segunda-feira, 1 jul 2019
O argumento econômico em
prol do livre comércio é direto. Aqui, ele será destilado em dez — na verdade,
como você perceberá, onze — pontos elementares.
1. Linhas imaginárias chamadas 'fronteiras' não alteram a natureza das
transações comerciais
Não há nada em relação às
fronteiras políticas que justifique tratar transações comerciais através destas fronteiras como se fossem
distintas das transações comerciais que ocorrem dentro destas fronteiras.
Países não comercializam;
somente indivíduos o fazem. Sendo assim, a natureza da transação comercial não
é alterada de acordo com as fronteiras políticas envolvidas. Você fazer uma
transação comercial voluntária com um indivíduo localizado na cidade ao lado ou
no estado ao lado possui exatamente a mesma natureza de você fazer uma
transação comercial voluntária com um indivíduo localizado Coreia, na China ou
em Taiwan. Qual exatamente é a diferença econômica entre você comprar algo de
uma pessoa que está do outro lado da rua ou do outro lado do planeta?
Comércio é comércio. Não
interessam as fronteiras geográficas e políticas envolvidas. Dizer que o
comércio internacional é distinto do comércio interestadual, do intermunicipal,
do interbairros, do interfamílias e, acima de tudo, do interindividual é total
incoerência.
2. Toda a nossa atividade econômica, em última instância, almeja
expandir o nosso consumo
Todos nós trabalhamos
porque queremos trocar os frutos do nosso trabalho (dinheiro) por aqueles bens
e serviços que ainda não temos ou dos quais necessitamos continuamente. Trabalhamos
e produzimos para podermos demandar bens e serviços.
Nossa produção representa
nossa demanda. O objetivo de toda a nossa produção é o consumo. A produção não
é um fim em si mesmo; o fim é o consumo.
Por isso, toda a
atividade econômica é, em última instância, justificada pelo tanto que ela nos
permite expandir o nosso consumo, e não pelo tanto que ela nos permite expandir
a nossa produção. O consumo é o fim; a produção é o meio.
Obviamente, a produção é
um meio essencial. Não podemos expandir o consumo sem expandir a produção. No
entanto, a produção não é o propósito supremo da atividade econômica.
Caso não acredite,
pergunte a si próprio quanto você pagaria por um bolo confeiteiro
cuidadosamente feito de pó de serragem, papelão e cimento, manufaturado por um
padeiro que demorou vários dias na produção desta iguaria. Se a sua resposta é
"nada", então você entendeu o ponto.
3. A especialização se expande. E quanto maior a
especialização, maior a produção e a qualidade de vida
Imagine viver em uma
sociedade na qual nosso trabalho diário serve unicamente ao propósito de
sobrevivermos, e não para desenvolver nossos talentos.
Essa é a realidade nos
países que restringem o livre comércio: as pessoas, ao serem proibidas de
utilizar os frutos do seu trabalho para adquirir aqueles bens e serviços que
são mais bem produzidos por estrangeiros, acabam sendo obrigadas a desempenhar
várias atividades nas quais não têm nenhuma habilidade.
Estando isoladas da
divisão mundial do trabalho, tais pessoas trabalham apenas para sobreviver, e
não para desenvolver seus talentos. Elas não podem trabalhar naquilo em que
realmente são boas, pois a restrição ao livre comércio obriga os cidadãos a
fazerem de tudo, inclusive aquilo de que não entendem. Uma pessoa boa em
informática acaba tendo de trabalhar como operário em uma siderurgia, pois seu
governo restringe a importação de aço, que poderia ser adquirido mais barato de
estrangeiros.
Por outro lado, quanto
mais livre o comércio, maior a probabilidade de que cada indivíduo se
especialize na produção daqueles bens e serviços que ele é capaz de produzir
com mais eficiência, e em seguida utilize sua renda (alta, por causa da sua
especialização) para importar aqueles bens e serviços que são produzidos de
maneira mais eficiente por outros indivíduos em outras localidades.
Um indivíduo está em
melhor situação econômica quando pode se especializar naquilo que faz melhor e,
em decorrência disso, pode importar, ao menor preço possível, os bens de que
necessita.
Uma economia cujo sistema
de saúde é formado apenas por médicos comunitários irá salvar menos vidas e
aliviar menos dores do que uma economia cujo corpo médico é formado por
especialistas como neurocirurgiões, pedicuros, cardiologistas, oftalmologistas
e, meu favorito (porque há alguns anos um desses especialistas salvou a vida de
meu filho mais novo), gastroenterologistas pediátricos.
