segunda-feira, 6 nov 2017
Em meados dos anos 1800, o
governo francês impôs tarifas de importação a uma enorme variedade de produtos,
que iam desde agulhas até locomotivas. A intenção era proteger as indústrias
francesas dos concorrentes estrangeiros mais eficientes, os quais eram capazes
de produzir e vender aos franceses produtos mais baratos do que os similares
produzidos nacionalmente.
À época, o economista francês
Frédéric Bastiat publicou uma satírica proposta ao governo francês (a qual se
tornou tão famosa, que hoje é conteúdo obrigatório em vários livros-texto de
economia e comércio internacional) intitulada Petição dos fabricantes de
velas.
Seu texto sarcástico tinha
por objetivo ajudar os parlamentares franceses a entender que o protecionismo e
o mercantilismo não só não podem transformar um país em uma potência econômica,
como ainda encarecem a produção, aumentam todos os preços e criam várias ineficiências.
A seguir, uma versão encurtada
e editada do clássico
ensaio econômico de Bastiat:
Petição dos
fabricantes de velas, candeias, lâmpadas, candelabros, lanternas, corta-pavios,
apagadores de velas, e dos produtores de sebo, óleo, resina, álcool, e em geral
de tudo relativo à iluminação.
Aos
membros da Câmara dos Deputados.
Cavalheiros:
Sua
principal responsabilidade é para com os interesses do produtor. Os senhores desejam protegê-lo da competição estrangeira e reservar o mercado doméstico para os
produtores nacionais.
Estamos
sofrendo a intolerável concorrência de um rival estrangeiro, o qual possui uma
vantagem competitiva tão incrivelmente superior no que diz respeito à produção
de luz, que ele consegue inundar nosso mercado doméstico com esse produto a um
preço impressionantemente baixo.
No
momento em que ele fornece seu produto, nossos consumidores nos abandonam e
correm para esse nosso rival, e assim uma importante indústria nacional com inúmeras
ramificações é deixada completamente estagnada.
Este rival,
que vem a ser ninguém menos que o sol, faz-nos uma concorrência tão impiedosa, que suspeitamos ser
incitado pela pérfida Inglaterra (boa diplomacia nos tempos que correm!), visto
que o mesmo tem por aquela esnobe ilha uma condescendência que se dispensa de
ter para conosco.
Pedimos-vos
encarecidamente, pois, a gentileza de criardes uma lei que ordene o fechamento
de todas as janelas, clarabóias, frestas, gelosias, portadas, cortinas,
persianas, postigos e olhos-de-boi; numa palavra, de todas as aberturas,
buracos, fendas e fissuras pelas quais a luz do sol tem o costume de penetrar
nas casas, para prejuízo das meritórias indústrias de que nos orgulhamos de ter
dotado o país — um país que, por gratidão, não deve nos abandonar agora em
prol de tão desigual concorrência estrangeira.
Se
os senhores impedirem ao máximo todo o acesso à luz natural, criando assim uma
demanda por luz artificial, qual indústria francesa não se sentirá estimulada? Qual
indústria francesa não será beneficiada por tal protecionismo?
Se
mais sebo for consumido, terá de haver mais gado bovino e ovino; e,
consequentemente, ver-se-á multiplicarem-se as pastagens, a carne, a lã, o
couro e, sobretudo, o estrume, que é o alicerce de toda a riqueza agrícola.
Se
mais óleos forem consumidos, estaremos estimulando a cultura da papoula, da oliveira
e do nabo. Estas plantas ricas e erosivas oportunamente nos permitirão
aproveitarmo-nos da crescente fertilidade que o rebanho adicional trará às
nossas terras.
Nossas
terras áridas serão cobertas com árvores repletas de resina. Numerosos enxames
de abelhas recolherão, nas nossas montanhas, tesouros perfumados que emanam das
flores - as quais hoje desperdiçam suas fragrâncias no ar desértico. Não
haverá, pois, um único ramo da agricultura que não se beneficiará enormemente
de tal política.
As
mesmas observações se aplicam à industrial naval. Milhares de barcos seguirão
para a pesca da baleia e, em pouco tempo, possuiremos uma marinha digna de manter
a honra da França e de atender às aspirações patrióticas de seus peticionários,
os abaixo-assinados fabricantes de velas e outros.
Apenas
tenham a bondade de refletir, cavalheiros, e os senhores se convencerão de que
talvez não haja nenhum francês, desde o rico dono de carvoaria ao mais humilde
vendedor de fósforos, cuja vida não será melhorada por essa nossa petição.
Dado
que os senhores cavalheiros já rejeitam o carvão, o ferro, o trigo e os têxteis estrangeiros pelo fato de seus
preços serem baixos, que inconsistência seria permitir a luz do sol, cujo preço
é zero, durante todo o dia!
