A notícia está em todos os portais. Vale a pena
lê-la na íntegra porque ela desnuda por completo, ainda que involuntariamente, todo o mito do "estado regulador e protetor dos consumidores".
PF
deflagra 'Carne Fraca' contra corrupção na Agricultura
A
Polícia Federal deflagrou nesta sexta-feira, 17, a Operação Carne Fraca para
combater corrupção de agentes públicos federais e crimes contra Saúde Pública.
Executivos do frigorífico JBS e da empresa BRF Brasil foram presos.
O
esquema seria liderado por fiscais agropecuários federais e empresários do
agronegócio. Segundo a PF, a operação detectou em quase dois anos de
investigação que as Superintendências Regionais do Ministério da Pesca e
Agricultura do Estado do Paraná, Minas Gerais e Goiás 'atuavam diretamente para
proteger grupos empresariais em detrimento do interesse público'.[...]
"Os
agentes públicos, utilizando-se do poder fiscalizatório do cargo, mediante
pagamento de propina, atuavam para facilitar a produção de alimentos
adulterados, emitindo certificados sanitários sem qualquer fiscalização
efetiva."
Segundo
os investigadores, as irregularidades noticiadas e relacionadas à empresa
Peccin Industrial Ltda. foram confirmadas por Daiane Marcela Maciel, auxiliar
de inspeção da empresa entre agosto/2013 e setembro/2014.
A
Carne Fraca aponta que a auxiliar 'atestou a existência de diversas
irregularidades na empresa, como a utilização de quantidades de carne muito
menor do que a necessária na produção de seus produtos, complementados com outras
substâncias, a utilização de carnes estragadas na composição de salsichas e
linguiças, a 'maquiagem' de carnes estragadas com a substância cancerígena
ácido ascórbico, carnes sem rotulagem e sem refrigeração, além da falsificação de
notas de compra de carne".
"Dentre
as ilegalidades praticadas no âmbito do setor público, denota-se a remoção de
agentes públicos com desvio de finalidade para atender interesses dos grupos
empresariais. Tal conduta permitia a continuidade delitiva de frigoríficos e
empresas do ramo alimentício que operavam em total desrespeito à legislação
vigente", diz a nota da PF.
O
nome da operação faz alusão à conhecida expressão popular em sintonia com a
própria qualidade dos alimentos fornecidos ao consumidor por grandes grupos
corporativos do ramo alimentício. A expressão popular demonstra uma fragilidade
moral de agentes públicos federais que deveriam zelar e fiscalizar a qualidade
dos alimentos fornecidos a sociedade.
Esta notícia resume com perfeição aquilo que os
teóricos libertários levaram vários livros e artigos acadêmicos para explicar:
os estragos gerados por um estado regulador vão muito além da corrupção que tal
arranjo é propício a gerar (como perfeitamente ilustra a notícia). Ainda pior
que a corrupção é o fato de que o próprio mercado é completamente distorcido em
prol dos grandes e contra os pequenos. E, como consequência, tudo se torna
muito mais inconfiável e desonesto.
Comecemos pelo básico.
Consequências
nefastas da regulação estatal
Quando o estado adquire poderes regulatórios para
determinar "quem é bom e quem é ruim", os adjetivos "bom" e "ruim" perdem qualquer
relação com a qualidade do produto e se tornam totalmente relacionados ao poder
financeiro do fiscalizado.
Como disse
o jornalista libertário P.J. O'Rourke, "quando comprar ou vender se torna
objeto de regulação, os primeiros a serem comprados são os reguladores".
No exemplo ocorrido, os reguladores estatais
entraram em conluio com grandes empresários (todos eles ligados ao BNDES, vale
ressaltar) e, em troca de propina, emitiram o selo de aprovação do Ministério
da Pesca e Agricultura atestando que carnes podres eram, na realidade, carnes
boas e próprias para consumo.
Como este selo de aprovação estatal é
inquestionavelmente aceito por todos como sinônimo de "inspeção rigorosa" — pois
as pessoas estranhamente confiam cegamente no estado e em seus funcionários
públicos —, os escroques garantiram uma vantagem no mercado. E por causa do
estado.
Consequentemente, aqueles produtores honestos e que
realmente se esforçaram para produzir carne de qualidade sofreram um "dumping":
as carnes podres e mais baratas, chanceladas pelo estado, expulsaram do mercado
as carnes boas e mais caras. Afinal, dado que ambas as carnes tinham exatamente
o mesmo selo de qualidade, por que não ficar com a mais barata e famosa?
Vale ressaltar o óbvio: o Ministério da Pesca e
Agricultura (no caso, suas superintendências regionais) detém o monopólio das
certificações e credenciamentos. Os vigaristas prosperaram no mercado justamente
porque gozavam do selo de qualidade do órgão estatal. Eles apresentavam o
selo e seus produtos eram logo aceitos.
Ao passo que, em um mercado livre e concorrencial,
os produtos de maior qualidade se estabelecem, em um mercado regulado e
controlado pelo governo, só se estabelece quem tem mais poder de propina.
Regulação
privada e concorrencial
Caso houvesse uma regulação genuinamente concorrencial,
na qual certificadoras privadas — concorrendo entre si e batalhando por sua reputação
— fossem as responsáveis por inspecionar a qualidade das carnes, alguém consegue
imaginar o que ocorreria com uma certificadora que fosse flagrada em suborno? Quais
as chances de ela estar operando hoje no mercado? Qual empresa séria iria querer
ostentar seu selo?