Em países de economia
aberta, as pessoas, exatamente por poderem adquirir bens e serviços fornecidos
por estrangeiros que são melhores no suprimento destes, podem se concentrar
naquilo em que realmente são boas. Em países de economia fechada, as
pessoas passam suas vidas lutando para apenas sobreviver, sendo obrigadas a
desempenhar várias atividades que não são do seu domínio. Engenheiros
acabam virando operários de fábricas.
4. A especialização requer liberdade de comércio
Um gastroenterologista pediátrico vivendo em uma
grande metrópole usufrui um alto padrão de vida porque várias pessoas estão
dispostas a lhe pagar para que ele se especialize nesta altamente especializada
linha de trabalho, e estão dispostas a aceitar o dinheiro dele em troca do que
produzem. Esse médico é rico somente porque ele transaciona voluntariamente com
terceiros.
Se agricultores, carpinteiros, alfaiates, pilotos
de avião e professores não estivessem dispostos a transacionar com ele, ele não
teria tempo para praticar a gastroenterologia pediátrica. Em vez disso, ele
teria de cultivar sua própria comida, construir sua própria casa, e fazer sua
própria roupa. Ele e todo o resto de nós estaríamos muito mais pobres.
Por isso, em países que usufruem o livre comércio e
seus cidadãos podem transacionar livremente com o resto do mundo, as pessoas
possuem uma miríade de opções de trabalho: podem ser médicos altamente
especializados, financistas, instrutores de ioga, artistas, cineastas, chefs,
contadores e empreendedores do ramo de tecnologia. Tão rica e com tamanha
liberdade de comércio é a economia, que todos têm opções, pois
podem terceirizar a manufatura de vários bens para outros indivíduos de outros
países.
Já em países fechados, nos quais todos têm de fazer
de tudo apenas para sobreviver, não há como se especializar. Consequentemente,
renda e padrão de vida são menores.
5. A especialização aumenta com o tamanho do mercado
Quanto maior o número de consumidores e produtores,
maior o escopo para que cada produtor possa se concentrar em uma especialização
mais restrita.
Este fato explica por que cidades grandes possuem
restaurantes voltados a um nicho específico de mercado (como veganos ou
libaneses) e médicos altamente capacitados (como gastroenterologistas
pediátricos), ao passo que cidades pequenas não possuem restaurantes e
profissões tão altamente especializados.
Os pontos quatro e cinco, em conjunto, geram
aprimoramentos que se auto-reforçam: mais comércio promove mais especialização,
e mais especialização, por sua vez, promove mais comércio. A economia cresce e
o padrão de vida da população aumenta.
6. O livre comércio gera retornos crescentes
Uma importante consequência de se expandir a área
do comércio — aumentar o tamanho do mercado — é aquilo que os economistas
chamam de "retornos crescentes".
Duplicar o número de pessoas que comercializam
livremente com a população de um país faz com que a renda desta economia mais
do que dobre. O livre comércio, ao promover uma maior especialização, gera
aumentos na renda de todos os que participam deste arranjo.
Compare os serviços de saúde entre uma economia que
tenha entre seus profissionais de saúde apenas 100 médicos de comunidade e
outra economia que tenha, digamos, 20 médicos comunitários e 180 especialistas,
como gastroenterologistas pediátricos. Este segundo arranjo só é possível em
economias que praticam o livre comércio.
7. Não há limites ao grau de especialização
Não há limite à intensidade em que a mão-de-obra
pode se especializar. Consequentemente, a produção total pode se expandir a uma
taxa crescente — isto é, apresentando retornos crescentes.
Em outras palavras, o grau com que a mão-de-obra
pode se especializar e fazer com que a produção total se expanda não é limitado
— e nem definido — pelo tamanho da economia ou da extensão territorial do
país. Tampouco o tamanho do país define um limite ao crescimento da
especialização e da produção.
Ou seja, mesmo para países geograficamente grandes
e altamente populosos, como EUA ou Brasil, não há nada na teoria econômica ou
na história que diga que expandir o comércio exterior faz com que consumo e
produção cresçam menos do que cresceriam caso a expansão ocorresse no comércio
interno.
