sexta-feira, 26 0aio 2017
O
artigo a seguir é uma adaptação desta apresentação feita pelo autor na ocasião da V Conferência de Escola Austríaca,
ocorrida nos dias 12 e 13 de maio, em São Paulo. Daí seu tom mais coloquial.
A última conferência do Instituto Mises Brasil
ocorreu no dia 7 de setembro de 2014, há dois anos e oito meses.
Naquela ocasião, estávamos às vésperas de uma eleição
presidencial, e a economia já mostrava vários sinais de desarranjo.
Esta era a principal notícia da época, do final de
agosto de 2014:

O Brasil havia oficialmente acabado de entrar em
recessão. O primeiro trimestre de 2014 já havia tido PIB negativo. O segundo
também.
Dois trimestres seguidos de PIB negativo
configuravam recessão técnica.
Ou seja, nós estamos convivendo com este termo —
"recessão" — desde o início de 2014. É muito tempo.
Um fato que chamou muito a atenção à época era a
queda contínua e cada vez mais acentuada nos investimentos.

Também muito comentada era a queda na produção
industrial.

Eis uma pequena coletânea das notícias da época.
Pedidos
de falência cresceram 28,8% em julho
Inadimplência
das empresas tem maior alta para julho desde 2000
Bate
recorde o número de empresas inadimplentes, diz Serasa
Número
de inadimplentes chega a 57 milhões e bate recorde, diz Serasa
Produção
e vendas de veículos no Brasil têm o pior julho desde 2006, diz Anfavea
Retração
no varejo e na indústria faz com que a receita do setor de serviços tenha o
menor crescimento da história
Persiste
o desaquecimento do setor de construções
Futebol
brasileiro entra em recessão, segundo estudo de consultoria
Todas essas notícias, repito, de meados de 2014.
E quais foram as notícias de lá pra cá?

Economia encolhe 3,8% em 2015.

Economia encolhe mais 3,6% em 2016.
Consequência?
Com esses dois anos seguidos de recessão, a economia
encolheu 7,2%. E voltou ao mesmo tamanho que tinha em 2010.
Regredimos sete anos em dois. Um bom Plano de Metas...
Temos hoje uma economia do mesmo tamanho da de 2010,
mas com uma população muito maior, pois a população cresce anualmente. (Hoje, a
população brasileira é 5,4%
maior do que era em 2010).
Economia menor com uma população maior, a
consequência é inevitável:

Recorde no número de desempregados: 14,2 milhões.
E estas são estatísticas oficiais do governo, o que
significa que esse número ainda é subestimado. O número real deve ser bem
maior.
Cinco
pontos
E então?
1) O que aconteceu de 2014, data da nossa última
conferência, até hoje?
2) Por que dois anos de depressão?
3) Por que o desemprego foi para dois dígitos? Hoje
ele é de 13,7%.
4) Por que a inflação de preços esbarrou
em 11% em 2015? E por que ela está em queda
acentuada hoje?
5) Por que os governos estaduais entraram
em crise financeira?
Estes são os pontos que pretendo cobrir nesta palestra.
O
que causou e o que intensificou a recessão
Em 2014, como mostrado acima, já estávamos em
recessão. As causas da recessão foram as políticas intervencionistas da Nova Matriz Econômica,
que foi o assunto daquela
minha palestra de 2014.
Todas as políticas da Nova Matriz Econômica —
política fiscal expansionista, juros artificialmente baixos, crédito subsidiado
pelos bancos estatais, controle de preços, e aumento das tarifas de importação
para "estimular" a indústria nacional — já foram detalhadas em ordem
cronológica neste
artigo, de modo que elas não serão novamente abordadas aqui.
Meu principal objetivo é mostrar como foi que dois
itens específicos da Nova Matriz Econômica se combinaram, bagunçaram toda a
economia e, quando o governo foi tentar corrigi-los, a situação se agravou e
ele transformou uma recessão em depressão.
Ou seja, o objetivo é mostrar que, quando o governo
tentou corrigir uma lambança feita por ele próprio, essa tentativa de correção
acabou por intensificar ainda mais a recessão e gerar uma depressão.
Começo com este gráfico, já velho conhecido dos
nossos leitores, que é o gráfico da expansão do crédito até o final de 2014, ocasião
da nossa última conferência.

