Nota do editor
O artigo abaixo foi publicado em janeiro de 2017. Cinco anos depois, e com o evento da Covid-19, seu tema ficou ainda mais atual.
Desde 2020, os governos ao redor do mundo adotaram uma forma mais branda da renda universal garantida, voltada para os mais pobres e para os desempregados. Esta renda foi paga majoritariamente via impressão de dinheiro pelos Bancos Centrais, medida esta que está gerando sérias consequências inflacionárias ao redor do mundo.
Isto, por si só, já aniquila a ideia de que a renda universal poderá ser pagar via inflação monetária.
Logo, com esta tese já natimorta, sobram apenas duas opções: endividamento do governo ou mais impostos.
Nenhuma será possível no longo prazo, como demonstra o artigo abaixo.
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O socialismo é uma ideia cujo tempo acabou.
Ao redor do mundo, economias puramente socialistas
já foram abandonadas. A ideia de que o estado deve gerir a economia é levada a
sério apenas pelos líderes da Coreia do Norte e da Venezuela. Suspeito que nem
mesmo os comunistas de Cuba acreditem mais nisso.
Consequentemente, o estado de bem-estar social —
popularmente chamado social-democracia — também está entrando em seus
estertores. A social-democracia se baseia na ideia de que o estado pode agir
como uma espécie de sanguessuga sobre a economia produtiva, e que de alguma maneira
a sanguessuga não irá crescer e nem a economia produtiva irá se enfraquecer.
Talvez a mais amada de todas as propostas já
aventadas pela social-democracia é aquela que envolve uma renda básica
universal, independentemente de se o indivíduo trabalha ou não. Eis a última
manifestação desta ideia lunática:
À
medida que os robôs vão tomando seus empregos, os europeus querem dinheiro de
graça para todos
Existo,
logo sou pago.
A
noção radical de que os governos devem dar dinheiro de graça para todos —
ricos e pobres, trabalhadores e desocupados — está, lenta porém firmemente,
ganhando tração na Europa. Sim, você leu corretamente: uma renda mensal
garantida pelo governo, sem qualquer contrapartida.
Na
França, dois dos sete pré-candidatos à nomeação do Partido Socialista na
eleição presidencial deste ano estão prometendo modestos, porém regulares,
estipêndios para todos os adultos franceses. Testes ainda limitados já
começaram na Finlândia, com outros experimentos já planejados em outros países,
inclusive nos EUA.
Chamado
de "renda universal" por alguns, "renda básica universal" ou apenas "renda
básica" por outros, a ideia já foi levantada sob vários outros pretextos e
aparências desde pelo menos a segunda metade do século XIX. Após décadas no
limbo do debate intelectual, ela se tornou mais convencional em 2016, quando a
Suíça fez um referendo — e rejeitou por completo — sobre uma rende básica de
aproximadamente US$ 2.500 por mês.
"Foi
um ano incrível", diz Philippe Van Parijs, fundador da organização Basic Income
Earth Network, que faz lobby pela aprovação desta ideia. "A renda básica foi
mais debatida e descrita neste ano do que durante toda a história da
humanidade".
Mas
antes de você escrever uma carta de demissão para o seu chefe pensando que
nunca mais terá de trabalhar, um alerta: há várias perguntas não respondidas
sobre a questão, começando por como tal esquema será financiado. Eis um olhar
sobre as questões:
Por
que o crescente interesse?
Em
uma palavra, robôs. Com as máquinas e os sistemas automatizados crescentemente
substituindo a mão-de-obra humana, a França poderá perder 3 milhões de empregos
até 2025, diz Benoit Hamon, um ex-ministro da educação que está em campanha
para a presidência do país com a promessa de introduzir gradualmente uma renda
básica para todos, sem contrapartidas. À medida que o trabalho vai se tornando
escasso, uma renda modesta, porém garantida, faria com que as pessoas deixassem
de temer por seu futuro e liberaria mais tempo para dedicarem às suas família,
aos mais necessitados e a si próprios, diz ele.
Também
poderia estimular as pessoas a se arriscar mais, a abrir novos negócios e a
tentar novas atividades sem o risco de perder os benefícios assistenciais.