E, caso você pense que isso é utopia, saiba que tal
arranjo já existe. Ele está ao seu lado agora, neste momento. Pegue algum
produto elétrico ou algum eletrodoméstico em sua casa e você encontrará um selo
ou da UL (Underwriters
Laboratories) ou da CSA, ou da ETL.
A UL, a mais famosa
delas, é uma certificadora privada e independente fundada em 1894, e que
certifica cerca de 20.000 produtos diferentes — eles emitem 20 bilhões de
selos por ano.
Assim como suas outras concorrentes,
estes selos privados têm credibilidade, pois competem no mercado e dependem de
sua reputação para sobreviver. Uma vida perdida por conta de um produto
mal-testado pode significar sua falência.
Já o "selo do
rei" não tem credibilidade, pois não compete no mercado. Mas tem monopólio
e, por isso, sua baixa reputação não o faz perder clientes.
No caso do Ministério da Agricultura, como se trata
de um órgão estatal e monopolista, não apenas ele continuará firme no mercado,
distribuindo atestados de qualidade por aí a fora, como também tornará mais
difícil a vida de empreendedores honestos. Afinal, por que continuar
confiando em um órgão estatal monopolista que distribui selos igualmente para
honestos e para escroques, sem seguir nenhum critério de mercado e, exatamente
por isto, sem se preocupar com as consequências de suas atitudes?
Um órgão estatal monopolista não opera seguindo o
mecanismo de lucros e prejuízos que apenas o mercado impõe, o que significa que
ele não possui nenhum incentivo para ser criterioso. Errando ou acertando,
sua reserva de mercado continuará intacta, assim como o polpudo salário de seus
burocratas. Quem ostenta o selo do Ministério da Agricultura não traz consigo garantia
alguma de ser idôneo. E um selo concedido a vigaristas não gera nenhuma
punição para o órgão estatal.
Anti-concorrência
No entanto, o objetivo do Ministério da Agricultura,
bem como o de qualquer
agência reguladora, sempre foi um só: proteger os poderosos e já estabelecidos,
dificultando o empreendedorismo dos menos financeiramente capacitados. Esta
notícia foi apenas mais um exemplo prático do inexaurível conluio entre a
burocracia estatal e os grandes interesses econômicos com o intuito de garantir
fatias de mercado para alguns poucos privilegiados.
Para quem discorda e sinceramente crê na
benevolência estatal, fica a pergunta: se o estado está realmente interessado
no bem-estar da população, então por que ele não permite a proliferação de
certificadoras privadas concorrendo livremente no mercado? A oferta de serviços
seria abundante, mais barata e mais rápida. Uma quantidade muito maior de
produtos seria certificada.
Por que monopolizar e restringir este mercado
essencial? Pior ainda: por que restringi-lo apenas à supervisão de
burocratas estatais, justamente as pessoas menos sensíveis às consequências de
maus resultados?
Apenas imagine se fosse uma certificadora privada que houvesse
feito essa lambança. O que aconteceria com ela? Haveria conserto para a sua reputação? Haveria
apenas falência e cadeia. Uma certificadora privada que participasse deste
conluio seria imediatamente denunciada por suas concorrentes, que estariam
ávidas por sua quebra para então assumir sua fatia de mercado.
Conclusão
Essa notícia foi um duplo baque para os intervencionistas
desenvolvimentistas.
Em primeiro lugar, um grande conglomerado
empresarial surgido por meio de subsídios estatais do BNDES
— a trágica política lulista de criar "campeãs nacionais", a qual também se degenerou na derrocada da
Oi — foi flagrado vendendo carne adulterada.
Em segundo lugar, isso só foi possível porque a
empresa anulou o pouco que restava da livre concorrência ao subornar os sacrossantos
agentes fiscalizadores — que estavam ali exatamente para "regular e humanizar
o mercado" — e com isso adquirir uma enorme vantagem no mercado.
Quem regula os reguladores? Quem pune empresas ruins
que operam em um mercado protegido pelo governo?
O fato é que nunca haverá uma escolha entre
regulação e ausência de regulação. Sempre haverá uma escolha entre dois
tipos de regulação: regulação feita por políticos e burocratas, ou regulação
feita pelas forças do mercado.
Sim, empreendedores salafrários existem aos montes.
Só que, quanto mais livre e concorrencial for o mercado em que operam, mais
restritas serão as chances de sucesso, e mais honestos eles serão forçados a ser. E
eles terão de ser honestas por puro temor de que, uma vez descobertas suas
trapaças, eles serão devoradas pela concorrência, podendo nunca mais recuperar
sua fatia de mercado e indo a uma irrecuperável falência.
Por outro lado, quanto maior for a regulamentação
governamental sobre um setor, mais incentivos existirão para a corrupção, para o
suborno, para os favorecimentos e para os conchavos. Em vez de se
concentrar em oferecer bons produtos e superar seus concorrentes no mercado, as
empresas mais poderosas poderão simplesmente se acertar com os burocratas
responsáveis pelas regulamentações, oferecendo favores e, em troca, recebendo passes-livres
— e também proteções, como restrições e vigilâncias mais apertadas para a
concorrência.
O que tudo isto demonstra irrevogavelmente é que,
quanto mais tarefas você delega ao estado, quanto mais monopólios você permite
que ele detenha, e quanto mais regulamentações você defende que ele imponha,
mais os trapaceiros se aproveitarão. E você será o maior prejudicado.
___________________________________________________
Leituras complementares:
IVC - 51 anos de regulação privada no Brasil
A bem-sucedida regulação privada
Precisamos falar sobre o "capitalismo de quadrilhas"
O estado agigantado gerou o estado oculto, que é quem realmente governa o país