A linha azul mostra o total de crédito concedido
pelos bancos privados. (Itaú, Bradesco, Santander, HSBC (que hoje é do
Bradesco), Citibank e vários outros pequenos). É o total de dinheiro que os
bancos privados estão concedendo a pessoas e empresas que pedem empréstimos.
A linha vermelha mostra o total de crédito concedido
pelos bancos estatais. (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES e
outros bancos públicos estaduais, como Banrisul, BRB, Banco do Nordeste, Banco
da Amazônia, Banestes etc.)
Mais especificamente, a linha vermelha engloba BNDES emprestando para
as empreiteiras da Lava-Jato, para Eike Batista, para as empresas da J&F
etc; e Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil financiando imóvel, Minha Casa
Minha Vida, Pronatec, Fies, fazendo as pedaladas fiscais etc.
A soma das linhas azul e vermelha representa o total
de dinheiro que os bancos já jogaram na economia. Todo o processo de expansão
de crédito nada mais é do que um mecanismo que aumenta a quantidade de
dinheiro na economia.
De uma maneira bem sucinta, se a expansão do crédito
aumenta muito a ponto de ameaçar a inflação de preços, o Banco Central sobe a
taxa básica de juros — a SELIC —, a expansão do credito desacelera, e os
preços passam a subir menos.
De maneira bem resumida e grosseira, isso é o básico
de política monetária.
Só que, no Brasil, há uma jabuticaba. Os bancos
estatais são imunes à SELIC. Eles trabalham com uma modalidade de crédito
chamada "crédito
direcionado".
Isso significa que os bancos estatais são obrigados,
pelo governo, a direcionar empréstimos a juros bem abaixo da SELIC para alguns
setores escolhidos pelo governo — como o setor imobiliário, o setor rural, o
setor exportador, as empreiteiras e os barões do setor industrial.
Quem banca tudo isso somos nós, os pagadores de
impostos. O governo arrecada nosso dinheiro via impostos, repassa para os
bancos estatais, e estes então emprestam esse dinheiro — a juros abaixo da
SELIC — para empreiteiras, para compradores de imóveis, para o setor
industrial etc.
Ou seja, aquela linha vermelha não obedece a
variações na SELIC. (Veja aqui nesta tabela os
valores dos juros. Bem abaixo da SELIC.)
Repare também que, no período de 2008 a 2014, os
bancos estatais jogaram nada menos que um
trilhão e 300 bilhões de reais na economia. Só os bancos estatais.

Por fim, vale notar dois fenômenos:
1) O crédito dos bancos estatais, linha vermelha,
começou a se acelerar a partir do final de 2008. Veja o crescimento
exponencial. Ali foi o início da Nova Matriz Econômica. O uso dos bancos
estatais é o principal pilar da "Nova Matriz Econômica".
2) O crédito no Brasil foi efetivamente estatizado a
partir de 2013. O volume de crédito dos bancos estatais ultrapassou o dos
bancos privados em 2013.
Tendo entendido isso, vejamos agora as trapalhadas
feitas pelo governo.
As
lambanças
O governo Dilma adotou três medidas que permitiram que esse aumento acelerado do crédito
estatal pudesse se prolongar por muito tempo sem gerar um grande descontrole
dos preços.
Foram três medidas que possibilitaram que essa
grande expansão do crédito não explodisse o IPCA.
1)
A primeira medida foi boa. Ainda em 2012, o governo reduziu
impostos e fez desonerações.

