O artigo a seguir é uma adaptação desta apresentação
feita pelo autor na ocasião da terceira edição da Summer School realizado pelo Instituto Mises Brasil entre os dias 1º
e 4 de fevereiro na cidade de Espírito Santo do Pinhal, São Paulo.
Ciclo
Econômico - por que é importante
Sem nenhum exagero, ciclo econômico é o assunto mais
fascinante de toda a ciência econômica. E não só é o mais fascinante, como também
é o mais importante: ciclo econômico é um fenômeno que tem a capacidade de
acabar com todas as conquistas recentemente obtidas por uma economia.
A economia passa dez anos crescendo, com tudo indo
aparentemente bem, até que então vem uma recessão profunda que acaba com todos
os ganhos desse período.
Vide o Brasil.
Ao final de 2016, a economia havia recuado ao mesmo
tamanho que tinha em 2010. Em dólares, nossa renda per capita em 2016 voltou a
ser a mesma de 2008.

Gráfico
1: evolução da nossa renda per capita em dólares ajustada pela paridade do
poder de compra. Fonte: Trading Economics, com dados do Banco Mundial
Em termos de poder de destruição, o ciclo econômico
só perde para o socialismo.
E um detalhe crucial: a economia pode ser bastante
livre, com pessoas empreendedoras, baixa burocracia, baixos impostos etc.
Porém, se o governo fizer besteira em uma determinada área — que é o assunto
deste artigo —, a economia irá degringolar.
Exemplos clássicos são Irlanda e Islândia: economias
livres que, por causa da lambança que fizeram nesta área, vivenciaram uma aguda
recessão. O mesmo aconteceu também em toda a Europa,
principalmente Portugal, Espanha, Grécia e Chipre.
E aconteceu no Brasil.
O
que faz uma economia vivenciar um ciclo econômico
Em um dado momento, a economia parece estar indo
muito bem: a renda está crescendo, o emprego está subindo, as indústrias estão
se expandindo e contratando, os investimentos estão aumentando, o comércio e os
serviços estão vendendo muito e contratando bastante, lojas de todos os tipos
estão sendo abertas, restaurantes estão sempre cheios e com fila de espera, e a
população está consumindo cada vez mais.
Tudo indo muito bem. Aparentemente.
E aí, de repente, o cenário vira, a economia entra
em recessão, os investimentos se retraem, as pessoas param de consumir, as indústrias
dão férias coletivas (e depois demitem), várias outras indústrias fecham, o desemprego
aumenta, lojas passam o ponto, placas de "aluga-se" se tornam parte da paisagem
urbana, vários pontos comerciais ficam permanentemente vazios, sem locatários
etc.
Por que isso acontece?
Para entender por que e como ocorrem esses ciclos, é
necessário utilizar a lógica. Por
meio da lógica, uma teoria será deduzida a
priori; em seguida, essa teoria será testada empiricamente.
Indo direto ao ponto: para entender por que há
flutuações econômicas, é necessário analisar exatamente o que afeta as
transações econômicas. Mais especificamente, qual é a variável que está
presente em toda e qualquer transação econômica?
O
dinheiro
O dinheiro é o elo entre todas as atividades
econômicas, e representa a metade de toda e qualquer transação econômica feita.
Há um comprador demandando um bem, há um vendedor
oferecendo esse bem, e esta transação será efetivada por meio do dinheiro.
Se você compra uma roupa, você recebe a roupa e em
troca dá dinheiro. Se você compra comida, você recebe a comida e em troca dá
dinheiro. Se você compra a mão-de-obra de um eletricista ou de encanador, você
recebe o serviço e em troca dá dinheiro.
O dinheiro, portanto, está presente em todas as transações econômicas e representa a
metade de cada um dessas transações.
E, dado que o dinheiro está presente em todas as
transações econômicas, a lógica nos diz que qualquer
manipulação e alteração nessa variável irá afetar toda a economia.
Portanto, em qualquer análise lógica de ciclo
econômico é necessário analisar o que está ocorrendo com essa variável crucial,
que é o dinheiro.
Mas qual dinheiro analisar? Há vários dinheiros. Há
o dinheiro que está na sua carteira (as cédulas de papel e as moedas
metálicas). Há o dinheiro que está na sua caderneta de poupança. Há o dinheiro
que está em um depósito a prazo. Há o dinheiro que está em um fundo DI. Há o
que está em um fundo multimercado. Há o que está em um fundo cambial etc.
Qual deles?
Apenas um: aquele que está na conta-corrente. Nos depósitos
à vista.
Por quê? Basta utilizar a praxeologia.
Se
você coloca dinheiro na poupança, ou em um fundo de investimento, ou em um
depósito a prazo (CDB, LCI, LCA), ou em qualquer modalidade citada acima, você
não está pensando em gastar todo esse dinheiro amanhã ou no futuro próximo.
Você quer deixá-lo ali, rendendo juros.
Você pode, em alguns casos específicos, até usar
esse dinheiro para pagar contas, mas não é um dinheiro que você está pensando
em gastar volumosamente (ou totalmente) daqui a, digamos, dois dias. Você,
repetindo, quer deixá-lo ali rendendo
juros.
E
desse dinheiro aplicado, uma parte fica presa no mercado interbancário —
servindo pra operações compromissadas, para compulsório junto ao Banco Central,
para atender a regulamentações bancárias, para formar colchão de liquidez, para
provisões contra calotes, para atender ao Índice de Basiléia etc. — e a outra
parte será emprestada.
E
esta, ao ser emprestada, cairá na conta-corrente de alguém, que então irá
gastar esse dinheiro (afinal, foi para isso que ele pediu o empréstimo).
Já
o dinheiro que você já deixa separado na conta-corrente é aquele dinheiro que
você está pensando em gastar todo amanhã ou em um futuro próximo. Ele não rende juros.
No caso de empresas, esse comportamento é ainda mais
óbvio. Empresa que deixa dinheiro na conta-corrente está usando esse dinheiro
como capital de giro. Está planejando
gastar esse dinheiro no futuro próximo. Ela não
está atrás de juros.
Para uma empresa, dinheiro na conta-corrente é dinheiro de liquidez imediata. É o
dinheiro que ela usa diariamente para consumir, investir, contratar mão-de-obra,
pagar fornecedores, pagar salários etc.
Já
quando a empresa está com alguma reserva de caixa e não está pensando em
contratar, gastar ou expandir, ela aplica esse dinheiro — gerando os mesmos
efeitos descritos acima para a pessoa física.
É
crucial enfatizar esse ponto: dinheiro na
conta-corrente é o dinheiro de liquidez imediata. É o dinheiro que pessoas
e empresas deixam separado para usar diariamente, e em grandes volumes, para
consumir, investir, contratar mão-de-obra e pagar salários. É o capital de
giro, como já dito.
E
como surge dinheiro na conta-corrente? De duas maneiras: ou ele vem do resgate
de uma aplicação ou ele vem da expansão do crédito.
Quando uma empresa vai a um banco pedir um
empréstimo ou descontar uma duplicata, esse dinheiro cai na conta-corrente dela
e funciona ou como capital de giro ou como dinheiro a ser investido na expansão
do negócio ou na contratação de mão-de-obra.
O
mesmo vale para uma pessoa física que pega empréstimo. O dinheiro vai para a
conta-corrente dela.
Portanto, o dinheiro na conta-corrente é o dinheiro
que está prontamente disponível para as pessoas consumirem e para as empresas comprarem
maquinário, expandirem suas instalações, ampliarem sua produção, pagarem fornecedores,
reporem estoques, contratarem mão-de-obra etc.
Como se trata de uma aplicação que não paga juros, o
dinheiro em conta-corrente representa aquele dinheiro que está sendo diariamente transacionado na economia a
grandes volumes.
Trata-se do dinheiro realmente líquido. É o dinheiro
que, em suma, irá determinar o volume de
gastos da economia.
Assim, com isso em mente, é possível fazer a
seguinte constatação praxeológica e apriorística: dado que é o dinheiro na
conta-corrente quem determina o volume de gastos produtivos da economia —
salários, investimentos na economia física, aquisição de máquinas, consumo,
pagamento de fornecedores etc. —, é exatamente ele quem vai governar todas as flutuações da economia.
(Nota à margem: o primeiro a apresentar esse teoria
foi, claro, Ludwig von Mises em seu livro "A Teoria da Moeda e do
Crédito".)
Sendo assim, podemos fazer as seguintes deduções
apriorísticas:
a) Se a quantidade de dinheiro nas contas-correntes
está aumentando — seja porque o crédito está se expandindo ou porque as
pessoas estão saindo da renda fixa (retirando dinheiro de aplicações) —, então
o volume de gastos está crescendo e a economia está aquecida. Está havendo
muito consumo e investimento.
b) Se a quantidade de dinheiro nas contas-correntes
está diminuindo — seja porque o crédito está se contraindo ou porque as
pessoas estão indo para a renda fixa (colocando o dinheiro em aplicações
financeiras) —, então o volume de gastos está desacelerando e a economia está se
arrefecendo. Consumo e investimentos estão em queda.
Essas são teorias apriorísticas, deduzidas por meio
da lógica.
Vamos agora à prática.
O gráfico abaixo mostra a evolução da quantidade de
dinheiro em conta-corrente (depósitos à vista). Trata-se de um gráfico do
próprio Banco Central, retirado diretamente do site da instituição (clique
aqui).