Você, morando em seu estado, ganha tanto expandindo
seu comércio com cidadãos do estado vizinho quanto com cidadãos de um país do
outro lado do mundo. O comércio, de qualquer natureza, sempre e em todo lugar,
envolve indivíduos de carne e osso negociando e transacionando entre si, de uma
forma que cada um dos indivíduos envolvidos julga ser de seu melhor interesse.
Não há nenhum motivo para não se ter uma economia
global sem fronteiras econômicas. Comércio é comércio. Não interessam as
fronteiras geográficas e políticas envolvidas. Não há restrições ao
comércio entre bairros, entre cidades e entre estados. Não há nenhuma
preocupação com a balança comercial entre o seu estado e o estado vizinho. Qual então é o sentido econômico de
haver restrições comerciais entre países? Qual exatamente é a diferença
econômica entre você comprar algo de uma pessoa que está do outro lado da rua
ou do outro lado do planeta?
8. A concorrência traz disciplina aos produtores e é positiva para os
consumidores
A concorrência econômica é positiva e funciona
através das fronteiras políticas tão eficientemente quanto dentro de fronteiras
políticas. A concorrência disciplina empresas, estimula a criatividade
empreendedorial, e ajuda a descobrir e impulsionar — em um processo parecido
ao da seleção natural — o que funciona melhor economicamente.
Mais importante, a concorrência gerada pelo livre
comércio direciona trabalhadores e outros recursos escassos para aquelas
atividades e linhas de produção em que eles são mais eficientes e possuem
vantagem comparativa.
Assim, atividades ineficientes — que estão apenas
imobilizando recursos escassos e que só se mantêm porque são protegidas e
subsidiadas pelo governo — são expulsas do mercado pelo livre comércio, e
estes recursos escassos se tornam liberados para ser utilizados em outras áreas
cuja demanda do consumidor é maior.
Simplesmente não há nenhum motivo para neutralizar
— por meio de protecionismos e restrições ao comércio — a concorrência
externa tendo como justificativa o fato de que esta concorrência não fala nosso
idioma.
9. Os seres humanos são o principal recurso
Como sempre ensinou o professor Julian Simon, especialista
em recursos naturais, os seres humanos em uma economia de mercado são o recurso
mais supremo e decisivo que existe.
O recurso mais supremo não é a terra ou o petróleo
ou minas de minério de ferro ou de ouro; não são as fábricas, ou os
computadores ou os tratores; não são os estoques de trigo, ou de aço laminado
ou de dinheiro na mão. O recurso mais supremo é a criatividade humana e a
engenhosidade.
Com efeito, é exatamente porque a criatividade
humana sabe como utilizá-los, que o petróleo, o minério de ferro, o trigo e
demais materiais são recursos. Sem a criatividade humana essas coisas seriam
meras matérias em estado bruto, meras massas de moléculas, não mais valiosas e
úteis aos seres humanos do que são aos antílopes e ratos.
E, ainda assim, a criatividade humana é um dos
poucos recursos que consistentemente se tornou mais escasso nos últimos 250
anos. Sabemos que a criatividade humana se tornou mais escassa porque seu preço
de mercado aumentou enormemente ao longo dos últimos séculos nas economias de
mercado ao redor do mundo. Por exemplo, o salário real médio de um americano
hoje é, segundo estimativas conservadoras, aproximadamente 60% maior do
que era em 1790. (Veja mais detalhes aqui). Este aumento no
preço da mão-de-obra sinaliza que ela se tornou mais escassa em relação à demanda
por ela.
Em contraste, a maioria dos outros recursos e
insumos produtivos — inclusive energia, metais e serviços de transporte — se
tornou, e continua sua tornando, menos escassa. Tal conclusão é possível quando
analisamos (como é o certo) a tendência de seus preços reais. E estão se
tornando menos escassos exatamente porque há mais seres humanos criativos
contribuindo para a economia de mercado.
O livre comércio maximiza a capacidade das pessoas
de um país de duas maneiras, que funciona como um via de mão dupla: de um lado,
elas contribuem com sua própria criatividade e esforço para a economia global;
de outro, elas fazem uso da criatividade e esforço dos bilhões de outros seres
humanos (recursos supremos) que residem em outros países.
Nós fazemos uso desta criatividade diretamente
quando terceirizamos tarefas produtivas (como linhas de montagem e manufatura
de produtos) para empresas e trabalhadores estrangeiros. Por que seria algo
positivo reduzir artificialmente nosso acesso a esta oferta de recursos
supremos, que são os trabalhadores de outros países?