Reduzir impostos não necessariamente gera uma
redução de preços, mas ajuda a evitar
aumentos de preços. Se os empresários estão pagando menos imposto, sua
margem de lucro aumenta. E aí a necessidade de aumentar preço diminui.
2)
A segunda medida foi péssima. Também em 2012, o governo decidiu intervir no
sistema elétrico. Por decreto, ele revogou os
contratos das empresas de geração e transmissão de energia.

O objetivo era fazer novos contratos impondo tarifas
menores. Com isso, os preços das tarifas caíram e, aí sim, jogaram para baixo o
IPCA. O IPCA começou a apresentar uma inflação de preços menor. (Isso será
mostrado mais abaixo).
3)
Já a terceira medida começou há mais tempo: a partir de 2011, o governo obrigou
a Petrobras a vender para as distribuidoras gasolina
e diesel abaixo do preço pelo qual foram importados.
Eis uma notícia da época.

Consequentemente, os preços da gasolina e do diesel,
que são um dos principais componentes dos índices de inflação, ficaram praticamente
congelados de 2011 a 2014.
Inflação
de preços artificialmente controlada
Essas três medidas seguraram artificialmente o IPCA.
E permitiram que a expansão do crédito continuasse por um período de tempo bem
prolongado. De novo, veja como o crédito estatal cresce exponencialmente até
2014.

E sem gerar uma inflação de preços excessivamente
alta.
No gráfico abaixo, a taxa de inflação dos preços livres
e dos preços controlados de 2004 até o final de 2014.

Os preços livres, linha azul, são os preços
determinados livremente pelo mercado: alimentos; artigos de limpeza, higiene e
beleza; móveis; utensílios domésticos; equipamentos eletro-eletrônicos; produtos
de cama/mesa/banho; bebidas; roupas; cursos; produtos in natura; consertos
domésticos; conserto de carro; lavagem de carro; estacionamento; recreação e
cultura; dentistas e todos os tipos de serviços pessoais.
Já os preços controlados, linha vermelha, são os
preços administrados diretamente pelo governo: combustíveis, energia elétrica,
gás de bujão, pedágio, taxa de água e esgoto, planos de saúde, tarifas de
celular e de telefonia fixa, remédios e outros produtos farmacêuticos,
licenciamento etc.
Observe que, com aquelas medidas adotadas, o governo
consegue, a partir de 2011, derrubar a inflação dos preços controlados aos menores níveis em uma década.
Repare também que, em 2012, ele consegue reduzir a
inflação dos preços livres por causa daquela redução de impostos. É verdade que
os preços livres voltaram a subir em 2013, mas, em compensação, a inflação dos
preços controlados foi, naquele ano, a menor em mais de uma década.
Ou seja, o IPCA foi segurado.
Essa política de controle de preços permitiu que o
crédito estatal continuasse crescendo aceleradamente até o final de 2014. E
isso permitiu que a renda e o emprego continuassem aumentando — ainda que cada
vez menos.
E garantiu a reeleição (apertada) de Dilma Rousseff.
O
inevitável ajuste
Só que a economia não leva desaforos. Nenhum esquema
artificial pode se prolongar para sempre.
A economia sempre acaba se ajustando, por bem ou por
mal. E, quanto maiores e mais prolongados forem os desarranjos, mais brutal
será o reajuste. Sempre.
O que aconteceu imediatamente após a reeleição de
Dilma em outubro de 2014? Com o governo já reeleito, objetivo garantido, a
própria equipe econômica começou a fazer o inevitável: o ajuste.
E o governo tinha de fazer um ajuste porque tudo
estava desarrumado.
a)
Para começar, o governo tinha de aumentar aqueles impostos que ele diminuiu
porque ele estava fechando o ano com déficit primário, algo
que não acontecia desde a década de 1990.
b)
Ele também tinha de aumentar o preço da gasolina porque a Petrobras estava
descapitalizada por causa dos preços congelados. Eis uma notícia do início de
2015.