O
outro pré-candidato do Partido Socialista a favor da renda básica é Jean-Luc
Bennahmias. Assim como Hamon, o ex-parlamentar argumenta que não faz sentido
imaginar o retorno da época da bonança econômica, com empregos para todos.
"Crescimento
de dois, três, quatro ou cinco por cento nos países ocidentais? Acabou", disse
ele em um debate televisivo na semana passada. "Temos de falar a verdade".
Pesquisas
de fora validam seus argumentos. Um estudo da Universidade de Oxford, de 2015,
estimou que quase metade de força de trabalho americana corre risco com a
automação.
A Finlândia já começou um
experimento com este programa. [E foi encerrado ao fim de 2018].
A mesma ideia foi levada a referendo na Suíça no ano
passado, mas os suíços, muito sabiamente, votaram contra a proposta, e
de forma esmagadora (mais de 75% contra).
Dizer que essa proposta de renda universal não
funcionaria porque "as pessoas seriam desestimuladas a trabalhar e,
consequentemente, não gerariam renda a ser tributada pelo governo, o que por
sua vez inviabilizaria a continuidade do programa", é uma explicação correta,
porém incompleta.
Para essa proposta funcionar é necessário haver
fontes que irão fornecer continuamente o dinheiro para manter toda a população
no assistencialismo. Mas de onde virá o dinheiro? Os defensores do
assistencialismo dizem que o dinheiro poderá ser extraído dos lucros das
empresas.
Isso mostra que eles simplesmente não entendem nada
sobre a origem dos lucros em uma economia de mercado livre e competitiva.
Lucros são temporários
Sim, lucros são
temporários. Lucros surgem quando algumas empresas conseguem um
fluxo maior de receitas do que de despesas.
Porém, quando há um mercado cujas empresas nele
estabelecidas estão conseguindo taxas de retorno acima da média, isso irá
inevitavelmente atrair novas empresas concorrentes. Essa é a dinâmica do
capitalismo. Se você descobre um nicho bastante lucrativo, você imediatamente
atrai a concorrência, que também quer usufruir uma fatia desse lucro.
Empreendedores rivais, que também estão em busca do
lucro, não estão dispostos a permitir que um punhado de empresas que chegaram
primeiro a um determinado mercado, e que por isso estão auferindo lucros acima
da média, continuem operando tranquilamente.
"Por que abrir mão desse dinheiro?" — essa é a
pergunta que qualquer empreendedor em busca do lucro faz para si próprio. "Por
que deixar meu concorrente usufruir exclusivamente todo esse dinheiro em um
mercado que está aberto à entrada de novos concorrentes?"
Se alguém está ganhando muito dinheiro fornecendo um
determinado tipo de serviço que até então não era tido como lucrativo, por que
não entrar nesse mercado e fornecer um serviço similar a um preço menor?
Por isso, a tendência em uma economia de livre
mercado é que as taxas de lucros se equalizem ao longo do tempo. Sempre há
exceções, mas essas exceções ocorrem quando o governo impõe restrições à
entrada da concorrência (como, por exemplo, nos setores controlados por
agências reguladoras e nos setores que operam protegidos por tarifas de
importação).
Fora isso, no geral, empreendedores não são de
permitir que outros empreendedores embolsem grandes lucros sem serem
desafiados.
Portanto, de onde virá o dinheiro para colocar toda
a população do país no assistencialismo? É isso o que os socialistas e
social-democratas nunca explicaram. Seus grandiosos planos nunca são
acompanhados de estudos detalhados que mostram quem exatamente irá pagar para
colocar todo o país no assistencialismo. Afinal, se fizessem isso, eles
assustariam seus alvos. Políticos nunca querem assustar seus alvos, a menos que
estes sejam numericamente ínfimos.
Robôs e máquinas não pagam impostos. Robôs e
máquinas reduzem o custo de se produzir bens e serviços. As empresas que se
beneficiam da substituição de mão-de-obra humana por máquinas obtêm grandes
lucros inicialmente; porém, isso atrai a atenção dos concorrentes, que
rapidamente querem fazer o mesmo. Consequentemente, outros fabricantes de robôs
e máquinas também irão vender robôs e máquinas para os concorrentes daquelas
empresas que inicialmente implantaram os robôs e as máquinas.