Gráfico
2: evolução da quantidade de dinheiro em conta-corrente (depósitos à vista).
Fonte: Banco Central
Como ele está cheio de oscilações mensais, que são
perfeitamente normais — por exemplo, todo dezembro sempre há um aumento por
causa das festas de fim de ano, do 13º salário, do comércio mais movimentado
etc. —, coloquemos este gráfico na forma de média móvel de 12 meses pra
suavizar as oscilações mensais.

Gráfico
3: evolução da quantidade de dinheiro em conta-corrente (depósitos à vista).
Média móvel 12 meses. Fonte: Banco Central
O gráfico é absolutamente o mesmo, mas agora na
forma de média móvel para 12 meses. Em estatística, a média móvel é um recurso
muito utilizado para se identificar a tendência de um conjunto de dados
dispostos em uma série temporal. A média móvel suaviza os movimentos voláteis
de uma série temporal.
Este, portanto, é o gráfico da evolução da
quantidade de dinheiro nas contas-correntes do Brasil. Começando no ano 2000.
Segundo a teoria acima deduzida, quando a quantidade
de dinheiro nas contas-correntes está acelerando, isso significa que:
a) ou está havendo expansão do crédito — os bancos
estão jogando dinheiro na economia por meio do mecanismo das reservas
fracionárias. (Mais especificamente, os bancos simplesmente criam dígitos
eletrônicos no computador e acrescentam esses dígitos na conta do tomador do
empréstimo; para saber todos os detalhes sobre como isso ocorre, recomendo este artigo);
b) ou as pessoas físicas e jurídicas estão saindo da
renda fixa e indo para a conta-corrente para poderem consumir mais, contratar
mais, investir mais na economia física.
Ou as duas coisas ao mesmo tempo.
Inversamente, quando a quantidade de dinheiro nas
contas-correntes está desacelerando ou mesmo se contraindo, isso significa que:
a) as pessoas e empresas estão indo para a renda fixa para aproveitar juros
maiores, e b) mais empréstimos estão sendo quitados do que concedidos. Consequentemente,
empresários estão gastando menos, contratando menos e investindo menos na
produção.
Tudo isso é uma questão de lógica.
Portanto, só de olhar para o gráfico e munido de
toda essa teoria lógica apresentada, é possível determinar exatamente quando a
economia está em aceleração e quando está em retração.

Gráfico
4:
evolução da quantidade de dinheiro em
conta-corrente. As linhas azuis indicam aumento e as linhas pretas,
desaceleração ou contração. Fonte: Banco Central
Quando a quantidade de dinheiro na conta-corrente
está acelerando, o número de transações econômicas está aumentando. O volume de
gastos está aumentando, tanto para consumo quanto para investimentos
produtivos. Está havendo mais consumo, mais investimentos, mais gastos, mais
contratações.
E quando a quantidade de dinheiro está desacelerando,
o número de transações econômicas está diminuindo. O volume de gastos está diminuindo,
tanto para consumo quanto para investimentos produtivos. Está havendo menos
consumo, menos investimento, menos gastos, menos contratações.
Assim, com base na teoria, só de olhar para o
gráfico acima é possível inferir que houve desaceleração econômica (linhas
pretas) em 2003, em 2005, no final de 2008 e início de 2009, no final de 2011 e
início de 2012, e uma forte em 2015 e 2016.
E houve crescimento econômico (linha azul) nos
outros períodos, sendo um crescimento forte nos períodos 2006-2008 e 2010.
Isso é a teoria. Será que a empiria corrobora a
teoria?
Eis o gráfico do PIB de um trimestre em relação ao trimestre
imediatamente anterior, de 2000 até o terceiro trimestre de 2017 (último dado
disponível).