O capital da Petrobras foi dizimado porque a
política era importar gasolina e diesel caros e revender barato.
(Como curiosidade, este valor de R$ 60 bilhões é
muito maior do que todos os desvios da corrupção na Petrobras, que são estimados
em R$ 40 bilhões).
Até o próprio chefe reconheceu o erro.

c)
Finalmente, o governo tinha de aumentar as tarifas de energia elétrica porque
as distribuidoras estavam indo à falência.
Só para relembrar, o governo havia revogado os contratos
das empresas de geração e transmissão de energia. Isso obrigou as
distribuidoras a recorrer ao mercado de curto prazo, onde a energia é bem mais
cara. Consequentemente, as distribuidoras tinham de comprar caro e revender
barato, porque o preço da revenda estava congelado pelo governo.
Consequentemente, elas ficaram
insolventes. E o Tesouro, àquela época, já as estava socorrendo com o nosso
dinheiro.

Mas de nada adiantou.

Ou seja, estava tudo desarrumado e o governo tinha
de liberar os preços e fazer um ajuste.
A
explosão
Imediatamente após a reeleição de Dilma, o Banco
Central começou a subir a SELIC.

Óbvio. Ele sabia que os preços estavam prestes a ser
corrigidos.
E como foi essa correção dos preços? Uma
carnificina.
Abaixo, o gráfico da taxa de inflação dos preços
livre (azul) e controlados (vermelha).

Tão logo os preços foram liberados e corrigidos,
houve o inevitável: a correção dos preços represados virou uma explosão.
Observe o reajuste dos preços controlados. Na média,
eles chegam a aumentar 18% só em 2015.
Conta de luz chegou a subir
80% em algumas cidades. Os combustíveis, entre
25 e 50%, dependendo
da localidade.
Quando os preços da gasolina, da energia elétrica e
do gás disparam, os custos operacionais da indústria, do comércio e dos
serviços aumentam. Consequentemente, todos tendem a repassar esse aumento para
os preços.
Veja no gráfico acima o comportamento dos preços
livres. Embora eles tenham subido menos que os preços controlados, ainda assim
apresentaram a maior taxa de aumento desde 2004. Quase 9%.
Também em 2015 houve uma forte desvalorização
cambial. O dólar pulou de 2,50 pra 4,20 em 2015. Isso pressionou ainda mais os
preços livres.

O
Banco Central que ninguém levava a sério
Com essa disparada geral de preços, o Banco Central agiu
exatamente como determina o seu mandato: se os preços sobem, ele eleva a taxa
básica de juros. Ato contínuo, a instituição foi elevando a SELIC até chegar a
14,25%, em julho de 2015.

E aí aconteceu a segunda lambança.
Sim, o Banco Central fez exatamente o que era
esperado dele. Era o que ele tinha de fazer.
O problema é que aquela diretoria específica do
Banco Central, sob o comando do senhor Alexandre Tombini,

não tinha mais nenhuma credibilidade perante os
formadores de preço.

Todos os agentes da economia já haviam percebido que
aquele Banco Central não tinha e nem nunca teve nenhum compromisso com uma
inflação de preços baixa.

Desde janeiro de 2011, quando Tombini foi empossado,
a meta de inflação de 4,50% nunca havia sido cumprida.
Todos os agentes econômicos formadores de preços já
haviam percebido que aquele Banco Central na verdade perseguia o teto da meta
(que é 6,50%) e nunca o centro da meta, e todos já haviam percebido que a
instituição não tinha nenhuma autonomia. Apenas seguia ordens políticas.

Consequentemente, com esse histórico, ninguém levou
a sério os aumentos da SELIC. Ninguém acreditou que "ah, agora o Banco Central
finalmente vai começar a combater a inflação!".
No fundo, era tudo uma questão de "expectativas
deterioradas": dado que as pessoas passaram os últimos 5 anos convivendo com
uma inflação
de preços constantemente acima da meta, elas simplesmente incorporaram
aquilo como um dado da realidade, e passaram a agir como se a inflação de
preços fosse continuar permanentemente alta no futuro. Acrescente a isso a
disparada dos preços controlados, e você tem a tempestade perfeita.
Consequentemente, todos seguiram reajustando seus
preços normalmente, ignorando o aumento da SELIC. Dentistas, encanadores, advogados,
mecânicos, indústrias, comércio e serviços — todos incorporaram essa
expectativa de que a inflação de preços continuaria alta no futuro,
independentemente dos juros. Consequentemente, reajustaram seus preços
baseando-se nessas expectativas.
Trata-se de um processo meramente defensivo, por
meio do qual as pessoas tentam preservar sua renda real.
Veja de novo o gráfico da taxa de inflação dos
preços livres.