Robôs e máquinas não fazem greves. É impossível eles
se sindicalizarem. Eles simplesmente trabalham sem parar e nunca param de
produzir. E há mais deles sendo projetados e fabricados. Eles estão vindo para
uma indústria perto de você.
E estamos aqui desconsiderando todas as
mini-fábricas que utilizam impressoras 3-D. Elas estão chegando também.
As empresas que lucram com o emprego de robôs e
máquinas e com a demissão de pessoas não conseguirão manter seus lucros acima
da média por muito tempo. Seus concorrentes também irão contratar robôs e
máquinas e demitir mais pessoas.
Portanto, quem irá pagar a renda universal para
todas essas pessoas demitidas? Ninguém.
Este
é todo o ponto. As máquinas e os robôs não irão. As empresas que tiverem seus
lucros reduzidos por causa da concorrência não irão. Os novos concorrentes não
irão. Todos estes estarão muito ocupados tentando descobrir novas maneiras de
cortar custos.
O que nos leva a outro ponto de grande importância.
Renda
isenta de impostos
As únicas pessoas que realmente poderão bancar esse
esquema assistencialista são os consumidores que comprarem os produtos
produzidos pelos robôs e máquinas. Com a redução de custos, a inflação de
preços será cada vez menor. Consequentemente, a renda real dessas pessoas irá
subir.
Mas esse aumento da renda real não pode ser
facilmente tributado. Não dá para tributar aumentos reais nos salários, apenas
aumentos nominais. O governo teria, então, de tributar ainda mais os salários
dos trabalhadores. E ele só teria receita crescente se os salários nominais
aumentassem continuamente.
Mas, por causa da automação, não será necessário
haver aumentos nos salários nominais. A população terá um aumento em sua
qualidade de vida por causa dos preços reduzidos gerados pela automação. Com
preços reduzidos, haverá mais dinheiro disponível para gastar. Isso é aumento
real da renda. É uma renda isenta de imposto.
Em um sistema no qual a renda monetária é tributada,
o governo pode tributar apenas a renda nominal. Trata-se da renda denominada em
uma moeda específica. Se você obtém um aumento, o governo está lá para
confiscar uma fatia. Consequentemente, se você pudesse escolher entre um
aumento nominal de 3% ou redução de 3% em todos os preços, você seria esperto
se escolhesse a segunda opção. Você teria um aumento da renda na forma de
preços decrescentes em seus bens de consumo.
É por isso que todos os governos odeiam a deflação
de preços. É por isso que os governos sempre defendem a expansão do crédito:
isso gera um aumento da quantidade de dinheiro na economia, que por sua vez
gera aumentos nominais de preços e salários, o que permite receitas tributárias
maiores para o governo. Se a inflação monetária elevar os preços, elevará
também os salários. O governo pode então tributar esse aumento dos salários. E
pode também auferir receitas maiores com os impostos indiretos embutidos nos
preços.
Por outro lado, se a população melhora sua qualidade
de vida por causa de uma redução nos preços, então o governo não conseguirá se
beneficiar disso. Não há aumentos nominais nos quais ele pode colocar suas mãos
gananciosas. A renda que aumentou foi a renda real, e não a nominal. Políticos consideram
isso intolerável. Preços em declínio são vistos como algo ultrajante por
praticamente todos os políticos (e também por economistas keynesianos).
Um cenário em que os salários nominais são estáveis e
os preços ao consumidor estão em queda é uma fórmula para se estrangular as
receitas dos governos. Políticos e keynesianos odeiam a simples ideia disso.
Mas é inevitável. As máquinas e os robôs irão estrangular
os governos. Mas não irão estrangular o indivíduo que tiver um emprego. Com preços em queda e os salários estáveis, não haverá
como os políticos extraírem mais renda da população. Isso já é visivel nos
países ricos. A única opção será elevar impostos. Mas isso será
suicídio político. E nenhum político quer voluntariamente acabar com sua própria
carreira. Eles não querem cortar benefícios, mas também não podem aumentar
impostos. Se pudessem, eles aumentariam os benefícios e aumentariam os impostos
apenas sobre grupos específicos. Mas os robôs e as máquinas não são esse grupo.