Gráfico
5: evolução do PIB de um trimestre em relação ao trimestre imediatamente
anterior. Fonte: TradingEconomics, com dados do IBGE
O que se observa?
Contração do PIB no primeiro trimestre de 2003 e
estagnação no segundo trimestre. Exatamente como previsto no gráfico da oferta
monetária.
Crescimento forte em 2004, estagnação no primeiro
trimestre de 2005 e contração no terceiro trimestre de 2005. Exatamente como
previsto no gráfico da oferta monetária.
Crescimento contínuo de 2006 até o final de 2008, e
queda forte no último trimestre de 2008 e primeiro trimestre de 2009. Exatamente
como previsto no gráfico da oferta monetária.
Crescimento forte em 2010 e 2011, e uma retração no
terceiro trimestre de 2011 e outra no primeiro trimestre de 2012. Exatamente
como previsto no gráfico da oferta monetária.
Finalmente, crescimento em 2013, estagnação em 2014 e
recessão forte em 2015 e 2016, com vários trimestres seguidos de contração
econômica. Exatamente como previsto no gráfico da oferta monetária.
Em 2017, há uma recuperação, mas simplesmente porque
a oferta monetária, que estava encolhendo, parou de encolher e voltou a
apresentar uma pequena reação.
No
cômputo final, de 2002 até hoje, foram 63 trimestres.
Destes, houve 16 trimestres de recessão e 4 de estagnação. Ou seja, em 20
trimestres de 63 — um terço do tempo —, nós ou encolhemos ou ficamos parados.
E uma curiosidade:

Gráfico
6: evolução relativamente constante de 2002 a 2008, e evolução totalmente errática
de 2009 a 2017
De 2003 até 2008, período em que tivemos uma
política econômica (monetária e fiscal) mais ortodoxa, o
crescimento foi relativamente estável e uniforme. E então veio a crise mundial
de 2008 e o governo adotou a Nova Matriz Econômica.
Como toda política heterodoxa, o crescimento inicial foi alto. Mas aí vieram os
inevitáveis problemas estruturais, cambiais, fiscais e de inflação de preços, e
os aparentemente bons (porém artificiais) resultados foram rapidamente
abortados.
Primeira conclusão: o comportamento errático da
economia brasileira está intrinsecamente ligado às variações na oferta
monetária. Mas dado que o PIB mensura volume de gastos, então realmente não é nenhuma
surpresa que ele se mova estritamente de acordo com as variações da oferta
monetária líquida.
O que nos leva ao próximo ponto.
Quem
causa essas variações na oferta monetária
Qual instituição está no direto controle da oferta
monetária?
Obviamente, quem detém o monopólio sobre a moeda do
país é o Banco Central. Mas como
provar que quem realmente está no controle de toda aquela variação da oferta
monetária é o Banco Central?
Foi dito que a quantidade de dinheiro nas
contas-correntes varia de acordo ou com a expansão do crédito ou com as pessoas
indo para a renda fixa ou saindo da renda fixa.
Mas essas são afirmações apriorísticas e praxeológicas.
E também é uma afirmação apriorística e praxeológica dizer que quem controla
ambos esses fenômenos é o Banco Central por meio de sua manipulação da taxa
básica de juros, a SELIC.
Pela teoria, se o BC aumenta a SELIC, ele encarece e
desestimula empréstimos. Consequentemente, a criação de dinheiro em
conta-corrente tende a diminuir. Juros maiores também estimulam pessoas e
empresas a saírem da conta-corrente e irem para a renda fixa. Empresários
deixam de investir e contratar e vão buscar refúgio na renda fixa.
Inversamente, se o BC reduz a SELIC, ele barateia e estimula
empréstimos. Consequentemente, a criação de dinheiro em conta-corrente tende a
aumentar. Juros menores estimulam pessoas e empresas a saírem da renda fixa em
busca de maiores retornos na economia real. Empresários colocam dinheiro na
conta-corrente para expandir os negócios, investir mais e contratar mais
Tudo isso, repetindo, é apenas uma teoria deduzida a priori, com base na praxeologia.
E a empiria? Será que a prática confirma a teoria de
que quando o Banco Central mexe na SELIC ele mexe diretamente na oferta
monetária?
Eis o gráfico comparando evolução da oferta
monetária (dinheiro na conta-corrente) e as variações na SELIC (em valores
mensais), ambas com média móvel de 12 meses:

Gráfico
7: evolução da quantidade de dinheiro em conta-corrente (linha azul) versus
evolução da SELIC em valores mensais (linha vermelha). Fonte: Banco Central
A linha azul, já exibida antes, é a evolução da
quantidade de dinheiro nas contas-correntes. A linha vermelha é a taxa SELIC,
que está sob direto controle do Banco Central. Ambas estão com média móvel de
12 meses para suavizar os movimentos.
Observe que a correlação é perfeita.
Quando a SELIC sobe (2003, 2005, 2008, 2010-2011,
2014-2016), a quantidade de dinheiro na conta-corrente ou desacelera ou pára de
crescer ou encolhe. Quando a SELIC cai (2004, 2006-2007, 2009, 2012, 2017), a
quantidade de dinheiro na conta-corrente aumenta.
Ou seja, exatamente como prevê a teoria, alterações
na SELIC afetam diretamente a quantidade de dinheiro na conta-corrente — isto
é, a quantidade de líquido na economia, aquele dinheiro pronto para o
investimento e para o consumo.
Primeira
conclusão
Até agora, dois fenômenos já foram constatados:
1) a taxa SELIC afeta diretamente a quantidade de
dinheiro líquido na economia; e
2) alterações na quantidade de dinheiro líquido na
economia afetam diretamente os números do PIB.
Logo, por consequência lógica, a taxa SELIC afeta diretamente
a economia.
Embora essa constatação pareça um senso comum, dado
que todas as escolas de pensamento econômico falam isso, as implicações dessa
descoberta são muito mais profundas do que parecem. Normalmente, fala-se apenas
que "juros altos são ruins". Mas ninguém faz essa ligação causal-realista, relacionando juros à oferta monetária e oscilações
da oferta monetária às oscilações da economia.
Utilizando a praxeologia e uma dedução a priori, uma teoria foi estabelecida e,
em seguida, foi confirmada na prática.
Posto isso, é verdade que, até agora, essa
descoberta não parece ter sido tão especial assim. Por isso, façamos agora uma
abordagem mais distintamente austríaca.
Como
exatamente alterações nos juros e na oferta monetária afetam a economia
É neste ponto que a Teoria Austríaca dos Ciclos
Econômicos (TACE) assume um postulado ímpar. Ao contrário das outras escolas de
pensamento, a TACE enfatiza que manipulações nos juros e na oferta monetária
afetam diferentemente cada setor da
economia.
Mais especificamente, a TACE afirma que os setores
que estão no início da cadeia produtiva, aqueles que estão mais longe dos
consumidores — isto é, as indústrias de bens de capital, as que produzem
maquinário — serão os mais afetados pelas manipulações dos juros. E os setores
que estão mais próximos dos consumidores — varejo e serviços — serão os menos
afetados.
Eis a lógica.
Suponha que a economia esteja em forte crescimento.
Os juros estão caindo e está havendo expansão monetária. Por exemplo, o período
2006-2008.

Gráfico
8: evolução da quantidade de dinheiro em conta-corrente (linha azul) versus
evolução da SELIC em valores mensais (linha vermelha), com ênfase no período
2006-2008. Fonte: Banco Central
Nesta fase, o crédito está se expandindo, as pessoas
estão se endividando para consumir, a quantidade de dinheiro está aumentando, a
renda das pessoas está crescendo, o emprego está farto, e tudo está indo
aparentemente bem.
Principalmente: o consumo está alto e o comércio,
aquecido.
Se as vendas das Casas Bahia estão aumentando e os
estoques estão diminuindo, a primeira medida será encomendar novos produtos
para repor seus estoques. Se as geladeiras, os fogões, as televisões e os
móveis estão sendo vendidos rapidamente, de modo que os armazéns das lojas
estão se esvaziando, então a encomenda de novos estoques será constante.
Consequentemente, os fornecedores das Casas Bahia —
o setor atacadista — aumentarão suas encomendas para as indústrias. E as
indústrias, por sua vez, aumentarão sua produção.
E com um detalhe: essas indústrias que irão aumentar sua produção de fogões, geladeiras e
televisões irão demandar mais bens de
capital (máquinas e equipamentos) para aumentar essa produção.
Consequentemente, as indústrias de bens de capital terão de aumentar sua
fabricação de bens de capital.
Observe que chegamos ao início das etapas de
produção.
As indústrias de bens de capital produzem o
maquinário que será utilizado pelas indústrias de bens de consumo para fabricar
televisões, geladeiras, fogões etc. E as indústrias de bens de consumo venderão
para o setor atacadista, que então irá revender para as Casas Bahia (varejo).
Como consequência dessa atividade aquecida, todas
essas indústrias terão de contratar mais operários. E como os juros estão
baixos, todas essas indústrias conseguem crédito barato para expandir sua
produção.
E aí o ciclo se intensifica: a oferta monetária
segue crescendo, aumentando renda e impulsionando ainda mais o consumo. O
faturamento de todas essas indústrias está aumentando.
Ou seja, segundo a TACE, nessa fase da expansão do
crédito, em que está havendo aumento da renda e do consumo, o setor industrial é o que mais se expande.
A indústria faz vários investimentos visando a expandir suas instalações e sua
capacidade produtiva, contratando mais empregados e fabricando mais bens.
Comércio e serviços também se expandem. As Casas
Bahia terão de contratar mais comerciantes para vender os produtos. Com o
consumo em alta, o comércio como um todo também contrata mais pessoas, assim
como o setor de serviços.
Mas quem mais
se expande é o setor industrial.
No entanto, tal bonança não dura para sempre. Como
esse arranjo pujante é interrompido?
A
alta de preços é o estopim.
Tudo começa com a alta dos preços.
A quantidade de dinheiro na economia está crescendo por
causa da expansão do crédito tanto para consumo quanto para investimento.
Consequentemente, o volume de gastos também está crescendo. E como os salários
e o consumo estão em alta — por causa majoritariamente do aumento da quantidade
de dinheiro e do volume de gastos —, não há como impedir o aumento acelerado
dos preços.
E o que acontece quando os preços começam a subir
forte? O Banco Central sobe a taxa básica
de juros, a SELIC.
E o que acontece quando a SELIC sobe? Já demonstrado
acima: a quantidade de dinheiro começa a desacelerar e chega até a estagnar.
Consequentemente, a renda e o consumo param crescer. E aí tudo começa a se desfazer.
Atentem para o detalhe: a renda estava aumentando por causa da expansão monetária. E estava
havendo expansão monetária porque empresas e pessoas estavam pegando
empréstimos ou saindo da renda fixa e indo para a economia real.
Logo, assim que essa expansão do crédito é
interrompida, a renda para de subir. As pessoas estarão endividadas e com uma
renda estagnada. Consequentemente, a demanda irá cair.
E então os investimentos feitos pela indústria se
comprovarão errados, mal direcionados. Por quê? Porque as indústrias
acreditaram que esta demanda dos consumidores seria definitiva e sustentável —
ou, no mínimo, duradoura. Consequentemente, elas investiram de acordo com essa
crença.
(E tinham de investir, pois estavam atendendo a uma
demanda. É uma questão de sobrevivência. Se uma indústria não investisse, outra
o faria e tomaria fatia de mercado).
Esses são os chamados "investimentos errôneos" (ou malinvestments). São investimentos para
os quais a demanda não é sustentável, pois essa demanda era baseada na manipulação dos juros e na expansão monetária (o que inclui endividamento).
E aí o que acontece?
As vendas das Casas Bahia diminuem e os estoques se
acumulam. Mas a primeira medida dos donos das Casas Bahia não será a de demitir empregados, pois os custos de demissão e de readmissão
futura (treinamentos dos recém-contratados) são altos. Por isso, a demissão da
mão-de-obra do setor de comércio tende a ser um recurso de última instância.
A primeira medida das Casas Bahia será diminuir a encomenda de novos estoques.
Consequentemente, os fornecedores das Casas Bahia — o setor atacadista —
reduzirão suas encomendas para as indústrias. E as indústrias de fogões,
geladeira e televisão irão reduzir sua produção e, consequentemente, sua
demanda por bens de capital. E então as indústrias de bens de capital irão
parar. E o faturamento de toda a indústria vai diminuir.
E aí o primeiro recurso será dar férias coletivas.
Se as coisas não melhorarem, demissões.
No final, todo aquele investimento e toda aquela
expansão dessas indústrias se mostram errados, pois foram baseados na crença de
que haveria uma demanda forte e contínua por seus produtos.
Ou seja, nos ciclos econômicos, os setores da
economia que mais se expandem e que mais se contraem são aqueles que estão no início da cadeia produtiva.
Quando uma economia entra em processo de
crescimento, o setor industrial é o que mais contrata e o que mais investe; e
quando a economia entra em recessão, o setor industrial é aquele que mais corta
empregos e que mais reduz seus investimentos.
Depois vem o setor atacadista. Depois o comércio. Já
o setor de serviços tende a ser o que menos sofre.
A
prática
Tudo o que foi descrito acima é apenas uma teoria, deduzida aprioristicamente.
Vamos ver a prática no Brasil.
No gráfico abaixo, a linha vermelha é a SELIC e a
linha azul é a produção da indústria de bens de capital, que é quem fabrica as
máquinas que serão usadas pelas indústrias que irão fabricar os fogões para as
Casas Bahia.