Maior crescimento em mais de uma década. Quase 9% ao
ano.
Esse é o problema quando se tem um Banco Central sem
credibilidade. Se ninguém mais acredita na seriedade de seus membros e em seus
métodos, todos seguem reajustando preços normalmente.
O
dinheiro sumiu
Mas aí aconteceu o inevitável.
Com a elevação da SELIC para 14,25% — o
maior nível desde 2006 —, com os preços em forte alta, com a elevação dos
impostos, com o acentuado desequilíbrio orçamentário do governo federal, e com
uma economia que já estava em recessão desde 2014 (e com claros sinais de
deterioração), os "donos do dinheiro" foram buscar abrigo em aplicações
financeiras.
Foi a chamada "fuga para a segurança". Quem tinha
dinheiro decidiu protegê-lo da forma menos arriscada possível.
Os empreendedores, por exemplo, tiraram seu dinheiro
dos investimentos produtivos e foram para a renda fixa.
O gráfico a seguir mostra a evolução da quantidade
de dinheiro nas contas-correntes dos bancos. Essa modalidade é importante
porque mostra a quantidade de dinheiro prontamente disponível para empresas
consumirem e investirem. Como se trata de uma aplicação que não paga
juros, o dinheiro em conta-corrente representa aquele dinheiro que está sendo
continuamente transacionado na economia.

Dinheiro na conta-corrente, vale repetir para
ressaltar, é aquele dinheiro de liquidez imediata, que não recebe juros e que está
sendo diariamente transacionado na economia em montantes volumosos.
É o dinheiro realmente líquido.
No caso das empresas, dinheiro na conta-corrente é
aquele dinheiro que elas usam para consumir, investir, contratar mão-de-obra e
pagar salários. É o capital de giro.
Quando a quantidade deste dinheiro está crescendo,
isso significa que as empresas estão com mais capital de giro e com mais
dinheiro disponível para investir e ampliar sua capacidade produtiva. Significa
também que suas receitas nominais são crescentes. Já quando esse dinheiro
está diminuindo, isso significa que as empresas estão retirando dinheiro da
conta-corrente e aplicando em outras modalidades, como CDB, fundos de
investimento e títulos do Tesouro, para se aproveitar dos juros. Ou seja,
não estão dispostas a investir na economia.
Com a SELIC a 14,25% e com os preços ainda subindo
aceleradamente, houve uma revoada. A queda na quantidade de dinheiro nas
contas-correntes foi absolutamente sem precedentes. Foi uma queda de 18% em um ano.
Desde a criação do real em 1994, nunca tinha
acontecido nem sequer queda, muito menos uma queda de 18%.
As pessoas e as empresas abriram mão da liquidez e
levaram o dinheiro para aplicações financeiras que estavam pagando juros altos
e que ao menos protegiam um pouco da inflação.
Para quais aplicações?

A linha azul mostra as aplicações em fundos de investimento.
A linha vermelha mostra as aplicações em CDBs, LCIs, LCAs, debêntures e Letras
de Câmbio. E a linha verde mostra todos os títulos federais em posse de pessoas
e empresas.
As pessoas saíram da liquidez e foram com força pra
renda fixa. O movimento começou já em 2014, mas se intensificou em 2015.
Vale ressaltar que, embora nos outros anos também
tenha havido grande expansão dessas aplicações, elas ocorriam em simultâneo a um aumento nas
contas-correntes, o que significa que a quantidade de dinheiro aumentava como
um todo. Em 2015, não.
A quantidade de dinheiro líquido na economia desabou
em 2015. Uma queda na liquidez dessa magnitude nunca houve. O volume de
dinheiro líquido regrediu ao mesmo nível do início de 2010. Regredimos 7 anos.

