O empreendedor é uma figura central na linha de
pensamento liberal e visto como a força motriz do livre mercado. O ato de
empreendedorismo consiste em arriscar o seu capital monetário em um ambiente de
incertezas em busca de oportunidades de lucros futuros.
Em um modelo de livre concorrência, um
empreendimento continuaria prosperando na medida em que continuasse atendendo
as demandas da sociedade e a tornando mais rica.
De acordo com este
estudo acadêmico de 2013, 58%
dos bilionários do mundo obtiveram sua riqueza por meio do empreendedorismo.
Dentro da lista dos bilionários que não são empreendedores puros, muitos o são
por causa da herança legada por seus pais empreendedores ou porque se tornaram
CEOs de empresas de grandes empreendedores.
Isso significa que os liberais deveriam abraçar os
empresários presentes na lista da Forbes como heróis da livre iniciativa dignos
dos vales das ficções de Ayn Rand? De maneira alguma.
Como lembra este
outro estudo acadêmico,
existem diferentes categorias de empreendedorismo: o produtivo e o improdutivo.
O empreendedorismo produtivo seria aquele que melhora o valor social dos
recursos por meio da inovação, criando riqueza e prosperidade. Já o
empreendedorismo improdutivo seria aquele que desperdiça recursos por meio do rent seeking, diminuindo a criação de
riqueza e gerando pobreza.
O rent seeking seria a
captura das instituições regulatórias, de políticos e de burocratas com
objetivo de obter privilégios em favor de grupos interesses. Tais privilégios criam
reservas de mercado, distorcem a concorrência, dificultam a entrada de novos
empreendedores e diminuem as opções dos consumidores.
O arcabouço institucional será essencial para a escolha
dos empreendedores: ou eles optarão pela árdua inovação ou simplesmente irão direto
para o rent seeking. Em
ambientes no qual o estado possui um maior poder de intervenção no mercado, o
ganho pela inovação é mais trabalhoso e menos recompensador, ao passo que os
ganhos oriundos do rent seeking se
tornam muito maiores e mais garantidos.
O investidor e escritor Ruchir Sharma, em seu
livro "The
Rise and Fall of Nations", apresenta uma medida útil para verificar o grau
de rent seeking na origem dos
bilionários de um país. O economista indiano argumenta que, se mais de 30% dos
bilionários de determinado país são oriundos dos setores de construção
civil/infraestrutura, mineração, petróleo, e bancos/mercado financeiro, então
isso é um sinal problemático, pois são justamente esses os setores nos quais os
empresários alocam mais tempo para capturar reguladores e políticos para obter
favores aos seus negócios.
Não é coincidência que esses sejam os setores dos
bilionários, e hoje presidiários, Eike Batista, André Esteves e Marcelo
Odebrecht.
Em sua obra, ele aponta que 64% dos bilionários
brasileiros entram nesta categoria e podem ser definidos como "maus
bilionários". Além disso, Sharma afirma que "maus bilionários" frequentemente surgem
de impérios familiares em países emergentes, onde instituições mais fracas permitem
que velhas famílias cultivem fortes laços com políticos, tendo como consequência
inevitável as trocas de favores e a corrupção.
Isso não significa que os "bons bilionários" não
possuíram nenhuma relação com o governo no desenvolvimento do seu
empreendimento. Significa apenas que ela não foi o fator mais determinante.
As relações promíscuas entre o empresariado
brasileiro e o sistema político estão longe de ser uma novidade. Contribuindo
para essa discussão é possível citar o trabalho do historiador econômico Aldo
Musacchio "Experiments
in Financial Democracy: Corporate Governance and Financial Development in
Brazil, 1882-1950", no qual ele aborda a história do declínio do mercado de
capitais e a consolidação do estatismo em nosso país.
Musacchio mostra que, entre 1905 e 1913, o Brasil
teve um boom financeiro com um volume de IPOs superior aos atuais, e as
empresas possuíam estatutos que protegiam os acionistas minoritários. A base de
investidores não era limitada aos empresários do café e contemplava muitos
comerciantes, profissionais liberais e também viúvas.
Após duas guerras mundiais, a instabilidade
econômica aumentou em
conjunto com a inflação de preços, e isso afetou diretamente o potencial de
retorno do investidor no mercado de capitais. Consequentemente, a estrutura de
finanças corporativas no Brasil mudou drasticamente após a década de 1930 e 40,
com os bancos suplantando o mercado de ações e de títulos como fonte de financiamento
e investimentos. Já o governo, por meio da criação de bancos de
desenvolvimento, assumiu o papel de fornecedor de crédito de longo prazo
(utilizando os impostos da população) ao passo que os bancos comerciais passaram
a se concentrar apenas nos empréstimos de curto prazo.