Eles não pagam impostos.
No final, tudo isso é uma ótima notícia para todas as
pessoas do mundo. E uma péssima notícia para todos os políticos do mundo.
O
que fazer
Se uma máquina é capaz de substituir o trabalho
humano, então ela deve substituir o trabalho humano. O trabalho humano não deve
ser desperdiçado em tarefas repetitivas que podem ser feitas por uma máquina de
maneira igualmente eficaz e menos dispendiosa.
Se algo pode ser feito por uma
máquina, por que imobilizar algo tão versátil quanto o trabalho humano? O
trabalho humano é o mais versátil de todos. Há inúmeras coisas que as pessoas
podem aprender a fazer. Já uma máquina pode fazer bem apenas uma coisa; ela não
pode fazer outra coisa fora daquilo para a qual projetada. Seres humanos não são como máquinas. Eles
podem fazer muitas coisas.
Se você trabalha no setor industrial, então você
deve aspirar a uma posição que esteja entre uma máquina especializada e a
resolução de um problema imediato. Existem todos os tipos de problemas imagináveis e inimagináveis nos
processos de produção, o que significa que uma máquina não irá solucioná-los.
Qualquer tipo de problema tem de ser resolvido pela mente humana, e por um ser
humano equipado com uma ferramenta capaz de resolver o problema. É a
criatividade humana, em conjunto com o uso de ferramentas, que é essencial para
garantir a produção de uma máquina. Aspire a uma posição em que você tenha
constantemente de utilizar sua mente.
Se você tem uma profissão manual que se resume a
fazer processos repetitivos, é bom ir adquirindo outras habilidades. Se você
pensa que poderá concorrer com uma máquina para fazer processos repetitivos, é
bom repensar seu futuro. Em processos repetitivos, a máquina sempre irá vencer.
A coisa mais valiosa que as pessoas podem fazer é
resolver problemas. Elas não são máquinas. Da mesma maneira, clientes
e consumidores têm vários problemas. Não há um só tipo de problema. Há
vários padrões de problemas. Mas cada problema possui aspectos
singulares. É por isso que máquinas não podem lidar com eles.
As
máquinas sempre estarão limitadas por sua programação, e elas sempre estarão
limitadas por sua incapacidade de inventar soluções criativas para problemas
altamente específicos.
O segredo para se ter uma alta renda não é possuir
uma capacidade de efetuar tarefas repetitivas. O segredo é ter uma mente
criativa. O segredo está na mente criativa que é capaz de aplicar
princípios gerais a casos específicos, e então encontrar ferramentas
especializadas com as quais implantar seu plano.
Por isso, se a sua ocupação requer que você apenas
efetue coisas repetitivas, coisas que não requerem muito raciocínio, então
seria bom você ficar esperto e começar a procurar algum setor que possua algum
conjunto de problemas que alguém com suas habilidades possa resolver. É a
capacidade de saber resolver problemas, e não a implantação de soluções mecânicas,
que gera uma renda alta. É assim que trabalhadores se tornam líderes e
patrões.
O fato é que, em algum momento, surgirá uma máquina
que fará o trabalho mecânico melhor do que você. Adam Smith já havia observado
que as habilidades mecânicas e repetitivas que são necessárias em uma divisão
do trabalho não são boas para os homens. Por isso, a automação
será ótima para toda a humanidade, libertando-a do fardo do trabalho monótono e exaustivo.
Conclusões
O grande experimento na Europa, de colocar todo um
país no assistencialismo, irá explodir sobre todos os políticos de todas as nações
que tentarem implantar essa ideia. Simplesmente não haverá novas vítimas disponíveis
das quais se extrair a riqueza necessária para colocar todos no
assistencialismo universal. Hoje mesmo, as receitas tributárias já estão em
queda em boa parte do mundo desenvolvido.
A ideia de um estado de bem-estar social está
condenada. O arranjo não durará mais do que a segunda metade do século XXI.
Margaret Thatcher estava certa. O socialismo é
popular apenas enquanto os socialistas conseguem meter suas mãos no dinheiro
dos outros. A capacidade de os socialistas fazerem isso hoje está cada vez mais
próxima de zero. Chegou a hora de os social-democratas aprenderem a mesma lição.
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