No caso de empreendedores, dinheiro que seria
direcionado para investimentos produtivos e para a contratação de mão-de-obra
foi simplesmente direcionado a aplicações financeiras. Óbvio. Quem não fizesse
isso teria seu poder de compra destruído pela inflação.
A própria caderneta de poupança também registrou
contração. Vinha crescendo forte, parou de crescer em 2015 e começou a
encolher.

Ou seja, foi uma revoada geral. Todo mundo saiu da
liquidez e foi se proteger em aplicações financeiras de maior rentabilidade e
menor liquidez.
A
recessão virou depressão
Então, esse era o cenário em 2015:
a) menos dinheiro voltado para investimentos
produtivos, para a contratação de mão-de-obra, para salários e para consumo;
b) e preços ainda subindo forte, porque ninguém
levava o Banco Central a sério.
Vale repetir:
enquanto os preços subiam quase 11%, a quantidade de dinheiro líquido na economia encolhia 18%.
Menos dinheiro na economia e preços em alta.
Quais os resultados?
1)
Queda na renda real das pessoas.

E bem forte.

De mais de 7%.
2)
Queda forte nos investimentos.
Este gráfico mostra a Formação Bruta de Capital
Fixo. Começou a cair no final de 2013, e desabou com força em 2015.

Queda de 18% apenas em 2015.
3)
E explosão do desemprego.

4)
Acrescente a esta mistura o fato de que as pessoas estavam
endividadas em níveis recordes em decorrência de toda a expansão do crédito
do período anterior.

E tem-se um cenário de desespero geral. Preços em
alta, dinheiro literalmente encolhendo, desemprego explodindo e dívidas.
E então aconteceu o inevitável:
5)
Indústria com recorde de ociosidade.

6)
Comércio encolhendo.


Shoppings com metade das lojas fechadas e shoppings
recém-construídos às moscas.
7)
E até mesmo os restaurantes, um setor geralmente blindado contra crises sofreu.

Junto com os bares.

Controle de preços + expansão do crédito
+ Banco Central sem credibilidade = tragédia
Essa foi a tragédia gerada pelo intervencionismo do
governo e por um Banco Central sem credibilidade.
Pra recapitular:
a) O governo controlou preços, mas continuou
injetando dinheiro na economia via crédito estatal. A demanda crescia, mas os
preços seguiam congelados.
b) Vários desajustes foram se acumulando.
c) Quando houve o ajuste, todos os preços
explodiram.
d) O Banco Central teve de subir a SELIC a um valor
muito alto para tentar conter essa inevitável explosão dos preços.
e) Mas os preços continuaram subindo mesmo assim, pois
ninguém levava aquele Banco Central a sério.
f) Só que os juros já estavam altos o bastante pra
reduzir a quantidade de liquidez na economia.
g) A quantidade de dinheiro líquido na economia
desabou, mas os preços continuaram subindo.
Vale repetir: Enquanto
os preços subiam 11%, a quantidade de dinheiro líquido na economia encolhia
18%.
Aquela sensação de falta de dinheiro e de queda na
qualidade de vida das pessoas, principalmente dos mais pobres, era real. Passou
a haver menos dinheiro para lidar com preços mais altos.
"O dinheiro tá curto!" era o que todos diziam. Eis a
explicação.
Crise
nos estados
Qual foi a outra consequência disso tudo? A crise
financeira dos estados.

Durante a época da expansão do crédito, ou seja, até
2014, a renda das pessoas crescia, os investimentos aumentavam e,
principalmente, as receitas dos governos estaduais
se expandiam.
Consequentemente, esses governos acreditaram que
suas receitas futuras também iriam aumentar para sempre. Afinal, se
aumentou continuamente no passado, vai continuar aumentando no futuro. Cabeça de
político.
E então eles expandiram
seus gastos, incharam sua
folha de pagamento, e deram aumentos salariais sucessivos
para o funcionalismo público.