Gráfico
9: evolução da SELIC (linha vermelha) versus produção da indústria de bens de
capital (linha azul). Fonte: Banco Central
O setor de bens de capital, relembrando, é aquele
que está lá no início da cadeia produtiva.
A correlação é perfeita e direta: a SELIC cai, a
produção da indústria de bens de capital sobe. A SELIC sobe, a produção da
indústria de bens de capital cai. Exatamente
como prevê a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.
No próximo gráfico, a linha verde é a produção da
indústria de bens de consumo, que é quem compra os bens de capital para fabricar
os fogões pras Casas Bahia. Observe que a oscilação também acompanha diretamente
os juros (linha vermelha) e a indústria de bens de capital (linha azul), embora
já seja menor.

Gráfico
10: evolução da SELIC (linha vermelha) versus produção da indústria de bens de
capital (linha azul) versus produção da indústria de bens de consumo (linha
verde). Fonte: Banco Central
A menor oscilação é explicada exatamente pelo fato
de se tratar de uma indústria que está mais próxima do consumidor final.
Por fim, vejamos o comércio.
No gráfico abaixo (o site do BC mudou aleatoriamente
a cor das linhas, sem dar opção), a linha vermelha é a SELIC, a verde é a
indústria de bens de capital e a azul é o comércio.

Gráfico
11: evolução da SELIC (linha vermelha) versus produção da indústria de bens de
capital (linha verde) versus comércio ampliado (linha azul). Fonte: Banco
Central
Observe que o comércio é o exatamente o setor que
menos sofre, pois é o que está mais próximo do consumidor final. Ainda assim,
há alguma correlação entre ele e a SELIC.
(A única vez em que o comércio não foi afetado por
uma subida na SELIC foi em 2010-2011. Em todo o resto ele o foi, em maior ou
menor grau. De 2014 em diante, foi explícito).
Ou seja, mais um pilar da TACE, deduzido
aprioristicamente, foi comprovado pela empiria: alterações nos juros afetam
muito mais profundamente aqueles setores que estão lá no início da cadeia
produtiva, longe do consumidor final, e afetam menos aqueles que estão mais
próximos dos consumidores. Quanto mais próximo do consumidor final,
menor é a volatilidade do setor.
Atualmente, e sem qualquer surpresa, quem
mais está crescendo na economia brasileira é exatamente a indústria.
Ludwig von Mises começou a explicar tudo isso em 1912 e explicou
por completo na década
de 1920. Estamos em 2017 e tudo continua funcionando exatamente como ele deduziu.
Nenhuma outra escola de pensamento econômico enfatiza esse ponto. Com efeito, nenhuma
outra parece sequer saber disso.
Como
alterações nos juros, na oferta monetária e na estrutura de produção afetam os
preços
Por último, a última e talvez mais importante parte:
ver como as alterações nos juros, na oferta monetária e na estrutura de
produção — que é o que o já vimos até agora — afetam os preços.
Afinal, vale lembrar que o Banco Central manipula a
SELIC exclusivamente com a intenção de controlar
os preços. Toda a justificativa para manipular juros é exatamente
"gerenciar os preços".
Até agora, vimos as consequências da manipulação dos juros. Falta ver se essa
manipulação ao menos alcança seu objetivo, que é controlar os preços.
O gráfico abaixo, também com média móvel de 12
meses, mostra a evolução da taxa de inflação de preços no setor atacadista.

Gráfico
12: evolução mensal dos preços do atacado. Fonte: Banco Central
Relembrando: os atacadistas são aqueles que compram
das indústrias e vendem para as Casas Bahia. Na prática, esse gráfico mostra o
comportamento dos preços que os atacadistas — depois de terem comprado das
indústrias — cobram das Casas Bahia pelos estoques fornecidos.
Se os preços estão aumentando, isso significa que a
demanda dos empresários (Casas Bahia) para repor seus estoques está crescente,
o que indica que o consumo e a renda da população estão em alta. Se os preços
estão desacelerando, a demanda dos empresários para repor seus estoques está em
retração, o que indica que o consumo e a renda real da população estão em
queda.
Não
existe queda contínua de preços no setor atacadista se a
economia está aquecida.
Utilizando a lógica e tudo o que já foi apresentado,
é possível deduzir aprioristicamente que, se os preços no atacado estão
subindo, é porque a SELIC está caindo, a oferta monetária está aumentando, a
renda está subindo, e o comércio está fazendo pedidos para as indústrias para
repor seus estoques.
Inversamente, se os preços no atacado estão caindo,
é porque a SELIC está subindo, a oferta monetária está desacelerando, a renda
está estagnando, e o comércio não está repondo estoques.
Vamos à prática.
No gráfico abaixo (o site do BC novamente mudou
aleatoriamente a cor das linhas), a linha vermelha é a SELIC e a azul, os
preços no atacado. Média móvel para 12 meses. As escalas estão diferentes, mas o que interessa é a correlação.

