Vamos direto ao ponto:
Um presídio só é genuinamente privado quando 1) ele
é construído inteiramente por uma empresa privada; 2) essa empresa opera 100%
com recursos próprios; 3) essa empresa tem total autonomia sobre esse presídio;
e 4) essa empresa opera sem receber um centavo de dinheiro público.
Por outro lado, quando é o estado quem, com o
dinheiro de impostos, constrói o presídio; quando é o estado quem, após a
construção, terceiriza a administração de alguns aspectos desse presídio para
uma empresa privada (escolhida de acordo com as contribuições de campanha que
fez para políticos); quando é o estado quem determina o que essa empresa pode e
não pode fazer; e, finalmente, quando é o estado quem repassa dinheiro (de
impostos) para essa empresa fazer o serviço, então não há absolutamente nada de
privatização ou de livre mercado neste arranjo.
O primeiro arranjo descrito representa uma genuína
desestatização seguida de privatização. Já o segundo arranjo representa um
explícito caso de corporativismo, cujo paroxismo é o arranjo conhecido como
Parceria Público-Privada.
Neste último arranjo, o estado repassa dinheiro de
impostos para uma empresa privada que opera em um mercado fechado, protegida
pelo governo e com lucro garantido. O que isso tem de livre mercado, de
desestatização e de privatização? Absolutamente nada.
Agravantes
Para piorar, o estado nem sequer faz o serviço completo.
Ele terceiriza apenas algumas partes do serviço (as mais triviais), mantendo
seu monopólio sobre as outras partes essenciais.
O que normalmente ocorre em um contrato de
terceirização de presídios é que, conforme
a Lei de Execução Penal, as competências relacionadas à
disciplina, à contenção de rebelião e à segurança continuam cabendo exclusivamente
ao poder público, de modo que os funcionários da empresa privada que administra
o presídio nem sequer podem portar armas, cassetetes ou tomar qualquer atitude
ou ação disciplinar, pois tal atividade é monopólio estatal.
Ou seja, mesmo terceirizando a gerência para uma
empresa privada, tal empresa continua sendo proibida, pelo
artigo 83-B, de exercer atividades repressoras,
pois "são indelegáveis [...] todas as atividades que exijam o exercício do
poder de polícia, e notadamente [...] a aplicação de sanções disciplinares e o
controle de rebeliões".
Na prática, portanto, o estado terceiriza apenas os
aspectos mais triviais da administração. De
acordo com o artigo 83-A, a empresa pode
apenas prestar "serviços de conservação, limpeza, informática, copeiragem,
portaria, recepção, reprografia, telecomunicações, lavanderia e manutenção de
prédios, instalações e equipamentos internos e externos".
Já o estado continua com a função de manter a ordem,
a disciplina e impor a repressão dentro do presídio. Ao mesmo tempo, ele
repassa dinheiro de impostos para que a empresa efetue os serviços de
conservação, limpeza e as demais amenidades citadas acima.
Onde está a privatização? Onde está a
desestatização?
Uma
Parceria Público-Privada é a antítese da desestatização e do livre mercado
Se uma empresa se mantém operante exclusivamente por
meio de repasses do governo — como é o caso de uma empresa que administra um
presídio —, tal empresa não é genuinamente uma empresa privada. Se suas
receitas advêm exclusivamente de impostos, então ela opera, na prática, como uma
empresa estatal.
Uma empresa genuinamente privada não usufrui uma renda
garantida pelo estado com o dinheiro de impostos. Uma empresa genuinamente
privada não obriga os cidadãos a lhe repassarem dinheiro de impostos para
continuar funcionando.
Quando uma empresa privada entra em conluio com o
governo e passa a usufruir privilégios — como uma renda garantida por meio do
dinheiro de impostos que o governo lhe repassa —, tal arranjo é a exata
antítese da desestatização, da privatização e do livre mercado.
Consequentemente, a
ineficiência será a sua característica inevitável.