A partir deste período, o governo tornou-se o maior
acionista da economia brasileira, atuando por meio de socorros a empresas que
tiveram problemas após as guerras e também por meio da criação de empresas
estatais em diversos setores.
O período de crescimento do governo como acionista está
fortemente correlacionado com a queda na qualidade da governança corporativa vivenciada
pelas empresas antes da primeira guerra mundial. A antes diversificada base de
proprietários foi se tornando cada vez mais concentrada: poderosos grupos
familiares e o governo se tornaram os proprietários majoritários das ações com
direito a voto.
Esse caráter de domínio de famílias nos
conglomerados empresariais brasileiros é encarado de maneira muito crítica pelos
investidores internacionais, pois é exatamente essa alta concentração o que
permite que essas famílias possuam alto poder de influência e lobby no sistema
político.
A governança corporativa das grandes corporações
brasileiras passou a dispensar cada vez menos atenção à proteção dos
investidores que adquiriam títulos e ações no mercado financeiro e passou a se
concentrar cada vez mais em como ter acesso aos financiamentos estatais e a assegurar
crédito de curto prazo junto aos bancos.
O professor Sergio Lazzarini, do Insper, em seu
importante livro "Capitalismo
de Laços, explicitou as relações do empresariado brasileiro com o governo durante
um período mais recente da nossa história. O termo capitalismo de laços é
outra maneira de descrever o nosso sistema econômico
intervencionista, no qual contatos e alianças de interesses econômicos e
políticos influenciam e
distorcem a economia de mercado.
Uma das pesquisas citadas por Lazzarini que
evidencia esses laços é o artigo "Political
connections and preferential access to finance: the role of campaign
contributions", de Claessens, Feijen e Laeven, que utilizou informações das
campanhas de 1998 e 2002 no Brasil. Os autores encontraram evidências de que a
atividade política das empresas por meio de doações de campanha é um fator
relevante para explicar as diferenças de acesso ao financiamento.
Quem mais doou para os políticos vencedores das
eleições obteve mais recursos financeiros no período posterior.
Curioso com o fenômeno da dita "liberalização
econômica" da economia nos anos 1990, Lazzarini resolveu pesquisar mais a fundo
a hipótese de que o governo havia diminuído sua participação na economia
brasileira e de que o capital externo havia aumentado. Para sua surpresa, tais
fenômenos não só não ocorreram, como os tentáculos do estado na economia
cresceram ainda mais por
meio do BNDES e dos fundos
de pensão de empresas estatais.
Diferente da caricata visão dogmática dos
intelectuais socialistas de que o país vivia sob um total "neoliberalismo" e as
empresas estavam livres das amarras do estado por meio das privatizações, os
dados demonstraram que a participação e o potencial de controle do governo na
economia aumentaram após o processo
de privatizações.
Os precedentes criados pelo defeituoso modelo de
privatização adotado no país permitiram uma intensificação desse
capitalismo de laços a partir de 2003. Lazzarini explica que os
empresários enxergam os laços com o governo como uma forma de se capitalizar e
de se proteger, ao passo que o governo vê os laços com o empresariado como uma
forma de direcionar a
atividade econômica.
Sendo assim, um bilionário brasileiro dificilmente
vai ser o herói criador de riquezas que está sempre alerta aos desejos dos
consumidores e à criação de um novo produto, serviço ou processo de produção mais
eficiente para preencher uma lacuna do mercado antes dos demais concorrentes.
Por trás da mão invisível do mercado existe um punho pesado e forte do estado
subsidiando e o protegendo da concorrência.
O fato é que nenhum empresário pode comprar favores
de um burocrata que não tenha favores para vender. As distorções econômicas são
consequências inevitáveis de um modelo intervencionista que anula o livre mercado,
retirando o poder de decisão da sociedade (consumidores) e o entregando a
políticos e burocratas, que então assumem a tarefa de decidir quais empresas irão
prosperar (com o dinheiro de impostos dos cidadãos).
Não existe nada mais contraditório do que afirmar ser
contra os monopólios dos bilionários e sugerir como solução a atuação de
agências monopolistas no papel de regular qualidade, segurança e concorrência. Uma
genuína livre concorrência precisa ser defendida em todos os segmentos, incluindo os regulatórios.
Somente com a quebra dos laços entre o empresariado e o estado será possível
emergir riqueza proveniente unicamente do valor e da prosperidade gerados pelo
empreendedorismo.
A verdade é que, no modelo de capitalismo de laços,
um dono de uma barraquinha de tapioca ou uma jovem proprietária de uma
inovadora startup são representantes muito mais fieis do pensamento liberal do
que o bilionário capitalista médio.
Por isso, olhemos menos para as listas dos mais
ricos do país e procuremos mais heróis da livre iniciativa naqueles que
enfrentam todos os dias as diversas regulações e restrições ao
empreendedorismo.
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