Gráfico
13: evolução da SELIC (linha vermelha) versus evolução mensal dos preços do atacado
(linha azul). Fonte: Banco Central
Comecemos com uma curiosidade: ano 2002, Lula eleito,
vários empresários acreditaram
que a hiperinflação iria voltar. Logo, eles saíram aumentando seus preços avassaladoramente
para se proteger (houve também uma forte desvalorização cambial à época, com o
dólar indo de R$
2,40 para R$ 3,99). Consequentemente, para conter essa escalada de preços, o
Banco Central elevou a SELIC pra 26,50% ao ano.
E aí todo o ciclo começou. De novo, a correlação é
total.
Aumento na SELIC desacelera o aumento da oferta
monetária e da renda. O comércio passa a fazer menos pedidos para o atacado
para repor estoques. Consequentemente, as indústrias vendem menos para o
atacado. Ou seja: aumento dos juros
gera diretamente uma desaceleração nos
preços do atacado.
E vice-versa. Redução na SELIC acelera o aumento da
oferta monetária e da renda. O comércio passa a fazer mais pedidos para o
atacado para repor estoques. Consequentemente, as indústrias vendem mais para o
atacado. Ou seja: redução dos juros
gera diretamente uma aceleração nos
preços do atacado.
Agora, outra curiosidade:

Gráfico
14: evolução da SELIC (linha vermelha) versus evolução mensal dos preços do
atacado (linha azul), com destaque para o período 2014-2015. Fonte: Banco
Central
A única desconexão ocorre no período 2014-2015. A
SELIC começa a subir em 2013 e os preços no atacado caem, como era de se
esperar. No entanto, eles voltam a subir com força em 2015, mesmo com a SELIC
subindo.
Motivo? Os controles de preços do
governo Dilma. O congelamento dos combustíveis e das tarifas de energia
elétrica diminui os custos das indústrias, o que as permitiu segurar um pouco o
aumento dos preços no atacado. Isso se manteve até o final de 2014, pra
garantir as eleições.
Em 2015, já reeleita, ocorre a inevitável correção
dos preços. E então eles disparam, mesmo com os juros já subindo. Para piorar,
ainda houve uma brutal desvalorização cambial, com o dólar saltando de R$
2,40 para R$ 4,20.
Por isso, a SELIC teve de subir ainda mais para
contrabalançar esses reajustes. Só que ela subiu tanto, que os preços voltaram
a desabar feito a uma pedra. (Isso foi abordado em mais detalhes aqui).
Conclusão: os juros
afetam diretamente os preços do setor atacadista.
Certo, mas nós consumidores compramos no varejo, e
não no atacado. E são os preços do varejo que o IBGE mensura por meio do IPCA.
E é o IPCA que o Banco Central monitora. O Banco Central mexe na SELIC exatamente
de olho no IPCA. Toda a justificativa para se mexer na SELIC está no IPCA.
O que nos leva então à derradeira pergunta:
Afinal,
aumentar a SELIC funciona ou não pra debelar a carestia?
Já vimos que a SELIC afeta a quantidade de dinheiro
líquido na economia, o PIB, a estrutura de produção da economia, todo o setor
industrial, os preços no atacado e o comércio (embora menos).
Mas a SELIC é manipulada pelo Banco Central com a
justificativa de que isso irá afetar os preços ao consumidor, e não os preços do
atacado.
Funciona?
Pela lógica apriorística, tem de funcionar. Afinal,
se a SELIC afeta a quantidade de dinheiro na economia, isso de alguma forma tem
de afetar os preços finais ao consumidor.
No gráfico abaixo, a linha azul é a SELIC e linha
vermelha é o IPCA.
Gráfico
15: evolução mensal da SELIC (linha azul) versus evolução mensal do IPCA (linha
vermelha). Fonte: Banco Central
De novo, a correlação é direta.
Mas atenção! O IPCA embute vários preços que não
estão sujeitos às leis do mercado, pois são preços administrados pelo governo.
Combustíveis, energia elétrica, gás de bujão, pedágio, taxa de água e esgoto,
planos de saúde, tarifas de celular e de telefonia fixa, remédios,
licenciamento etc.
E esses preços, por definição, não podem ser
afetados pela SELIC.
Assim, vamos pegar apenas os preços livres, que são
os preços determinados livremente pelo mercado. (O site do BC trocou as cores
de novo...)

Gráfico
16: evolução da SELIC (linha vermelha) versus evolução mensal do IPCA-itens
livres (linha azul). Fonte: Banco Central
Observe que a correlação é total.
Começando no início de 2002: a SELIC está subindo e
o IPCA, caindo. E então Lula é eleito e o IPCA dispara (por causa daquela
elevação dos preços no atacado e também por causa da desvalorização cambial
ocorrida).
Consequentemente, a SELIC sobe forte e o IPCA
desaba.
Em 2004, a SELIC cai rapidamente e o IPCA ameaça uma
reação tímida. Imediatamente a SELIC volta a subir (essa era a época
de Afonso Beviláqua no BC) e, com essa subida da SELIC, o IPCA cai forte
até o fim de 2006. Dali, a SELIC cai prolongadamente e o IPCA sobe. E por aí
vai.
Nova curiosidade:

Gráfico
17: evolução da SELIC (linha vermelha) versus evolução mensal do IPCA-itens
livres (linha azul), com destaque para o período 2014-2015. Fonte: Banco
Central
Observe que, após a liberação dos preços congelados,
o IPCA ameaça uma subida. Mas a SELIC subiu tão forte (e a oferta monetária já havia
desabado; ver gráficos 2 e 3), que o IPCA perdeu força e afundou. Está hoje nas
mínimas históricas.
Vale ressaltar que foi por causa daquele período
destacado — em que os juros estavam subindo, mas o IPCA resistia e chegou até
a subir após a liberação dos preços — que surgiram teorias esdrúxulas como a
da "dominância
fiscal", a qual dizia que aumentar juros não só não mais combatia a
carestia como, ao contrário, gerava ainda mais carestia, e que o certo,
portanto, seria reduzir a SELIC para quase zero, como disse
André Lara Resende.
Tudo por causa daquele período ali. Aparentemente,
foi esquecido que a economia havia vivenciado um período de dois anos e meio de
controle de preços, e que após a liberação haveria vários reajustes em todas as
áreas, inclusive nos preços livres — reajustes esse que, aliás, foram até
bastante modestos. (Abordado em mais detalhes aqui).
Por fim, um dos gráficos mais reveladores de todos.