Afinal, se a renda é garantida pelo estado e não há consumidores para cobrar
qualidade, tem-se o mais irracional dos arranjos.
E isso não vale só para empresas escolhidas para
administrar presídios. Outro grande exemplo de empresas privadas que, na
prática, funcionam como se fossem estatais são as empreiteiras. A esmagadora
maioria de suas receitas advém de obras que elas executam para governos
(federal, estaduais e municipais), sendo pagas com o dinheiro de impostos. Segundo
os relatos do Ministério Público, por exemplo, quase
100% do faturamento da empreiteira Delta, do empresário Fernando Cavendish,
veio de contratos públicos, chegando a quase R$ 11 bilhões. A maioria dos
recursos veio de contratos com o Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transporte (Dnit).
Qual é a diferença disso para uma estatal?
O fato é que, no mundo real, nenhum conluio com o
governo pode ser feito sem que haja uma série de acordos escusos, trocas de
favores (propinas para políticos em troca de vitória nas licitações) e manobras
por baixo dos panos. E o que é pior: tudo isso resultará em serviços
ineficientes e, ao mesmo tempo, muito caros para os pagadores de impostos.
Por isso, as Parcerias
Público-Privadas são um arranjo condenável, como este
Instituto sempre insistiu em apontar.
O
problema com o corporativismo e a solução de mercado
Essa aliança corporativista entre o governo e suas
empresas favoritas (escolhidas de acordo com propinas
ou doações de campanha pagas a políticos) não tem como gerar melhorias.
Parodiando Marx, tal arranjo contém em si o germe de sua própria ineficácia.
O que sempre irá ocorrer, após suas inevitáveis
falhas virem à tona, é que governo e empresa irão apontar os dedos um para o
outro, ninguém irá assumir responsabilidades, e os pagadores de impostos
continuarão bancando tudo.
Enquanto isso, construir e preservar todo um sistema
carcerário continua sendo um dos principais gastos do governo, em todos os
níveis. A taxa de prisioneiros por 1.000 habitantes varia de um país para
outro. O que não varia são os gastos crescentes para sustentar esse regime: os
gastos com o sistema penitenciário, polícia, judiciário e outros itens
relacionados à justiça estão completamente fora de controle. E o que ganhamos
com isso? Por acaso temos mais justiça, mais segurança e melhor
proteção?
A verdade é que podemos pensar nas cadeias como
miniaturas de uma sociedade socialista, onde o governo exerce o controle
total. Exatamente por essa razão, o sistema penitenciário é um fracasso
completo para todos — menos para os burocratas que lá trabalham e para as
empresas que ganham as licitações para administrar algumas áreas dos presídios.
Mas eis a parte mais importante: costuma-se dizer
que os presidiários estão ali "pagando o preço" de seus delitos; só
que, na prática, ninguém está se beneficiando desse preço pago. Os
presidiários não estão saldando suas dívidas ou recompensando suas vítimas ou
mesmo lutando para superar alguma coisa. Eles estão apenas "cumprindo
tempo", custando aos pagadores de impostos quase
R$ 30.000
ao ano por presidiário. Isso é tudo o que essas pessoas são para a
sociedade: um custo.
No atual sistema jurídico e carcerário, não há
absolutamente qualquer ênfase na ideia da restituição. E a restituição
não é apenas uma parte importante da ideia de justiça; ela é sua própria
essência. Se uma pessoa é roubada e seu ofensor é preso, que justiça há
em se roubar a vítima novamente para pagar o sustento — a total desumanização —
do seu ofensor?
A vítima não apenas perde seu dinheiro, como também
é obrigada a pagar novamente pela dúbia emoção da captura, condenação e
consequente sustento do criminoso; e o criminoso será mantido escravo do estado,
mas não pelo bom propósito de recompensar sua vítima.
Onde realmente está a justiça desse sistema?
