal expansão gerou um boom sem precedentes no mercado de ações,
levando a uma euforia especulativa generalizada. Quando a expansão do
crédito foi interrompida em decorrência de pressões inflacionárias, a euforia
foi abruptamente interrompida, e deu-se início ao processo de correção.
A Grande Depressão, na verdade, não precisaria durar
mais de um ano caso o governo americano permitisse ampla liberdade de preços e
salários (exatamente como havia feito na depressão de
1921, que foi ainda mais intensa, mas que durou menos de um ano justamente
porque o governo permitiu que o mercado se ajustasse).
Porém, o governo fez exatamente o contrário: aumentou impostos, aumentou gastos, implantou políticas de controle de preços, de controle de salários, e, acima de tudo, impôs um inaudito aumento nas tarifas de importação, as quais chegaram ao maior nível da história e se degeneraram em uma profunda guerra comercial em nível mundial. Para piorar: ele
estimulou uma arregimentação sindical de modo a impedir que as empresas
baixassem seus preços.
Em 1933, entrou em cena Franklin Delano Roosevelt,
que simplesmente deu continuidade às políticas intervencionistas de Hoover, inacreditavelmente
prolongando a Depressão até 1946.
Um simples crash da bolsa de valores foi amplificado pelas políticas
intervencionistas e totalitárias do governo, gerando uma depressão que durou 15
anos e que só foi resolvida quando o
governo encolheu, em 1946.
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Leituras
complementares e obrigatórias:
What - or
Who - Started the Great Depression? (Trabalho acadêmico)
New Deal policies
and the persistence of the Great Depression (Trabalho acadêmico)
1920
- a última depressão na qual um governo não se intrometeu foi também a mais
rápida
Um
conto de duas grandes depressões
Quer saber tudo sobre a
Grande Depressão americana? Leia mais este lançamento do IMB
O
New Deal ridicularizado (novamente)
Como
Franklin Roosevelt piorou a Depressão
A
Grande Depressão - uma análise das causas e consequências
Herbert
Hoover e George W. Bush: intervencionistas que amplificaram recessões (1ª
Parte)
A
teoria austríaca dos ciclos econômicos e as causas da Grande Depressão
Um
governo em dieta - quando os gastos realmente foram cortados