Gráfico
18: evolução mensal do IPCA-itens livres (linha azul) versus evolução mensal
dos preços do atacado (linha vermelha). As escalas estão diferentes. Fonte:
Banco Central
A linha vermelha são os preços no atacado, que nós
já vimos, e a linha azul é o IPCA preços livres. As escalas estão diferentes (os
preços do atacado, coluna da esquerda, variam com muito mais amplitude que o
IPCA livre), mas o que importa é: a variação é praticamente idêntica. No
entanto, quem varia primeiro são os
preços no atacado. Depois, só depois,
é que varia o IPCA.
Isso é óbvio. Como já visto, o comércio faz as
encomendas para o setor atacadista, e o atacado encomenda para as indústrias.
Se os preços no atacado sobem, os do comércio irão subir (embora menos). Se os
preços do atacado caem, os do comércio irão desacelerar.
Ou seja, quem
determina o IPCA são os preços do atacado.
Portanto, e finalmente, chegamos à conclusão
derradeira: o Banco Central mexe na SELIC para influenciar o IPCA. Só que o
IPCA só é influenciado depois que toda a
estrutura de produção da economia foi alterada; depois que a SELIC afetou
indústria, atacado e varejo.
Ou seja: para influenciar o IPCA, a SELIC primeiro
afeta toda a estrutura de produção da economia. E então, só então, isso vai
afetar os preços aos consumidores.
Conclusão: para que o governo consiga controlar
preços manipulando juros, ele tem
necessariamente que desarranjar toda a economia.
É impossível manipular juros e acreditar que os
efeitos disso ficarão restritos apenas ao preço das roupas, do dentista, do
encanador, da pizza, do liquidificador, da geladeira etc.
Os preços estão altos? O BC eleva a SELIC, o crédito
diminui, a oferta monetária cai, o consumo cai, o comércio reduz encomendas
para as indústrias, as indústrias cortam produção e demitem, os preços no
atacado caem, e aí então, só então, o IPCA desacelera.
É assim que funciona um controle de preços via
manipulação arbitrária de juros.
Eis aí um grande exemplo de por que todo e qualquer
microgerenciamento de uma economia sempre irá gerar consequências
não-premeditadas.
Águia
ou galinha?
Tudo isso nos permite responder ao título dessa
apresentação: vamos ter vôos de galinha ou de águia?
Voltemos ao gráfico que sintetiza toda essa
apresentação, e que é o gráfico mais importante de todos.

Gráfico
19: evolução da quantidade de dinheiro em conta-corrente (linha azul) versus
evolução da SELIC em valores mensais (linha vermelha). Fonte: Banco Central
Linha azul, oferta monetária (dinheiro em
conta-corrente). Linha vermelha, taxa SELIC.
Águia ou galinha? Tudo vai depender das políticas
que irão afetar essas duas variáveis. Enquanto for mantido esse padrão de
serpente, de montanha-russa, será galinha.
O que fazer?
Sem devaneios e considerando apenas o possível, há três
medidas totalmente factíveis que podem ser adotadas.
1. Investimento Estrangeiro Direto
Quando estrangeiros vêm para o Brasil e trocam suas
moedas por real, não há expansão monetária se
o BC não intervier.
Quando estrangeiros trocam sua moeda por real, a taxa
de câmbio se aprecia pontualmente. Se o BC nada fizer, não há expansão
monetária. Porém, se o BC intervier para impedir a apreciação do câmbio, haverá
expansão monetária, o que gera um ciclo econômico.
Portanto, o IED é uma maneira de os investimentos produtivos
aumentarem e a economia crescer sem
manipulação de juros e sem expansão monetária.
E com um adendo: IED implica necessariamente redução
drástica de tarifas de importação — pois os estrangeiros terão de importar
insumos que não há aqui — e inserção do país na economia mundial.
Vai acontecer? Difícil. E o difícil nem é o Banco Central
se restringir e deixar o câmbio se apreciar, mas sim convencer os estrangeiros
a virem pra cá. Não há segurança institucional, não há segurança física, a
carga tributária é alta, o código tributário é indecifrável, não temos uma
grande tradição de respeito à propriedade privada, e temos uma cultura que
sempre foi incentivada a desconfiar dos capitalistas estrangeiros.
Logo, sem o IED, sobram apenas manipulação dos juros
e expansão monetária. Como nossa poupança interna sempre foi baixa, os
investimentos ocorrem por redução artificial dos juros e expansão do crédito.
2.
Reforma da Previdência
A reforma reduziria os déficits do governo, e uma
das causas das variações dos juros e da oferta monetária são os déficits do
governo.
Quando o governo põe um grande volume de títulos do
Tesouro à venda para se financiar, isso tende a elevar os juros de longo prazo,
o que desestimula os investimentos produtivos. Se os juros de longo prazo são
altos, investidores e empreendedores vão para a renda fixa.
E vendo o atual estado do déficit orçamentário do
governo, as perspectivas não são nada auspiciosas.

Gráfico
20: evolução do déficit nominal do governo federal. Fonte e gráfico: Banco
Central
Reduzir esse déficit traria mais segurança quanto ao
futuro das finanças do governo. Com déficits menores, as chances de aumentos de
impostos no futuro são menores. E isso estimularia mais investimentos
produtivos.
As taxas de juros de longo prazo também seriam
menores, o que tornaria investimentos produtivos de longo prazo mais factíveis.
3.
Respeitar o teto de gastos
Talvez a melhor medida aprovada pelo governo Temer, o teto de gastos, caso
seja efetivamente respeitado, pode ajudar bastante nesse processo de redução do
déficit orçamentário, gerando os efeitos benéficos citados acima (queda dos
juros de longo prazo e redução das expectativas de que haverá aumento de
impostos).
Com esses três itens, a economia poderia se
aproximar mais de uma águia.
Duas
notas mais otimistas
Antes de concluir, duas
notícias boas.
A primeira é que, ao
menos por ora, parece que as pessoas estão quitando suas dívidas. Ou, no jargão
técnico, estão se desalavancando.
A linha vermelha mostra
a evolução do endividamento das famílias em relação à sua renda anual. E a
linha azul mostra a mesma coisa só que excluindo o crédito habitacional, ou
seja, a dívida voltada exclusivamente para a compra de imóveis.