Mas aí aconteceu a recessão que virou depressão, houve
a redução da quantidade de dinheiro na economia, e inevitavelmente a
arrecadação dos governos desabou.
Governo só arrecada quando o dinheiro é
transacionado continuamente. Se a liquidez cai, a arrecadação também cai. Há
hoje menos dinheiro para os governos arrecadarem. Tanto é que seguidamente sai
notícia de que a arrecadação caiu em relação ao ano anterior.

Vale enfatizar: o atual desarranjo das contas dos
governos é uma consequência direta dos
aumentos de gastos feitos no passado.
Como há hoje menos dinheiro para os governos
arrecadarem, tais aumentos de gastos não mais têm como ser financiados.
E ainda mais importante: dado este comportamento do dinheiro, aumentar impostos não adianta, não.

A única solução para os governos estaduais é cortar gastos. Não há mágica. Se não
cortar gastos a conta não vai fechar.
Troca
de governo
Entremos agora em 2016. Mais especificamente, em
maio de 2016.
O que houve naquele mês? Trocou-se o governo,
trocou-se a equipe econômica, e trocou-se a diretoria do Banco Central.

Em
sentido horário: Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn, Maria
Silvia Bastos Marques e Mansueto de Almeida
Com um Banco Central agora mais sério e com um
Ministro da Fazenda com bem mais credibilidade (e que montou uma equipe
exclusivamente técnica), a expectativa das pessoas quanto à inflação mudou. Os
formadores de preços mudaram de atitude.
Para começar, o dólar caiu de R$
4 pra R$ 3,15.
Os preços livres, que até então vinham sendo
reajustado com intensidade, pararam de ser reajustados.

Hoje, a inflação dos preços livres é a menor desde o
início de 2006.
Sim, é claro que toda aquela contração monetária
ajudou, e muito, a conter o aumento dos preços. Mas a contração já existia
desde o início de 2015.
Foi
a troca da equipe econômica o que acelerou o processo de
contenção de preços. Foi exatamente no meio do ano, tão logo houve a troca de
governo e de equipe econômica, que os preços passaram a se estabilizar.
Este é um caso de mudança positiva de expectativas
gerada por uma troca na equipe econômica.
O
efeito não-premeditado e a segunda depressão
Mas aí aconteceu outro efeito não-previsto.
Com essa queda acentuada da inflação de preços, os
juros reais dispararam. Por quê? Porque a SELIC continuou alta, mas a inflação
de preços desabou.
Este gráfico mostra a evolução dos juros reais
efetivamente praticados. Ou seja, é a taxa SELIC acumulada nos últimos 12 meses
dividida pelo IPCA acumulado também nos últimos 12 meses.

Observe que, no início de 2016, ainda com Tombini no
Banco Central e com a SELIC já em 14,25%, os juros reais estão em apenas 2%. Os
juros reais estavam baixos porque a inflação de preços estava alta.
Com a troca de governo e de equipe econômica, a
inflação de preços passa a desacelerar com força e, consequentemente, os juros
reais disparam.
Atualmente, eles estão em 9%.
Ou seja, quem aplicou em papeis atrelados à SELIC ou
ao CDI em maio de 2016 teve um rendimento bruto de 9% acima de inflação até
abril de 2017.
E o que é mais interessante: mesmo com as recentes
reduções na SELIC (que já caiu de 14,25% para 11,25%), os juros reais
continuaram aumentando. Porque a SELIC
caiu, mas a inflação de preços caiu muito mais.
(O gráfico acima, inclusive, mostra por que ainda há
muito espaço para grandes reduções na SELIC sem nenhum susto).
O problema disso tudo é que juros reais em ascensão
são grandes inibidores de investimentos produtivos. Afinal, se você consegue
ganhar 9% acima da inflação, e sem risco, por que você iria se aventurar no
setor produtivo? Por que você iria colocar seu capital em risco produzindo
coisas para as quais você não sabe se haverá demanda e contratando mão-de-obra
que pode lhe trazer dor de cabeça e processos trabalhistas?
Mais ainda: se você consegue 9% de ganho real sem
risco, e o cenário político está uma zorra, como foi em 2016, então não há dúvidas:
a opção racional é realmente tirar seu dinheiro do setor produtivo, ir pra
renda fixa, e esperar.
Consequência de tudo isso?
Voltemos ao gráfico da expansão do crédito, agora
atualizado para o fim de 2016.