Lições econômicas
1. Se você não se opõe a receber a luz do sol gratuitamente, então você também
não pode se opor a ter ao seu dispor produtos estrangeiros baratos e de
qualidade, sejam eles produzidos na China, na Alemanha, no Vietnã ou no México.
Não faz nenhum sentido econômico dizer que o fato de a população do país poder
importar produtos mais baratos do que os similares nacionais é algo deletério.
2. Se você não se opõe ao fato de o sol "despejar", todos os dias, luz gratuita
na nossa economia, então você não deveria reclamar dos produtores
estrangeiros que estariam "despejando" mercadorias baratas na nossa economia, a
preços supostamente abaixo do custo de produção.
3. Vamos supor que o sol só seja capaz de nos fornecer luz gratuitamente
porque os "habitantes do sol" subsidiam a produção de luz naquela estrela. Se
você não se opõe que a luz do sol seja disponibilizada de graça devido ao fato
de alguém subsidiar essa produção, então você não deveria ser contra o fato de
mercadorias estrangeiras serem oferecidas de forma barata para você por causa
de subsídios fornecidos pelos governos daqueles estrangeiros. Se eles querem
pagar mais impostos apenas para poder vender a você produtos mais baratos, simplesmente
aceite tão generosa oferta.
4. Se você não seria tolo ao ponto de acreditar que o sol está
roubando nossos empregos, prosperidade e riqueza ao nos fornecer luz gratuita,
igualmente não deveria ser tão tolo ao ponto de pensar que a China está
roubando nossos empregos, prosperidade e riqueza ao nos fornecer produtos
baratos.
5. Se você não se opõe ao fato de o sol nos fornecer uma enorme quantidade
de luz gratuita sem que, em troca, "seus habitantes" comprem de nós qualquer
produto fabricado aqui no país, então você também não deveria se opor ao
fato de os cidadãos do nosso país comprarem (importarem) mais produtos do
exterior do que vendem (exportam).
O
medo da abundância
A força ideológica mais poderosa na defesa do
protecionismo é o temor de que, com o livre comércio — isto é, com as pessoas
podendo comprar coisas baratas do exterior —, haverá poucos empregos para os
trabalhadores na economia doméstica.
Mas, ora, o que seria esse temor senão o medo de que
o livre comércio irá gerar uma abundância tão plena, que ninguém mais terá de
trabalhar para produzir? O que seria esse temor senão a noção de que, com o
livre comércio, todos os desejos da humanidade seriam tão completamente
satisfeitos, que chegaremos ao ponto em que não mais seremos úteis em fornecer
bens e serviços uns aos outros?
O temor do cidadão comum em relação ao livre
comércio se baseia em um entendimento completamente equivocado em relação à
realidade do mundo. É um temor de que nós humanos (ou pelo menos os humanos de
um determinado país) estamos no limiar de abolir a escassez e,
consequentemente, de transformar o mundo (ou ao menos o nosso país) em um
ambiente de superabundância.
Por isso, o protecionismo é uma política baseada no
calamitoso e errôneo temor de que um dos maiores problemas enfrentados pelos
seres humanos não é a escassez, mas sim a superabundância. O protecionismo é a
política implantada para criar escassez e para impedir
a abundância. Tal política é destruidora do padrão de vida humano. Não
há meias palavras.
Conclusão
Quando o governo impõe uma sobretaxa aos produtos
importados, o consumidor é o maior perdedor. O encarecimento artificial dos
produtos importados significa que os produtores nacionais estarão agora livres
e despreocupados para elevar seus preços e reduzir a qualidade de seus
produtos. Como não há mais concorrência estrangeira a quem os consumidores
nacionais recorrerem, estes agora são obrigados a pagar mais caro por bens
nacionais de qualidade mais baixa.
Com o protecionismo, o intuito do governo é proteger
as empresas nacionais e blindá-las contra os desejos dos consumidores —
principalmente dos mais pobres, que ficam sem poder aquisitivo para comprar
produtos bons e baratos feitos no exterior.
Pior: quando a população é obrigada a comprar
produtos nacionais artificialmente mais caros, sobra menos dinheiro para
investir ou gastar em outros setores da economia, como lazer, alimentação,
educação, vestuário, o que acaba reduzindo o emprego e a renda nestas áreas.
Consequentemente, a capacidade de consumo e de
investimento da população torna-se artificialmente reduzida. Isso é um desastre
para todos, só que se manifesta mais intensamente sobre os mais pobres, que,
além de não poderem comprar bens mais baratos do estrangeiro, tornam-se
obrigados a bancar os grandes industriais.
Por isso, Frédéric Bastiat ensinava "Sempre trate todas as questões
econômicas do ponto de vista do consumidor, pois os interesses dos consumidores
são os interesses da raça humana".
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