Gráfico 21: evolução do
endividamento das famílias em relação à sua renda anual (linha vermelha) e
evolução do endividamento das famílias em relação à sua renda anual excluindo o
crédito habitacional (linha azul). Fonte: Banco Central
A dívida total (linha
vermelha) está em queda. Já esteve em 46% e agora está em 42% da renda anual.
Pode parecer pouco, mas não é. Esse valor é o mesmo de 2011.
E quando se exclui o
crédito habitacional, a queda foi de 32% para 22,5% da renda anual, mesmo nível
em que estava em 2007.
Ou seja, as pessoas
estão desalavancando. E essa foi uma das
causas da queda na oferta monetária. Pessoas quitando dívidas junto aos
bancos.
Por outro lado, essa
desalavancagem significa que haverá espaço para uma nova rodada de
endividamento. Mais expansão do crédito, mais consumo. Isso pode aditivar o
PIB, temporariamente, e beneficiar o eventual governante que estiver na
presidência. A conferir.
A outra notícia, e essa realmente é muito boa, é que
a expansão do crédito subsidiado feita pelos bancos estatais não só está sob
controle, como ainda está em retração.
A linha vermelha mostra a evolução do total de
crédito concedido pelos bancos estatais, inclusive e principalmente BNDES; e a
linha azul, o total de crédito concedido pelos bancos privados.

Gráfico
22: evolução do crédito concedido pelos bancos estatais (linha vermelha) e evolução
do crédito concedido pelos bancos privados (linha azul). Fonte: Banco Central
Os bancos estatais, desde 2008, foram os principais
causadores da expansão monetária no Brasil. Bancos estatais não estão sujeitos
à SELIC e obedecem a ordens políticas. (Veja todos os detalhes
aqui).
Eles emprestam a juros bem baratos, muito abaixo da
SELIC, criando depósitos em conta-corrente nesse processo. Consequentemente, para
tentar conter um pouco dessa expansão monetária, o Banco Central tem de subir a
SELIC para uma taxa muito maior do que seria necessária caso não houvesse essa
prática.
Sendo assim, com os bancos estatais agora contidos
— aliás, em retração — há sim uma grande
chance de que a SELIC permaneça baixa por um bom tempo. E sem que haja
grandes explosões na oferta monetária.
A questão é ver como os bancos privados irão se
comportar, principalmente perante aquela desalavancagem feita pelos
consumidores.
Conclusão
Águia ou galinha? Até hoje foi galinha
Poderá se aproximar de uma águia quando a) houver
uma forte injeção de IED sem expansão monetária — ou seja, com o BC permitindo
apreciação cambial; b) o déficit do governo estiver zerado ou ao menos com
tendência de queda (o que depende da reforma da Previdência e da manutenção do
teto de gastos); e c) os bancos estatais estiverem efetivamente domados, o que
inclui o BNDES.
Acima de tudo, será menos galinha e mais águia
quando esse gráfico da SELIC e da oferta monetária deixar de ter esse formato
de montanha-russa.

Gráfico
23: evolução da quantidade de dinheiro em conta-corrente (linha azul) versus
evolução da SELIC em valores mensais (linha vermelha). Fonte: Banco Central
Para que isso aconteça, adotar esses três pontos —
IED, zerar déficit e controlar bancos estatais — é imperativo. Não basta. Mas
começa por ali.
Como sempre diz o economista Steve
Hanke, "money dominates", o
dinheiro domina. Dado que o dinheiro está presente em todas as transações feitas
na economia, o que realmente irá conduzir as flutuações econômicas são essas
duas variáveis: juros e oferta monetária.
São elas que têm o poder de transformar galinha em
águia. O resto, por incrível que pareça, é secundário. Logo, o crucial é
implantar medidas que estabilizem essas duas variáveis.
E
como ganhar com isso
Por último, aqui vai o que realmente interessa: você
e o seu dinheiro. Como investir e ganhar dinheiro com todos esses movimentos
cíclicos?
A receita é um feijão-com-arroz tradicional, mas é
incrivelmente funcional:
a) Se a SELIC já subiu bastante e a oferta monetária
começou a se estagnar, isso significa que o IPCA irá desacelerar e,
consequentemente, a SELIC voltará a cair. Invista em títulos prefixados (os
CDBs de bancos pequenos, cobertos pelo FGC, são os mais rentáveis). Quem fez
isso em 2003, 2005, 2008 e 2015 se deu bem. (No início de 2016, havia
prefixados pagando 18% ao ano).
b) Quando a SELIC está caindo ou já está baixa e a
oferta monetária já voltou a subir forte, invista em títulos atrelados ao IPCA.
Como segunda opção, invista naqueles que pagam acima de 120% do CDI. (Atenção:
este ainda não é o cenário atual, pois a oferta monetária ainda segue
relativamente contida por causa dos bancos estatais. Por enquanto, prefixados
pagando acima de 11% continuam um ótimo negócio, assim como títulos que paguem
acima de IPCA + 6%).
c) Investir no Ibovespa é mais complicado porque o
índice está repleto de estatais, e estas tradicionalmente seguem ordens
políticas, e não uma demanda de mercado. Ainda assim, vale ressaltar que,
excetuando-se o ano de 2013, há uma correlação direta
entre o Ibovespa e a oferta monetária.
d) Para os que gostam de arriscar, em períodos de
início de recuperação, como o atual, ações ligadas à indústria, principalmente
aos setores do início da cadeia produtiva, tendem
a desempenhar muito bem (desde que elas não sejam colhidas pela Lava-Jato).
Inversamente, em início de recessão, ficar vendido nestas ações também trará
ganhos.
Munido destas informações, você pode agora não só saber
em que ponto do ciclo econômico está a economia brasileira, como também pode fazer
previsões econômicas e, caso esteja seguro, se arriscar e investir de acordo
com essas previsões.