Observe que, em 2016, tanto o crédito privado quanto
o crédito estatal estão em contração.
O crédito privado, que ficou estagnado em 2015, se
retraiu em 2016 porque a SELIC e os juros reais continuavam altos e por causa
do cenário político.
Já o crédito estatal — que não reage à SELIC —
encolheu por vários motivos. O BNDES, agora sob o comando de Maria Silvia
Bastos Marques (de
quem Joesley Batista reclamou, o que é um ótimo sinal), suspendeu novos
empréstimos por causa da Lava-Jato. Já Caixa e Banco do Brasil estavam com os
balancetes em frangalhos por causa de pedaladas fiscais e dos vários calotes
que levaram.
O fato é que ambas as modalidades de crédito
entraram em contração. Isso foi um fenômeno inédito. Nunca tinha acontecido na
história do real.
As pessoas e as empresas não só não estavam pegando empréstimos como ainda estavam tentando quitar
os empréstimos pendentes.
Essa grande contração monetária (iniciada em 2015) e
do crédito (em 2016) gerou a atual queda (forte) da inflação de preços.
E gerou também o segundo ano da depressão econômica.
O que nos leva ao último ponto.
A
crise política
Eis o que realmente agravou tudo, aumentando as
incertezas e travando toda a economia: a crise política.
Estamos hoje vivendo uma grande crise política e uma
enorme incerteza jurídica. E, de novo, nada ilustra isso melhor do que esse
gráfico dos investimentos (formação bruta de capital fixo).

Do terceiro trimestre de 2013 até o final de 2016,
os investimentos encolheram 30%.
Não há crescimento econômico sem investimentos. Não
há empregos sem investimentos.
E investimentos só ocorrem quando o ambiente
econômico e político do país é propício.
Mas se o próprio estado cria um ambiente de
incerteza econômica, política, institucional e jurídica, então os investimentos
não ocorrem. Quem seria louco para se arriscar?
E aí a economia só encolhe.
Conclusão
Tudo isso começou com um controle de preços em
conjunto com uma grande expansão do crédito dos bancos estatais.
Isso criou desarranjos que tiveram de ser
corrigidos. E, quando foram corrigidos, a situação se agravou. Para completar, veio
a crise política, que se intensificou agora em 2017, e acabou por enterrar de
vez as perspectivas de retomada da economia.
Que fique a lição: nenhuma intervenção do estado na
economia passa impune. A economia não é algo que possa ser dirigido desde cima
por iluminados bem-intencionados.
A economia é uma interação diária de milhões
indivíduos. Querer manipular essas interações com decretos e controles de
preços não tem como dar certo. Nunca deu certo em lugar nenhum do mundo.
E, no final, economia sempre se ajusta. A intensidade
do ajuste vai depender da intensidade da intervenção. O governo brincou de
microgerenciar a economia desde 2009, e de maneira cada vez mais intensa. As
consequências estão aí.
E, quando você considera que o grande chefe e
principal mentor de tudo isso tem reais chances de voltar ao poder em 2019, e
ele vai voltar espumando de raiva — já até avisou que vai "mandar prender" quem
falar mal dele —, bom, aí quem vai ser o louco de investir e gerar empregos
nesse país?
Até lá, vamos ficar em suspense, e em suspenso.