É por isso que, por definição, quem é contra o
livre comércio é quem tem
medo da abundância e da prosperidade.
10. O protecionismo existe apenas para proteger os grandes interesses
Restrições ao comércio são feitas por políticos a
soldo de grandes grupos de interesse. O encarecimento artificial dos produtos
importados significa que os produtores nacionais estarão agora livres e
despreocupados para elevar seus preços e reduzir a qualidade de seus produtos.
Como não há mais concorrência estrangeira a quem os consumidores nacionais
recorrerem, estes agora são obrigados a pagar mais caro por bens nacionais de
qualidade mais baixa.
O governo recorre ao protecionismo para proteger as
empresas nacionais e blindá-las contra os desejos dos consumidores (principalmente
dos mais pobres, que ficam sem poder aquisitivo para comprar produtos bons e
baratos feitos no exterior). Em troca deste favor, os políticos ganham vultosas
contribuições de campanha.
Os empresários corporativistas que enchem os bolsos
com o dinheiro extraído dos consumidores por meio dessa violência imposta pelo governo
querem que o público extorquido acredite que a tarifa é, na verdade, um
benefício para os trabalhadores. Sim, há algum benefício marginal para os
trabalhadores que trabalham especificamente nas indústrias protegidas, mas ao
custo do bem-estar e da renda de todo o resto da população.
Restrição às importações e reservas de mercado
fazem com que a capacidade de consumo e de investimento da população seja
artificialmente reduzida. Consequentemente, lucros e empregos diminuem por toda
a economia. Assim, proteger empregos em um setor por meio de tarifas de
importação gera queda da renda e desemprego em vários outros setores da
economia.
Se o objetivo é falar de quem realmente ganha com
as tarifas, o enfoque não tem de estar nos trabalhadores, mas sim nos
empregadores de um ínfimo punhado de trabalhadores que são beneficiados pelas
tarifas.
Com o protecionismo, você consegue ver os empregos
protegidos e os salários artificialmente elevados naquelas indústrias
protegidas. Mas você não vê os empregos perdidos e a queda de salários naqueles
outros setores da economia que tiveram sua demanda reduzida porque os
consumidores tiveram de gastar mais dinheiro para adquirir os produtos daquelas
indústrias protegidas.
Por isso, o desemprego é mais baixo
exatamente nos países que praticam o livre comércio.
Por fim, o argumento ético
Encerro com aquele argumento que considero o mais
crucial de todos, e que deriva diretamente do décimo item acima. Não é um
argumento econômico, mas sim ético. Mesmo após tudo o que foi dito, minha defesa
do livre comércio está baseada na ética, independentemente de questões
econômicos.
A minha crença mais profunda e inabalável é que, se
você trabalha, produz e ganha seu salário honestamente, então você tem o
direito de usar esta sua renda da maneira que mais lhe aprouver. Você pode
usá-la para comprar tecidos nacionais vendidos pelo comerciante do outro lado
da rua ou comprar tecidos importados da Ásia. Você pode usá-la para comprar
carros fabricados na cidade ao lado ou comprar carros importados da Europa, da
Ásia ou dos EUA.
O dinheiro é seu. Foi adquirido honestamente e com
trabalho duro. Ele não pertence nem ao governo e nem a nenhum produtor
nacional. Nenhum político e nenhum grande empresário protegido por político têm
o direito de proibir você de comprar um bem de quem você quiser.
E, ainda assim, todos os argumentos protecionistas
se baseiam na premissa de que fabricantes nacionais — seja de automóveis, de
tecidos, de sapatos ou de eletroeletrônicos — têm uma espécie de direito moral
ao seu dinheiro.
Se você quer comprar carros ou eletroeletrônicos ou
sapatos ou tecidos importados, mas é proibido — ou, o mais comum, penalizado
com uma alta tarifa de importação —, o estado está simplesmente dizendo que os
fabricantes nacionais têm o direito moral de reivindicar uma parte da sua
renda.
Se você não gastar seu dinheiro da maneira como o
governo e os fabricantes nacionais consideram ser a mais apropriada, você será
penalizado. Assim, o bem-estar econômico de um grupo organizado de pessoas é
colocado acima do seu e do resto da população. Cria-se uma casta protegida com
o direito de usufruir uma reserva de mercado bancada pela casta espoliada.
Esta presunção de que há duas castas de indivíduos,
a qual simplesmente está na base de todas as políticas protecionistas, é
moralmente repreensível e eticamente indefensável.
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