Sim, um sistema de livre mercado iria enfatizar a
punição; porém, ele daria ainda mais atenção para a restituição. E toda a
população não seria tributada a fim de pagar pelos crimes de alguns
poucos. O custo do crime recairia sobre aqueles que o cometeram, de modo
que a vítima fosse recompensada. Isso não significa que os criminosos
passariam a ser empregados contratuais das vítimas, prestando-lhes vários
serviços. Haveria uma indústria especializada em justiça criminal da
mesma forma que há indústrias especializadas em todos os outros serviços
requeridos pelo mercado.
Não podemos saber de antemão como exatamente esse
sistema se desenvolveria em um mercado — afinal, ninguém pode planejar o
mercado. A grande tragédia é que o governo monopolizou por tanto tempo
esse serviço — ao contrário das escolas, da saúde e dos serviços postais —
que nenhum sistema concorrencial de justiça privada teve a permissão de
surgir. Mas podemos, por exemplo, considerar a maneira como o sistema de
financeiro tem aplicado suas regras ao conceder crédito: aqueles que se
comportam bem, são beneficiados; e aquelas que não, são prejudicados. Os
danos causados pelas trapaças se voltam para aqueles que tentam fraudar o
sistema.
A justiça pode ser ofertada pelo livre
mercado? Temos toda a confiança de que sim, pois se há algo que a
história da oferta de serviços já nos ensinou é que, sempre que a sociedade
precisa de algo, o mercado o fornece de maneira muito superior ao
governo. Esse princípio se aplica tanto para a justiça criminal quanto
para qualquer outro setor da economia. Bens e serviços em uma sociedade
livre são fornecidos pelo mercado, e não pelo governo.
"As grandes tendências sociais são harmoniosas",
já dizia Frédéric Bastiat. O que o economista e jornalista francês quis dizer
com isso é que uma sociedade contém dentro de si a capacidade de resolver
conflitos e de criar e sustentar instituições que fomentem a cooperação
social. Ao buscar seus próprios interesses, as pessoas podem chegar a
acordos mútuos e praticarem trocas que lhes trarão benefícios recíprocos.
Bastiat em momento algum supôs que todas as pessoas
de uma sociedade são espertas, iluminadas, talentosas, educadas e
pacíficas. Ele apenas estava dizendo que a sociedade pode lidar com a
malevolência por meio da economia de mercado, e exatamente da maneira como
vemos hoje: empresas de segurança privadas, produção privada de armas, trancas
e cadeados, tribunais de arbitramento privados e empresas de seguro
privadas.
Conclusão
Tudo o que conhecemos sobre o governo é elevado ao
paroxismo quando aplicado a esse supremo programa governamental, que são as
penitenciárias. Tal programa governamental é caro, ineficiente, brutal e
irracional.
Conhecendo-se essa realidade, não é surpresa alguma
que as prisões sejam lugares caóticos onde corrupção e abusos monstruosos
imperam. Tampouco é de se estranhar que as pessoas saiam das prisões
piores do que entraram, sem nada a perder e traumatizadas para o resto da vida.
Sim, prisões genuinamente privadas poderiam existir,
bem como um sistema de justiça privado (ver aqui,
aqui,
aqui,
aqui,
aqui
e aqui).
Porém, enquanto tal arranjo não chega, não confundamos esse arranjo ainda
inexistente com o arranjo corporativista e anti-livre mercado em vigor.
O livre mercado pode organizar a proteção e um
sistema de punição de maneira muito superior ao estado. Como argumentou
Hayek, o estado é amplamente superestimado como um mecanismo mantenedor da
ordem. O estado é — e sempre foi ao longo da história — uma fonte de
desordem e caos, e esse problema só piora à medida que o estado cresce.
Se você duvida disso, apenas olhe para as cadeias, um lugar onde o estado
está no total controle da situação.
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Lew Rockwell, chairman e CEO do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.
Brittany Hunter, fundadora do website generationopportunity.org.
Leandro Roque, editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.